Análise

Mauro Santayana: A juventude rebelde, do Chile e do Brasil

Jovens lideranças chilenas provaram que é possível levar a sua causa das ruas para ocupar o parlamento e dar sequência à sua luta. Quantas lideranças surgidas nas manifestações no Brasil farão o mesmo

Marcelo Hernandez/EFE

Jovem comemora vitória de Bachelet na capital chilena

Qué haré sin caminar con la bandera
que de mano en mano en la fila
de nuestra larga lucha
llegó a las manos mías?

Ay Patria, Patria,
ay Patria, cuándo
ay cuándo y cuándo
cuándo
me encontraré contigo?

Esses versos, de esperança e amor do poeta Pablo Neruda nos remetem à conturbada trajetória do povo chileno, na construção do destino de um país que foi palco de uma das mais sangrentas e impiedosas ditaduras do nosso continente no século passado.

Uma das duas únicas nações que não possuem fronteiras com o Brasil na América do Sul – pátria de outros poetas e compositores que ajudaram a construir a mística da luta latino-americana, como Violeta Parra e Victor Jara – o Chile se encontra, hoje, às vésperas de mais um momento político decisivo, com as eleições que acabaram tendo de ser definidas em segundo turno, no dia 15 de dezembro.

Não se trata apenas da provável eleição de Michelle Bachelet, com a volta da esquerda, e da Concertação Popular, ao poder, naquele país. Essa eleição chilena é peculiar porque é a primeira a ser feita depois da implantação do voto facultativo. E também porque corresponde à estreia, no plano eleitoral, de uma série de jovens lideranças. A maioria delas, surgida no bojo das manifestações que tomaram conta das ruas, no governo neoliberal de Sebastian Piñera, que está deixando o poder.

No Chile, os protestos estiveram, desde o início, voltados para um tema principal – o avanço do ensino público em um país no qual o ensino particular domina 75% do mercado. No Brasil, as passeatas que começaram com o movimento do passe livre foram paulatinamente agregando outros temas, como o combate à corrupção e a Copa do Mundo. E por aqui não houve um único segmento na liderança do processo. Infiltraram-se, nos movimentos iniciais, grupos “apartidários” que se opõem não apenas ao governo Dilma, mas, ao próprio sistema democrático.

Com o fim da obrigatoriedade de voto, no Chile, menos de 50% dos eleitores compareceram às urnas, o que pode agravar a governabilidade, a partir do próximo governo – a oposição poderá alegar – insidiosamente – que ele não estará representando a maioria da população. Um grupo de estudantes invadiu o escritório de campanha de Bachelet, depois das eleições, para afirmar que a questão política não estava nas urnas, mas nas ruas – lembrando as manifestações.

E outros dirigentes do movimento estudantil que colocou o governo Sebastian Piñera contra a parede conseguiram se eleger para a Câmara dos Deputados, nas eleições legislativas de 17 de novembro: Camila Vallejo e Karol Cariola, pelo Partido Comunista; Gabriel Boric, eleito pela Esquerda Autónoma; e Giorgio Jackson, pela oposição democrática, vão defender, no parlamento, a bandeira da “educação de qualidade e gratuita”. No Chile, a juventude foi às ruas, a partir de maio de 2011, de cara limpa e com uma bandeira definida.

No Brasil, lideranças autênticas, como as do Movimento do Passe Livre, foram ofuscadas por grupos fascistas que impediram, na base da agressão, o direito de manifestação partidária. E muitos jovens preferiram esconder o rosto atrás das camisetas pretas dos black blocs, e das máscaras de Guy Fawkes, estas, inspiradas no discurso direitista dos vídeos virais de grupos definidos como Anonymous e do movimento #ChangeBrazil!.

Mesmo assim, cabem as perguntas: as jovens lideranças chilenas poderão influenciar, decisivamente, a história de seu país, para além do projeto da Concertación Democrática, de Michelle Bachelet? Eles já provaram – apesar de terem protestado – que é possível levar a sua causa das ruas para ocupar o parlamento, e dar sequência às suas reivindicações. Quantas jovens lideranças, surgidas nas manifestações deste ano, no Brasil, poderão fazer o mesmo e se transformar em deputados, nas eleições de 2014?