história

Encontros inusitados, de Marilyn Monroe a Janis Joplin

Grandes encontros e desencontros que poderiam terminar em drama, tragédia ou comédia

Michiel Hendryckx/cc e Klaus Hiltscher/cc

Allen Ginsberg, homossexual assumido, tomou Patti Smith por um garoto e pagou-lhe um sanduíche

Nos últimos tempos, parece que a diplomacia e a conversação como forma de resolver impasses andam meio que pela bola sete. De estadistas a cônjuges, de black blocs a pagodeiros, parece que o pessoal anda preferindo a espionagem informática, o barraco ou simplesmente ficar de mal, em vez do bom e velho olhos nos olhos. Ora, talvez a chegada do ano a sua última curva antes da reta final seja ocasião ideal para resgatar o papo em carne e osso como solução de saias-justas. Encontros em vez de encontrões. Do centenário de Vinicius de Moraes, no mês passado, fiquemos com lição de quem passou 77 anos em lua de mel com a existência e escreveu: “A vida é a arte do encontro/ Embora haja tanto desencontro pela vida”.

Para dar exemplo construtivo, eis alguns dos encontros mais assombrosos e desconcertantes que a história registrou, entre personalidades aparentemente tão antagônicas quanto Tom e Jerry. Por exemplo, entre o então homem forte da então União Soviética, Nikita Kruschev, e a então diva Marilyn Monroe. Em agosto de 1959, tentando debelar a escalada da crise sobre o destino de Berlim, o presidente norte-americano Eisenhower convidou o premiê Kruschev para uma visita aos Estados Unidos. Era o auge da Guerra Fria, e nunca um dirigente da URSS havia posto os pés ali.

O programa incluía uma passadinha pelos estúdios da 20th Century Fox, para um banquete com uma constelação: ­Judy ­Garland, Gary Cooper, Kim Novak, Ginger Rogers, ­Kirk ­Douglas, Frank Sinatra e Tony Curtis, entre centenas de ­astros. Os homens de terno escuro e as mulheres de vestido de gala e joias cintilantes. Uma plêiade tão galática que Henry Fonda­ ironizou: “Esta é a coisa mais próxima do maior funeral de Hollywood que já compareci na minha vida”. Logo que chegou, o líder comunista foi apresentado a Marilyn. A deusa usava um tomara que caia tão justo que parecia pintado no corpo. Marilyn começou por proferir uma frase que sua amiga ­Natalie Wood – fluente em russo – a tinha ensinado: “Nós, trabalhadores da 20th Century Fox, nos congratulamos por sua visita ao nosso estúdio e ao nosso país”.

Se Kruchev ficou embasbacado, a atriz não se mostrou impressionada: “Ele me olhou da maneira que os homens olham para uma mulher”. O soviético pegou a mão dela e ronronou: “Você é uma jovem adorável”. Mais tarde, Marilyn contou à sua empregada: “Ele era gordo, feio e com verrugas. Apertou minha mão com tanta força e por tanto tempo que achei que fosse quebrá-la. Bom, antes isso do que ser obrigada a beijá-lo”.

O então marido de MM, o dramaturgo Arthur Miller, foi “encorajado” a ficar em casa, pois era um esquerdista de carteirinha (investigado pelo Senado, dentro da paranoica campanha do senador republicano Joseph McCarthy). Mas com sua mulher eram outros quinhentos. No começo, Marilyn, que nunca lia jornais nem ouvia noticiários, teve de ser instruída sobre quem era aquele russo baixinho e gordinho. Mas o estúdio insistiu. Na Rússia, a América significava duas coisas: Coca-Cola e Marilyn Monroe. Ela adorou ouvir isso.

O presidente da Fox, Spyros Skouras, foi buscar pessoalmente a atriz, cujos atrasos eram lendários. Quando entraram antecipadamente no estacionamento ainda vazio, ela exclamou, mortificada: “Tarde demais! Já acabou!” Pelo contrário: foi a primeira e última vez em sua vida que Marilyn chegou cedo. A protagonista de Quanto Mais Quente Melhor (1959) se sentou a uma mesa com Henry Fonda (com um fone de ouvido para não perder a final do campeonato de beisebol) de um lado e do outro Debbie Reynolds (com cara de tacho, pois na mesa mais próxima arrulhavam seu ex-marido Eddie Fischer com a nova mulher dele, Elizabeth Taylor, até ontem a melhor amiga de Debbie). Quando a loura voltou para casa, Arthur Miller perguntou o que achara do convidado de honra. A divindade fez aquele biquinho radioativo e murmurou: “Ah, acho que na Rússia eles não fazem muito sexo…”

Drummond e Didi Mocó?

Thomas Stearns Eliot, talvez o maior poeta moderno, por fora parecia mais insípido do que o governador conhecido como Picolé de Chuchu. Nunca (bem, exceto num feriado) foi fotografado sem gravata e brilhantina (provavelmente, considerou aquela exceção um nu artístico). Trajava sempre terno de três peças, e pode-se apostar o pescoço como foi o último gênio do Ocidente a usar polainas (morreu em 1965!) – muitos intelectuais ocidentais hoje nem sabem o que são.

Enciclopédia Britânnica e ABC PhotoGroucho Marx e T.S. Eliot
Groucho Marx fez uma preparação cerebral para seu jantar na casa de T.S. Eliot, que preferiu conversar sobre os filmes do convidado

Professava-se classicista em literatura, monárquico em política e anglicano em religião. Criado por uma mãe dominatrix e por quatro irmãs solteiras, estava destinado ao homoerotismo, segundo o mantra psicanalítico. No entanto, a libido de T.S. Eliot era hétero – só que sublimada e platônica. Há quem diga que tirou o atraso e matou as lombrigas com a segunda mulher, Valerie. Mas só casou com esta perto dos 60, emocionalmente dilacerado pela primeira, Vivien – de quem os eliotmaníacos gostam tanto como os beatlemaníacos de Yoko.

Certo, mas foi esse cara careta, esse poeta prosaico que moldou liricamente a alma do século 20 – um século que pode ser acusado de tudo, menos de mala. E adivinhem quem foi seu correspondente mais fascinante? O bufão Groucho Marx. Superficialmente, é como aventar uma corres­pon­dência entre Carlos Drummond de Andrade e Renato Aragão. Mas só para quem desconhece que os melhores amigos de Groucho pertenciam ao mundo da escrita, não do espetáculo.

O que dizer de um gênio desse naipe? Que o proverbial bigode de Julius Henry (seu verdadeiro nome) era postiço (ele o tirava quando queria se esconder dos fãs)? Que nada: o melhor é saborear os textos de Groucho com aquelas forquilhas de descascar lagosta. Um aperitivo: “Sou da opinião de que a maior parte das críticas literárias são demasiado longas. A última crítica que escrevi tinha 112 páginas a mais do que o respectivo livro. Na verdade, andei tão atarefado escrevendo a crítica que nunca arrumei tempo para lê-lo”.

Tudo começou em 1961, quando Groucho recebeu pelo correio uma cartinha do poeta, rasgando seda e lhe pedindo uma foto autografada. Todo pimpão, o humorista atendeu ao pedido e logo veio o agradecimento radiante do Nobel da Literatura. No início, transparecendo na correspondência a ignorância mútua. “Os meus cumprimentos à sua adorável esposa, quem quer que ela seja”. Em breve, ficaram à vontade: “Eu estaria muito interessado em ler suas opiniões sobre sexo. Não hesite. Confie em mim”, responde Groucho.

Groucho e a mulher acabaram por jantar na casa de Eliot. O humorista escreveu ao seu irmão Gummo: “Na semana anterior, li Murder in the Cathedral (peça de Eliot) duas vezes; The Waste Land (poema de Eliot), três vezes; e, para o caso de a conversa encalhar, dei uma olhada no Rei Lear, de Shakespeare. Aliás, como era bobo esse rei”. Só que o anfitrião preferiu papear sobre os filmes do convidado.

Desencontros previsíveis

Elvis Presley desembarcou na Casa Branca de Nixon em busca de um cracháMas o estranho mundo dos encontros improváveis reserva muitas formas de contraste. No final dos anos 1960, Elvis Presley iniciou um hobby que raiou a obsessão: colecionar distintivos policiais. Em 21 de dezembro de 1970, o Rei do Rock manobrou para obter seu Santo Graal: um crachá da Agência Federal de Narcóticos e Drogas Perigosas (BNDD, na sigla em inglês). De terno roxo berrante, baixou de mala e cuia no Salão Oval da Casa Branca, onde estava o presidente Richard Nixon. Bajulando o presidente, Elvis (que já tomava e injetava todas) proclamou seu desejo de “ajudar a América a combater a cultura da droga e o elemento hippie”. E chegou a ponto de acusar os Beatles de “promoverem um espírito antiamericano”.

Nixon ficou meio perplexo, mas considerou que uma associação com um astro tão popular compensava pagar aquele mico. E tome fotografias de apertos de mãos e tapinhas nas costas. No fim, o presidente deu ao cantor o cobiçado distintivo, que indicava o posto de Elvis como “assistente especial”. Já na despedida, Nixon deu uma pisadinha na bola: “Você se veste de maneira meio esquisita, não?” Presley respondeu na lata: “O senhor tem o seu show, e eu tenho o meu”. Não tardaria para o presidente vir a deparar com desencontros comprometedores.

Houve também encontros míticos que não resistiram a uma análise. Em 1938, o octogenário judeu Sigmund Freud se exilou em Londres, deixando sua adorada Viena. Era um titã cultural, por isso os nazistas o deixaram sair da Áustria – mas não sem antes assinar um papel de que estava OK. Ele foi sarcástico: “Recomendo vivamente a cortesia da Gestapo”. Na capital inglesa também vivia o pintor surrealista Salvador­ Dalí, tiete do pai da psicanálise. O escritor Stefan Zweig (que viria a se suicidar no Brasil, que recebera dele a alcunha de país do futuro) arrumou um encontro entre ambos.

Freud padecia de um câncer no maxilar, depois de uma vida inteira fumando 20 charutos por dia. A primeira coisa que disse ao pintor foi: “Devo estar com o pé na cova. Os médicos pararam de me dizer que os charutos vão me matar”. Dalí, que pintou vários retratos de Freud, recordou depois: “Apesar de eu não falar nem alemão, nem inglês, nós nos devorávamos com olhos”. Devia ser um certo exagero, pois no dia seguinte o próprio Freud foi bem menos entusiástico: “Aquele moço parecia um fanático. Se forem todos assim, não me admira que na Espanha estejam se estapeando numa guerra civil”.

Janis Joplin e “Kris Kristofferson”

Allan Blackham/lac e albert b. grossman managementLeonard Cohen e Janis Joplin
O espertinho Leonard Cohen se passou por Kris Kristofferson e enganou Janis Joplin

O Hotel Chelsea, em Nova York, é um dos mais badalados poleiros de artistas da história. Foi lá que Arthur C. Clarke escreveu 2001, uma Odisseia no Espaço, romance que deu no filme de Stanley Kubrick (outro que morou no Chelsea). Em outro aposento, Jack Kerouac alinhavou o livro On the Road (Na Estrada), lançado no ano passado por Walter Salles. O hotel serviu de toca ao poeta irlandês Dylan Thomas (de quem Bob Dylan, que também viveu no Chelsea, tirou seu nome artístico), que lá bateu a caçoleta, depois de tomar todas. No quarto número 100, Sid Vicious, baterista da banda punk Sex Pistols, esfaqueou mortalmente sua namorada Nancy Spungen. Madonna morou no hotel nos anos 1980, e lá voltou em 1992, para as fotos de seu livro Sex, tiradas no quarto 822.
A lista tem um mundaréu de ilustres – Jean-Paul Sartre, Frida Khalo, Edith Piaf, Gore Vidal, Jane Fonda – e até sobreviventes do Titanic, devido à proximidade do cais 54, onde o navio deveria atracar. O hotel rendeu inclusive uma obra-prima musical, a canção precisamente intitulada Chelsea Hotel #2, de ­Leonard Cohen, o relato de seu chamego com Janis Joplin. A letra entrega o ouro: “Você era famosa/ Seu coração era uma lenda/ E preferia homens bonitos/ Mas para mim abriu uma exceção./ E me fez sexo oral numa cama desarrumada/ Enquanto limusines esperavam na rua.”

Num show de 1998 (Janis morrera em 1970) em Nova York, Cohen contou tintim por tintim: “Naquela época eu morava no Hotel Chelsea e vivia andando de elevador, para baixo e para cima. Um dia, encontrei uma moça lá dentro e perguntei: ‘Você está procurando alguém?’ Ela respondeu: ‘É, estou procurando Kris Kristofferson’. E eu: ‘Mocinha, hoje é seu dia de sorte: eu sou Kris Kristofferson!’ Embora eu fosse bem mais baixo do que ela, ela não levou a mal”.

Outro mito da cultura pop, a cantora e compositora Patti Smith, também poderia ter tido um encontro inusitado com o poeta Allen Ginsberg, um trovador da geração beat, numa época em que ambos se hospedaram no Chelsea. Mas foi numa biboca nova-iorquina que ambos se toparam. Patti entrara para comer um sanduíche. Magrela e de cabelo à escovinha, parecia um moleque. Quando percebeu que lhe faltavam uns tostões, Ginsberg se aproximou no maior xaveco, completou a quantia e ainda lhe descolou um café. Os dois jogaram conversa fora, até que, de repente, o poeta (gay assumidíssimo) se inclinou e perguntou ao ouvido dela: “Peraí, você é uma garota?” Ela respondeu com outra pergunta: “Isso é um problema?” Ginsberg balançou a cabeça: “Desculpe, pensei que você fosse um garoto bonito”. Patti ficou alarmada: “Vou ter de devolver o sanduba?” E Allen caiu na risada: “De jeito nenhum, o mico foi meu!”

Texto inspirado em histórias reunidas pelo crítico britânico Craig Brown no livro Hello Goodbye Hello; A Circle of 101 Remarkable Meetings (algo como “Olá Adeus Olá. Um passeio por 101 encontros notáveis”)