Vitor Nuzzi

Angenor e João. O paulista de Valinhos e o carioca do Catete

Vicente Mendonça Mais um carnaval. À mezza notte o’clock, Angenor de Oliveira e João Rubinato se encontram, como de hábito, no alto do Morro do Bamba. Madrugada lá no morro, […]

Vicente Mendonça

Mais um carnaval. À mezza notte o’clock, Angenor de Oliveira e João Rubinato se encontram, como de hábito, no alto do Morro do Bamba. Madrugada lá no morro, que beleza.

– É, João. Mais um carnaval vem aí. Lembra do seu primeiro? Faz tempo, hein, compadre?
– Vila Esperança, foi lá que eu passei o meu primeiro carnaval. Vila Esperança, foi lá que eu conheci Maria Rosa, meu primeiro amor. Como fui feliz naquele fevereiro, pois tudo para mim era primeiro… Olha, tive a alegria que tem todo Pierrô ao ver que descobriu sua Colombina.
Com sua voz rouca, o paulista de Valinhos devolve a pergunta ao carioca do Catete, que vai recordando.
– É com tristeza que relembro coisas remotas que não vêm mais… Uma escola na Praça Onze, testemunha ocular. E perto dela uma balança onde os malandros iam sambar.
– Mudou muito, né, parceiro? Mas teve coisa boa também.
– Depois, aos poucos, o nosso samba, sem sentirmos, se aprimorou. Pelos salões da sociedade, sem cerimônia, ele entrou. Já não pertence mais à praça, já não é samba de terreiro. Vitorioso, ele partiu para o estrangeiro.
Tempo em que sambista tocar para gringo ainda era novidade.
– E muito bem representado por inspiração de geniais artistas, o nosso samba, humilde samba, foi de conquistas em conquistas. Conseguiu penetrar no Municipal depois de percorrer todo o universo!
Mas João lembra que depois vieram outros ritmos.
– Eu também um dia fui uma brasa, e acendi muita lenha no fogão. E hoje o que é que eu sou? Quem sabe de mim é meu violão. Mas lembro que o rádio que hoje toca iê-iê-iê o dia inteiro tocava Saudosa Maloca.
Mesmo assim, ele gosta “dos meninos desse tal de iê-iê-iê”, garante. Por falar em gostar, João pega o violão e lembra de um grande amor.
– Com a corda mi do meu cavaquinho fiz uma aliança pra ela, prova de carinho… Quantas serenatas eu tive de perder, pois meu cavaquinho já não pode mais gemer… Quanto sacrifício eu tive de fazer pra dar a prova pra ela do meu bem-querer.
E como a conversa vai parar no instrumento, Angenor ­suspira.
– Ah, estas cordas de aço, este minúsculo braço… Do violão que os dedos meus acariciam. Ah, este bojo perfeito, que trago junto ao meu peito. Solte o teu som da madeira, eu, você e a companheira. Na madrugada iremos pra casa cantando…
– Para com isso, Angenor. Assim você me lembra daquela ingrata: Pafunça, Pafunça, que pena, Pafunça, que nossa amizade virou bagunça. O teu coração sem amor se esfriou, se desligou. Inté parece, Pafunça, aqueles alevador que está escrito “não fununça”, e a gente sobe a pé! E pra me judiar, Pafunça, nem meu nome tu pronunça.
Eles se olham, e sabem que, como diz o amigo Paulinho, que está lá embaixo tocando para quem quiser ouvir, a vida não é só isso que se vê. É um pouco mais.
– Finda a tempestade, o sol nascerá. Finda esta saudade, hei de ter outro alguém para amar.
– É isso aí, Angenor! Não seja bobo, não se escracha. Mulher, patrão e cachaça em qualquer canto se acha.
O sol, que já nasceu, agora baixa no morro. Mathilde e Zica começam a chamar. Os parceiros se levantam e trocam afagos.
– Deixe-me ir, preciso andar…
– Não posso ficar nem mais um minuto com você…