editorial

A ousadia é coletiva. Quando a cumplicidade garante a boa obra

Como não está com jeito que o governo vai ajudar a mexer com o monopólio da liberdade de expressão, é o leitor, o espectador, o ouvinte, o consumidor de informação quem vai bancar as novas mídias

paulo pepe/rba

Equipe da Agência Pública, que recorre também à vaquinha para bancar grandes pautas

A presidenta Dilma Rousseff fechou o primeiro mês de seu mandato, janeiro de 2011, com a taxa básica de juros, a Selic, a 11,25% anuais. A diferença entre Selic e a inflação, uma taxa real de cinco pontos, era uma das mais elevadas do mundo. Ainda naquele ano, a Selic chegou a 12% e depois começou um movimento consistente de queda, até 7,25%, percentual mantido de novembro de 2012 a março deste 2013, quando a taxa real chegou em 0,75 ponto, recorde histórico.

Bastou a água da inflação bater no joelho, o tal “teto” da meta de 6,5%, e a Selic voltou a subir. Isso num momento em que o governo travava batalha com o sistema financeiro, usando a força dos bancos públicos para estimular o crédito e a produção. Ao encerrar 2013 com a Selic a 10%, o BC levou a taxa real a cerca de quatro pontos acima da inflação, mais generosa com especuladores do que com contas públicas. E assim a presidenta entra em seu último ano de governo: com juros menores do que há três anos, mas recuando na briga com os bancos. Em 2014, essa oscilação entre ousadia e cautela comporá o xadrez político, e pode definir se o seu favoritismo se consolida ou recua.

Aos movimentos que batalham por mais democracia e menos desigualdade, cabe continuar cobrando com ousadia o que ainda não foi alcançado. Mesmo porque nem tudo depende de governo ou Congresso para acontecer. Com greves e suados acordos coletivos, sindicatos alcançam melhores salários e condições de trabalho. Em cooperativas, trabalhadores conseguem uma produtividade que jamais alcançariam sozinhos. Até autores de livros, invenções e outros projetos inovadores recorrem ao financiamento coletivo para viabilizar ideias. Conceitos de vaquinha, consórcio, cooperativa e outras formas de ajuda mútua são antigos e funcionais.

O mundo tecnológico modernizou a vaquinha, e alguns resultados estão na reportagem de capa. A prática é um meio de superar o modelo em que as corporações ditam que projeto vão comprar, que ideia vai pegar. E como não está com jeito de que o governo vai ajudar a mexer com o monopólio da liberdade de expressão, é o leitor, o espectador, o ouvinte, o consumidor de informação quem vai bancar as novas mídias. Elas estão aí – a Revista do Brasil e a RBA entre elas –, incomodando cada vez mais os os velhos modelos. Compreenda o valor de fazer parte dessa construção coletiva.