Trabalho

A busca por contratos nacionais como meio de reduzir desigualdades

Deslocamento de empresas pelo país reforça pauta sindical sobre acordos coletivos nacionais, ainda restritos a poucas categorias

Roberto Parizotti/CUT

Cayres: “Em um país que não tem sequer as 40 horas, há lugares onde colocam as 50, com horas extras”

Todos os anos, o Ministério do Trabalho e Emprego registra perto de 30 mil convenções ou acordos coletivos. Poucos têm abrangência nacional. Entre os mais conhecidos, dois se concentram em uma empresa, com os 117 mil trabalhadores dos Correios e os 85 mil da Petrobras. A dos 500 mil bancários completou 20 anos em 2012 e é hoje a principal referência em termos de negociação coletiva nacional. E é uma antiga reivindicação dos metalúrgicos – categoria que reúne 2,5 milhões de trabalhadores –, em um contexto de deslocamento de empresas pelo país. Outros setores começam a discutir acordos nacionais, com temas específicos.

O setor automobilístico é um exemplo dessa transição. São Paulo chegou a ter mais de 70% da produção brasileira e hoje tem menos de 50%. Ainda assim, a concentração continua forte: segundo a Associação Nacional de Fabricantes de Veículos Automotores, de 57 unidades industriais em todo o país, 30 estão na Região Sudeste e 21, na Sul. Apenas seis ficam nas demais regiões: três na Centro-Oeste, duas na Nordeste e uma na Norte.

Isso causa alvoroço quando uma empresa resolve se instalar em uma região fora do eixo Sudeste-Sul. A Fiat, por exemplo, decidiu abrir uma fábrica em Goiana, cidade de 75 mil habitantes na zona da mata de Pernambuco e onde o salário médio, segundo o IBGE, não passa de R$ 800, menos de um terço da remuneração média do ramo metalúrgico (R$ 2.500). A unidade deverá funcionar a partir de 2015 e abrir 4.500 vagas. Se o piso na unidade for próximo a R$ 800, equivalerá a pouco mais de 11% do salário médio das montadoras do ABC – R$ 7 mil, em valores deste ano, segundo a subseção do Dieese no sindicato da categoria.

Alternativas

As diferenças salariais por região são um dos nós de qualquer tentativa de estabelecer um acordo nacional. Além disso, na mesma categoria as diversas funções têm remunerações distintas, conforme mostram dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), do Ministério do Trabalho e Emprego, de 2011.

Segundo estudo elaborado pela subseção do Dieese na Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM-CUT), um alimentador de linha de produção, função que concentra mais de 210 mil trabalhadores na base cutista, tem ganho médio de R$ 1.244, um soldador (102 mil) recebe R$ 1.872 e um montador de veículos (48 mil), aproximadamente R$ 2.600. Um montador pode ganhar em torno de R$ 4 mil no ABC e R$ 2.500 em Manaus – e com a jornada do primeiro sendo menor que a do segundo (40 e 44 horas, respectivamente).

Uma alternativa em estudo é negociar, inicialmente, cláusulas sociais. O técnico do Dieese Rafael Serrao, da subseção na CNM-CUT, observa que muitos itens são já comuns nas convenções locais. Por exemplo, há cláusulas sobre horas extras em 98% das convenções, sobre duração e distribuição da jornada em 93%, sobre Cipa e pagamento de salários em 73% e sobre alimentação em 68%.

desigualdade

Alguns itens são vistos como prioridade para iniciar uma negociação desse porte. Em 2012, quando organizou uma conferência sobre tema, a CNM, junto com o Dieese, estudou 41 convenções coletivas, que somavam mais de 2.600 cláusulas. Nasceu aí a proposta de uma pauta mínima de um possível contrato nacional, com cinco itens: creche, funcionamento das Comissões Internas de Prevenção de Acidentes (Cipas), acesso da representação sindical aos locais de trabalho, restrições para demissões imotivadas e duração e distribuição da jornada.

“O primeiro ponto é tentar unificar a data-base”, acrescenta o presidente da CUT no Rio Grande do Sul, Claudir Nespolo. “É melhor negociar no segundo semestre, quando já está encaminhada a economia, para o bem ou para o mal. Se os trabalhadores não compreenderem a importância dessa mudança, não farão campanha. O comportamento das empresas é pela dispersão.”

Produtividade

concentraçãoAs datas-base dos metalúrgicos se espalham pelo país. Entre os gaúchos, por exemplo – 27 sindicatos cutistas, com 220 mil trabalhadores na base –, quase todas são em 1º de maio, com exceção de Caxias do Sul (1º de junho) e São Leopoldo (1º de julho). A dos sindicatos ligados à CUT em São Paulo, entre os quais o do ABC, é 1º de setembro.

Já os metalúrgicos filiados à Força Sindical no estado têm data-base em 1º de novembro. Para Claudir, o contrato coletivo de trabalho é um dos poucos instrumentos de distribuição de renda. “A produtividade dobrou no Brasil nos últimos dez anos, e os acordos coletivos só repuseram 50%.” Segundo ele, o modelo de contratação dos bancários serve de “inspiração” à categoria.

A situação era parecida 20 anos atrás, recorda o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores no Ramo Financeiro (Contraf-CUT), Carlos Cordeiro. “Eram 150 sindicatos, cada um com data-base diferente. Nessas negociações separadas, cada um tinha piso diferenciado numa mesma empresa.

Um caixa de São Paulo ganhava mais que um caixa do mesmo banco, com o mesmo número de horas, em Pernambuco. Isso (unificação de datas-base) foi fundamental para a nossa estratégia.” Na avaliação do presidente da federação dos metalúrgicos de Minas Gerais (FEM-CUT), José Wagner Morais de Oliveira, o melhor seria começar a discussão pelos pontos que unificam os sindicatos.

“Precisamos falar a mesma língua”, diz, lembrando que há diferenças dentro de um só segmento. A questão salarial segue sendo um problema. “Ninguém vende carro mais barato em Minas Gerais ou no Nordeste porque o trabalhador ganha menos.” O piso em Belo Horizonte e Contagem para empresas com mais de mil funcionários é de R$ 1.065 – fica em torno de R$ 1.600 nas montadoras do ABC.

O presidente da FEM-CUT paulista, Valmir Marques, o Biro Biro, reforça a preocupação. “Precisamos unificar a pauta a partir das semelhanças. O problema é unificar o período da data-base. Em São Paulo, conseguimos trazer todas as negociações para setembro. Mas não é a realidade do país. É preciso construir um ambiente de negociação.”

Forneiro em uma fábrica de fundição com 240 funcionários na zona norte de Porto Alegre, Marcelo Rodrigues acredita que um contrato nacional seria favorável à categoria. Ele ganha aproximadamente R$ 9 por hora – em São Paulo, por exemplo, a mesma atividade pagaria cerca de 40% a mais. Todos os dias, Marcelo pega o ônibus em Gravataí, na região metropolitana, e percorre 25 quilômetros para cumprir sua jornada na capital gaúcha, das 7h30 às 17h18. Com 27 anos, é metalúrgico há seis – antes, tinha uma loja de ar-condicionado em Porto Alegre.

Com 48 anos, Joel Américo de Oliveira, operador regulador de máquinas na John­son Controls, está na fábrica de Sorocaba, interior paulista, desde 1991. Sai às 4h30 de casa para sua “maratona da madrugada”, como diz o trabalhador, nascido e criado em Santo André, na região do ABC. O salário inicial vai de R$ 8,50 a R$ 9 por hora. Pelo tempo de casa, ganha em torno de R$ 12. “O pessoal quando vem aqui assusta”, conta, falando dos encontros com colegas de outras empresas. Segundo ele, uma concorrente direta, que levou sua fábrica para o interior do Nordeste, paga pouco acima do salário mínimo.

Organização

Joel conta que os metalúrgicos paulistas da empresa têm conversado com os gaúchos sobre modalidades de organização que contemplem toda a companhia no país, para troca permanente de informações. “Estamos montando uma rede.”

Presidente da CUT em Pernambuco, Carlos Veras avalia que a instalação de uma fábrica da Fiat em Goiana terá “uma desproporção muito grande entre o trabalhador que está em Betim e o daqui”. A média salarial na fábrica mineira é de R$ 2.700. Para ele, um dos entraves na negociação está na diferença de porte entre as várias empresas. A terceirização é outro problema, e a região ainda precisa avançar em termos de distribuição de renda. “Ipojuca (município onde se localiza o complexo industrial de Suape) tem o segundo maior PIB do estado e renda per capita menor que um salário mínimo.”

Outra questão é que o debate envolve mais de uma central. Os metalúrgicos ligados à CUT somam aproximadamente 800 mil, espalhados em 80 entidades. Já a confederação filiada à Força Sindical (CNTM) reúne, segundo informa, 1,2 milhão de trabalhadores e 150 sindicatos e federações. A CTB tem sindicatos importantes, como os de Betim, em Minas Gerais (base da Fiat), e de Camaçari, na Bahia (onde a Ford passou a ter, em 2001, sua primeira fábrica brasileira fora de São Paulo).

O contato com as outras centrais já começou a ser feito, segundo o presidente da CNM-CUT, Paulo Cayres, e deve se intensificar após as campanhas salariais do segundo semestre. “Este é o melhor momento. A CNM nasceu em meio a uma crise, com desemprego alto. De 2003 para cá, a indústria só tem crescido”, argumenta. “O problema é que a indústria migra, leva os produtos e os preços, mas os salários e as condições de trabalho não mudam”, observa.

mais empregoCayres destaca, entre outras, a questão do controle da jornada. “Em um país que não tem sequer as 40 horas (semanais), eles colocam as 50 horas, com horas extras.” E cita também o conceito de trabalho decente, “que não é só aquele que assina carteira, mas o que não permite assédio nem mutila”.

Ainda incipiente no Brasil, a negociação coletiva aos poucos vai sendo praticada no país, envolvendo inclusive categorias tradicionalmente menos organizadas. Há pouco mais de um ano, foi firmado um compromisso nacional para aperfeiçoar as condições de trabalho na construção civil – até junho, havia 20 comissões de trabalhadores instaladas em canteiros de obras.

Em abril deste ano, o Ministério do Trabalho e Emprego assinou uma norma regulamentadora (número 36) relativa ao ambiente de trabalho no setor de frigoríficos, resultado de uma discussão que envolveu governo, trabalhadores e empresários. A maioria dos itens da NR-36 tem prazo de seis meses para ser implementada.

Outra discussão de caráter nacional foi feita no setor da educação, culminando na Lei nº 11.738, de 2008, que instituiu o piso salarial para os profissionais do magistério. Era uma reivindicação discutida desde os tempos em que a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação (CNTE) se chamava CPB (do final dos anos 1970 para o início dos 1980), como lembra o presidente da entidade, Roberto Franklin de Leão. Voltando ainda mais na história, um decreto imperial de 1827, apenas cinco anos depois da independência do Brasil, abordava o tema.

Mesmo com a lei conquistada em 2008, ainda hoje existem estados e municípios que não seguem a legislação. “Prefeitos e governadores estão criando artifícios para não cumprir o espírito da lei”, diz Leão, fazendo uma relação com os protestos que se espalharam pelo país em junho. “Uma das coisas que mais irritam o povo é essa capacidade de descumprir a lei e nada acontecer.”