ciência

Abracadabra: os algoritmos estão dominando o mundo

Entusiastas das teorias da conspiração, não olhem agora: tudo aconteceu quando o algoritmo encontrou o computador. Foi amor à primeira vista

Vicente Mendonça

Você vai conhecer os algoritmos tão bem quanto a mãe deles. Perdão, o pai: Al Khwarizami, matemático que no século 9 criou o primeiro algoritmo, palavra que é uma corruptela do nome desse erudito persa. Grosso modo, um algoritmo é uma sequência finita de instruções bem definidas e não ambíguas, em que cada uma pode ser executada mecanicamente num período de tempo finito e com uma quantidade de esforço finita. Hein?

Um software, por exemplo, é essencialmente um algoritmo que dita ao computador os passos específicos e a ordem em que devem ser executados – para, digamos, calcular as notas que serão impressas nos boletins dos alunos de uma escola. Singelo, não? E também tentacular. O que mudou desde os tempos de Al Khwarizami­ é o que os algoritmos estão fazendo agora: tudo. Acumulam mais informação do que qualquer ser humano seria capaz e estabelecem relações que nenhum de nós vislumbraria. As desvantagens só começam a despontar.

Tudo aconteceu quando o algoritmo encontrou o computador. Foi amor à primeira vista. Vejamos: neste preciso instante, milhões de pessoas estão realizando uma busca no Google. Um algoritmo vai determinar o que elas veem, como um porteiro para a internet. Outro vai selecionar que anúncios publicitários acompanharão os resultados da pesquisa (na web tampouco há almoços grátis).

Vão anotando: algoritmos decidem o que encomendamos na Amazon (ou no Peixe Urbano), que filmes nos são sugeridos no Netflix, quais músicas ouviremos na Rádio Pandora. Por isso, vira e mexe os jornais peroram contra a influência insidiosa dos algoritmos, como se eles fossem um vodu informático que obriga os websites a vigiar cada internauta. Ou seja, um software que espia nossos e-mails e informa ao Facebook o tipo de propaganda que nos deve ser impingida.

Não é bem assim: é pior. Muitos dos alertas da mídia hoje partem de… algoritmos. Assim, a Narrative Science é uma empresa que, sem um único jornalista ou repórter, produz noticiários montados a partir de dados recolhidos na internet pelos algoritmos. Na revista Forbes, por exemplo, muitas matérias já são assinadas “by Narrative Science”. Kristian Hammond, o criador do treco, prevê: “Dentro de 15 anos, 90% dos textos da imprensa serão escritos por computadores”.

Outro caso concreto: na madrugada de 3 de fevereiro passado, a edição on-line do Los Angeles Times publicou um artigo sobre “um terremoto de magnitude 3.2 (…)”. O texto, gramaticalmente impecável, foi escrito quando todos os jornalistas dormiam o sono dos justos. Um algoritmo deu um pulinho ao Instituto Geológico dos Estados Unidos, recolheu os números e dados necessários, refogou as frases e apertou em “enviar”.

Simples assim. Os algoritmos também determinam as rotas dos trens do metrô – incluindo o paulistano e o carioca. Ou quanta gasolina o piloto de Fórmula 1 terá de botar no tanque para não exceder no peso e poder ser um milésimo de segundo mais rápido a cada volta, e em quais e quantas voltas terá de parar para trocar os pneus – se a conta estiver errada, não é o algoritmo, mas o carro que precisa ser calibrado, ou o piloto.

Como diz Simon Willians, dono da empresa de dados digitais QuantumBlack, que trabalha para as escuderias: “As menores contingências ditam vitória ou derrota”.

 

Mas tem mais

RBAmídia robótica
Kristian Hammond criou algoritmos capazes de “produzir” textos noticiosos a partir de dados disponíveis na internet: “Dentro de 15 anos, 90% dos textos da imprensa serão escritos por computadores”

Muito mais. Até o amor já entrou na dança, naquela busca quimérica dos seres humanos para encontrar o Par Perfeito – por sinal, o nome de um dos milhões de sites de encontros que usam algoritmos para escolher perfis compatíveis com o de cada cliente. Claro que prever comportamentos individuais é mais complexo. Mas, já este ano, o jornal Psychological Science in the Public Interest publicou artigo, assinado por vários psicólogos de renome, que analisa as alegações dos sites que esgrimem algoritmos para encontrar o amor da nossa vida. E a conclusão foi assombrosa: esses cupidos eletrônicos funcionam muito satisfatoriamente – desde que os dados fornecidos pelos clientes sejam genuínos. E, claro, descontada aquela história de que o amor tem razões que a própria razão desconhece.

Se é melindroso predizer o que faz um ser humano arrastar um bonde pelo coração de outro, é bem mais fácil prognosticar o interesse por um partido político. Em 2008, numa das eleições mais acirradas dos Estados Unidos, a campanha de Barack Obama já desistira de converter eleitores republicanos. Mas os democratas indecisos eram outros quinhentos. Com um software de algoritmos chamado VoteBuilder, voluntários combinaram os registros de democratas com informação de marketing e demográfica.

Quem era um crente praticante? Quem vivia em blocos de apartamentos? Quem tinha um nome hispânico? Quem incluía feijão em suas listas de compras? Todo dia, os voluntários recebiam por e-mail listas de possíveis democratas em cada cidade.
O VoteBuilder funcionou às mil maravilhas, ao descobrir ambivalências úteis em eleitores que, de outro modo, poderiam ser negligenciados. Assim, havia eleitores que adoravam armas – mas também apoiavam o programa nacional de saúde gratuita. Ou abastados criacionistas que, por outro lado, defendiam o fechamento de Guantánamo. Se não fossem os algoritmos, milhares de votos teriam ido pelo ralo da rede convencional de proselitismo.

Nas manifestações que convulsionaram o Brasil a partir da segunda semana de junho, os algoritmos também deram o ar de sua graça. Seguramente, a principal ferramenta para sensibilizar e mobilizar os ativistas foram as redes sociais – sobretudo o Facebook. Pesquisas recentes indicaram que 40% do tempo despendido pelo internauta no FB recai no Feed de Notícias, e apenas 12% nos perfis individuais. Ora, é precisamente um algoritmo – batizado de Edge Rank – que seleciona quais posts serão exibidos no Feed de Notícias e quais serão excluídos. Ele calcula e determina o que pode bombar as discussões, e o que é “irrelevante”. Assim, é um algoritmo que decide o que interessa saber, como acessar essa informação, e como participar de debates políticos e sociais. No Brasil, a partir de junho o Edge Rank começou a destacar posts que contivessem a expressão “não é por 20 centavos, é por direitos”.

Nos últimos anos, floresceu em Square Mile, às margens do Rio Tâmisa, aquilo que os londrinos gostam de chamar de seu Vale do Silício (o enclave californiano onde brotaram os colossos da eletrônica e da informática, como a Apple e a Microsoft). Ali estão armazenadas linhas secretas de códigos que valem bilhões de libras. Há uma década, o comércio informático ainda era uma excentricidade. Hoje, um terço de todos os negócios realizados na City de Londres (o coração empresarial da Inglaterra) é executado automaticamente por algoritmos – e, em Nova York, nada menos que a metade. Tais códigos podem informar, por exemplo, que menos pessoas estão comprando banana e muitas estão comprando gás; portanto, você deve comprar aço. Não importa se você não entende o motivo: compre, compre, compre! Em nanossegundos, o negócio está selado e o mercado se move. Se a coisa der certo, você passou na frente de um mundaréu de gente e maximizou os lucros. Se a vaca for para o brejo, também terá se estrepado muito mais depressa que no passado recente.

Uma das áreas em que os algoritmos mais deitam e rolam é o cinema. Cada vez mais, dados estatísticos fazem gato e sapato de roteiros e produções de primeira linha. A Worldwide Motion Picture Group é uma empresa de Hollywood. A Epagogix é outra, só que baseada em Londres. Quando qualquer delas recebe uma incumbência de um estúdio, a primeira coisa é quantificar milhares de fatores do roteiro. Há um vilão perfeitamente claro? Quanta empatia o mocinho suscita? A mocinha estabelece alquimia com o herói? A combinação desses fatores é comparada com combinações semelhantes de outros filmes que bombaram nas bilheterias. O último cálculo revela o lucro provável do projeto em causa. Enfim, nasceu uma espécie de Frankenstein eletrônico: um algoritmo que julga o valor – ou ao menos os dividendos – da arte. Assustador? Animador? Uma coisa é certa: a fórmula tende a apostar no mais do mesmo. Depois não podemos nos queixar de que já vimos esse filme…

Às vezes, há tiros no próprio pé. Este ano, uma empresa americana (Solid Gold Bomb) se interessou pelo slogan britânico durante a 2ª Guerra Mundial, Keep Calm and Carry On (Mantenha a Calma e Siga em Frente) – que virou um meme viral nas redes sociais. Usaram um programa de algoritmos que manipulava centenas de milhares de palavras para parafrasear aquele slogan – e imprimiram os resultados em camisetas postas à venda na Amazon. O negócio provocou um escândalo que encolerizou o primeiro-ministro inglês David Cameron. A Solid Gold Bomb não previu que, entre as combinações aleatórias de palavras, surgissem nas camisetas (também para crianças) slogans como “Mantenha a Calma e Estupre”, ou “Mantenha a Calma e Boline”. As camisetas foram recolhidas, com prejuízos fenomenais.

Todo dia floresce um novo negócio baseado em algoritmos – já se tornaram tão comuns que ninguém realça o fato. Também este ano, a Target, um empresa de marketing, usou seu software para rastrear clientes por meio dos hábitos de consumo – e assim enviar cupons para potenciais fregueses. E enviaram cupons de fraldas para uma adolescente londrina, cujo pai ficou uma onça e apresentou uma queixa oficial. Um pouco mais tarde, porém, ele telefonou para a Target e pediu desculpas: “Acontece que houve algumas atividades aqui em casa que eu até agora desconhecia. Vou virar avô, e a minha filha vai mesmo precisar dessas fraldas”.

Parece até que os algoritmos têm dons oraculares. No romance Deuses sem Homens, do britânico Hari Kunzru, que acaba de ser publicado no Brasil, o protagonista é um físico que trabalha para uma corretora de Wall Street, e desenvolve um algoritmo “para revelar o rosto de Deus”. Realmente, era só o que faltava.