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Silvia Buarque segue seu rumo e faz cinema como nunca

Atriz grava em um ano três filmes de sucesso, vive grande momento e se vira com brilho próprio

claudio lima/divulgação

Silvia se diz atriz de teatro, mas este ano está brilhando na telona. Em Os Pobres Diabos (ao lado) faz par romântico com o próprio marido, o ator Chico Diaz

Silvia Buarque afirma que sua praia é o teatro. Apesar disso, admite estar flertando como nunca com o cinema. Durante um ano gravou três longas de sucesso. Gonzaga, de Pai para Filho, que lhe rendeu o prêmio Fiesp/Sesi de atriz coadjuvante; Vendo ou Alugo, que amealhou 12 prêmios no festival de Recife, e o mais recente, Os Pobres Diabos, apresentado em setembro no Festival de Brasília, onde faturou dois Candangos. O filme, do diretor cearense Rosemberg Cariry, venceu a categoria Júri Popular e o Prêmio TV Brasil – no total, R$ 80 mil e a garantia de exibição na programação da emissora pública.

Nada mau, ainda mais considerando os problemas que enfrentou durante o evento. Falhas na projeção cancelaram uma exibição desastrosa na primeira noite da mostra competitiva. A sessão terminou na metade do filme, sob as vaias do público que lotava a sala recentemente reformada do Cine Brasília.

“Foi uma frustração imensa, muito triste”, lamentou a atriz, que pouco antes da exibição rasgou elogios ao festival, o primeiro­ do país e um dos mais importantes espaços do cinema brasileiro. O longa só pôde ser visto do começo ao fim em uma sessão improvisada que teve início quase à meia-noite, com menos da metade da sala ocupada. Uma exibição “afetiva” já havia sido feita no Festival do Ceará. Os Pobres Diabos ainda não tem data de estreia no Brasil, mas está sendo legendado em inglês, francês e espanhol, para viajar por festivais internacionais em 2014.

Problemas à parte, a atriz Silvia Buarque comemora o papel principal. “Nunca tive um papel desse tamanho. Minha carreira de modo geral, e particularmente no cinema, é de formiguinha. Não sou cigarra, sou formiga mesmo.” Apesar do berço esplêndido – filha de Chico Buarque e Marieta Severo, e ainda teve Vinicius de Moraes como padrinho de batismo –, ela diz que não nasceu brilhando nem com talento extraordinário. Aos 44 anos, afirma estar colhendo os frutos de ter começado com 16.

O momento especial se traduz no filme de Rosemberg, como conta Silvia. Ela compara com outro papel, a Dina, participação bem-sucedida no longa Gonzaga, em que interpretou a mulher que cuidou de Gonzaguinha no Rio de Janeiro. “Apesar de ser um  bom personagem que curti muito fazer, foi uma atuação pequena, e não tem como dizer que o tamanho do papel não tem importância, estar como protagonista em um filme do Rosemberg Cariry, e estreando em Brasília, é uma coisa de peso, já estou no lucro.

Em Os Pobres Diabos, Silvia dá vida à Creuza, uma cantora ­arretada e vulgar de uma trupe decadente de circo que perambula­ pelos cafundós dos sertões até se instalar na pequena Aracati, cidade do litoral leste do Ceará a que pertence a turística Canoa Quebrada. “É o filme mais importante que eu já fiz”, declara. No set, a atriz teve ao seu lado o marido, Chico Díaz, e a filha do casal, a pequena Irene, 8, que aparece em algumas cenas. Também compõem o elenco principal Gero Camilo e Everaldo Pontes.

Ela atribui a boa fase também a uma resposta ao amor que sente pelo cinema. “Sou do tipo que vai ao cinema, sozinha e à tarde.” Entretanto, admite que os melhores convites chegam com maior frequência do teatro. Os números comprovam isso. Apesar do tempo de estrada, tem no currículo cerca de dez filmes. Entre eles, Veja essa Canção, de Cacá Diegues, Outras Histórias, de Pedro Bial, São Jerônimo, de Júlio Bressane, e Em teu Nome, de Paulo Nascimento.

No teatro, alguns destaques são Epifanias, de Moacyr ­Goes, Ventania, de Gabriel Vilella, O Homem Sem Qualidade, de Bia Lessa, e Quem Tem Medo de Virginia Wolf, ao lado da mãe, ­Marieta Severo, de Marco Nanini e Fábio Assumção, dirigida por João Falcão. Recentemente esteve nos palcos cariocas, dirigida pela atriz Bianca Byington, com Um Dia Como Os Outros e Cozinha e Dependências, que pretende levar a São Paulo em breve. Na TV, a atuação foi maior. Começou com uma breve – e tensa – participação em Dona Beija, aos 17 anos, na extinta TV Manchete, mas a carreira logo decolou na TV Globo, em novelas como Bebê a Bordo, Sexo dos Anjos e América. O papel mais recente foi em Caminho das Índias, em 2009.

De Chico e Marieta

Mesmo sem ser questionada pela reportagem sobre uma possível mãozinha dos pais em sua carreira, ela se antecipa: “Minha mãe ou meu pai nunca me indicaram para nenhum trabalho. É problemático ser filha do Chico Buarque. Pesado no sentido profissional, mas pessoalmente é uma delicia”. E como é ser filha de Chico e Marieta? “Minha relação com a família é excelente”, diz a irmã mais velha de Helena e Luiza. “Fui criada num ambiente muito feliz e saudável, minhas primeiras lembranças de problemas são da fase adulta, depois dos 20.”

Ela ressalta o talento da mãe para a maternidade. “Tem uma sabedoria humana invejável, é também uma ótima vó, grande amiga,­ ouve o problema de todo mundo.” Os elogios arrefecem um pouco ao falar de Chico. “Ele é ótimo, mas não nasceu para ser pai de criança”, diz. “É daquela geração em que a mãe é que cuida”, explica. “E meio sem noção quanto a limites. Seria bem capaz de dar R$ 100 para eu comprar um chiclete”, brinca. Mas reco­nhece o arsenal de qualidades do pai. “Foi sempre muito amoroso e presente.” E diz que é um ótimo pai de adulto.­­ “É ­coruja de nossos trabalhos, cúmplice, não tenho do que reclamar.”

Feitos os devidos elogios, Silvia fala de outro lado, não tão legal, dessa história de ser filha de Chico e Marieta. Segundo ela, o primeiro olhar de todos está sempre relacionado aos seus pais. “Alguém achar que você é legal por causa de seu pai ou de sua mãe não vale nada, tenho minha própria identidade, já levei porrada em rede social de pessoas que não me conhecem, xingada de esquerdista por coisas políticas que escrevi, e percebi que as críticas não eram pra mim, eram pro meu pai.” Ela garante ainda ter uma ambição bem equalizada: “Meu lugar pode ser pequenininho, não quero ser a protagonista, a grande estrela”.

Silvia lembra uma ocasião em que a situação extrapolou os limites. Aos 20 anos, estudando em Paris, começou a ser abordada na rua, sendo chamada repetidas vezes de “filha do Chico Buarque”. “Chegou o ponto de eu ter de sair correndo.” A atriz diz que a mãe também passou por situação semelhante. “Era chamada de mulher do Chico.” Ao menos no seu caso, Silvia se diz absolutamente resignada. “Não tenho nenhuma esperança de que isso vá mudar.”