capa

Vista com prazer

O número de usuários aumentou, mas a prevenção plena ainda está longe de acontecer (Publicada na Revista do Brasil de julho de 2007)

rodrigo zanotto

Thaís: “Sem camisinha não rola de jeito nenhum”

A geração que nasceu na década de 1980 e cresceu junto com a consciência da necessidade de brecar o avanço da aids é a que menos faz sexo sem a proteção. É a alternativa para esses jovens que começam a vida sexual já informados sobre a doença. “Muitos deles não conhecem nem aceitam o sexo desprotegido”, diz a educadora sexual Maria Helena Vilela, do Instituto Kaplan, de São Paulo.

O Ministério da Saúde confirma sua tese e aponta um aumento de 50% na prática do sexo com preservativo entre 1998 e 2005. Levantamento do instituto de pesquisas Nielsen Company, divulgado pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), do Rio de Janeiro, revelou que entre 1995 e 2004 as vendas anuais subiram de 87,2 mil para 242,2 mil unidades.

O massoterapeuta paulistano Luiz Moraes, 34 anos, é um desses consumidores. Depois de um relacionamento estável por sete anos, está solteiro. Sem parceira sexual fixa, procura se relacionar com quem já conhece. Mesmo assim, não transa descamisado. “Não dá para facilitar. Usar camisinha é como escovar os dentes: deve fazer parte da rotina dos cuidados pessoais”, opina. Em sua casa, “tem mais preservativos que comida”, brinca.

A mesma Fiocruz, porém, ressalta que o caminho para a prevenção plena ainda é longo. Embora 96% da população brasileira sexualmente ativa saiba que o método é a principal barreira contra a gravidez, o HIV e outras doenças sexualmente transmissíveis (DSTs), só 25% admitem usá-lo sempre, com parceiros estáveis ou não. Nesse universo, a maioria, 39%, tem entre 15 e 24 anos. A taxa cai para 22% entre aqueles com 25 a 39 anos e despenca para 16% na faixa dos 40 aos 54 anos. A queda livre é maior conforme aumenta a idade. Não é à toa que a aids cresce entre os mais velhos, resistentes a mudanças, que iniciaram a vida sexual há muito tempo.

Para desespero das autoridades sanitárias, a proteção cumpre seu papel mais no começo do relacionamento. À medida que cresce a intimidade, a camisinha se perde nas gavetas ou nem chega lá. Muitas mulheres, temendo a reação ou perda do parceiro, concordam passivamente. Há uma década, de cada 100 mil homens de 50 a 59 anos, 18 tinham o vírus. Em 2005 a proporção subiu para 29,8 (aumento de 66%). Entre as mulheres, o salto foi de 6 para 17,3 infectadas a cada 100 mil (188%).

Sem planejamento

O mau exemplo, além de agravar estatísticas, desestimula os filhos. A camisinha esquecida acaba na carteira de meninos como cartão de visitas da sua virilidade. As meninas passam a utilizar pílulas ou outros anticonceptivos – quando se lembram. Para aflição de muitos pais, a atividade sexual é cada vez mais precoce, por volta dos 14, 15 anos. O resultado da equação é alarmante.

O Ministério da Saúde registra 485 mil partos anuais em brasileiras menores de 19 anos. E, como se não bastasse o prejuízo psicológico, para a menina pobre a gestação e o nascimento do filho a afastam da escola e da possibilidade de melhores condições de vida. Pior quando a gestação termina numa clínica clandestina ou em casa, de modo ainda mais precário – situação que inclui mulheres mais velhas, com filhos pequenos para criar.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) revela que, anualmente, metade das gestações do planeta não é planejada. Uma em cada nove grávidas aborta. E 45 milhões de intervenções realizadas precariamente matam 68 mil mulheres – e deixam outros milhares delas traumatizadas. Entre as brasileiras, a medida desesperada constitui a terceira causa de mortalidade materna. Recentemente, a Organização Pan-Americana de Saúde mostrou que chega a 35% a proporção de meninas que engravidam por acidente e induzem o aborto. Tanto sofrimento humano é, ainda, caro aos cofres públicos. Em 2006 o Sistema Único de Saúde gastou 33,6 milhões de reais com 221.169 internações para curetagens.

Por tudo isso, a questão do aborto é de saúde pública, conforme declarou recentemente o ministro José Gomes Temporão. Sem contar a ameaça real dos 12 milhões de novos casos de DSTs que surgem todos os anos no país e a mídia comercial não dá a menor bola. Entre os notificados, há perto de 1 milhão de infecções por sífilis, 1,6 milhão por gonorréia, 2 milhões por clamídia, 650 mil por herpes genital e perto de 700 mil por HPV. Muitas delas se manifestam de forma grave, causando disfunções sexuais, esterilidade, câncer (no caso do HPV), além de abortos, nascimento de bebês prematuros ou com deficiência mental ou física.

Negociar antes

A estudante de gastronomia e professora de inglês, Thaís Gimenez, de 26 anos, tem um relacionamento estável há oito anos mas nem por isso deixou de usar camisinha. “Eu namoro há muito tempo. Antes disso já usava, depois que comecei a namorar sério eu e meu namorado entramos num consenso sobre a importância do preservativo. A gente decidiu isso junto e se não temos na hora, não transamos. Sem camisinha não rola de jeito nenhum.” A estudante tem no preservativo o melhor e mais confiável aliado contra a gravidez indesejada e doenças. “Antes eu também tomava pílula, mas é só com a camisinha que eu me sinto 100% segura. Além do mais, é a precaução mais fácil e barata.”

Mas se esse raciocínio parece tão óbvio, por que a maioria das pessoas ainda não veste a camisa? A psiquiatra Carmita Abdo, professora do Programa de Sexualidade do Hospital das Clínicas de São Paulo, diz que há várias questões em jogo. A primeira preocupação da população brasileira sexualmente ativa é satisfazer o parceiro ou a parceira. Contaminação e gravidez vêm logo depois. Coordenadora de uma das maiores pesquisas sobre sexualidade já feitas no país, que resultou no livro O Descobrimento Sexual do Brasil (Summus Editorial, 2005), ela diz que muitos casais confundem estabilidade da relação com exclusividade no sexo. “E acham que exigir preservativo é levantar suspeitas de uma pulada de cerca”, exemplifica.

A saída, segundo a especialista, é negociar o uso do preservativo muito antes da primeira relação sexual. Além disso, como ela ressalta, é preciso ter em mente que a pílula, sozinha, nem sempre evita uma gravidez. É o que pensam o auxiliar administrativo Benedito Rosa da Silva, 31 anos, e a confeiteira Rosa Helena da Silva, de 22, moradores de Cuiabá, Mato Grosso. Casados há cinco anos, têm dois meninos. Como não querem mais filhos, Benedito pensou em fazer vasectomia, mas Rosa não deixou. Toma pílula. “Tenho amigas que engravidaram mesmo tomando. Como não confio totalmente nesse método, usamos também camisinha”, diz Rosa. “No começo a gente até estranha um pouco. Depois acostuma e tudo fica normal”, completa o marido.

Muita gente até deseja introduzir o uso do preservativo em sua vida sexual, mas não o faz por impossibilidade de acesso ao produto. Segundo pesquisa da OMS, 120 milhões de casais no mundo não têm dinheiro para comprá-lo. No Brasil, um envelope custa em torno de 3 reais e não faltam pesquisas mostrando que a maioria não pode pagar. E, ao contrário do que muita gente pensa, nem sempre é fácil obtê-lo nos postos de saúde. E olhe que o país é uma exceção. O Ministério da Saúde é o maior comprador governamental em todo o mundo: todo ano adquire 250 milhões de unidades de fornecedores asiáticos, ao custo de 6 centavos de dólar – mas há falhas na distribuição.

Um levantamento do epidemiologista Edgar Merchan-Hamann, do Núcleo de Estudo de Saúde Pública da Universidade de Brasília (UnB), revela que em muitos postos as camisinhas são distribuídas apenas aos incluídos em programas de planejamento familiar. E em quantidades insuficientes. Outro estudo da UnB, da médica Ana Maria Costa, especialista em saúde da mulher, mostra que apenas 53% dos municípios brasileiros disponibilizam preservativos à população. A oferta não depende só de questões políticas e econômicas. Até as climáticas influenciam. Depois do tsunami na Ásia, em dezembro de 2004, houve queda na produção e a falta de camisinhas no Brasil foi bem maior. Para se tornar menos dependente, o governo federal, em parceria com o estado do Acre, construiu uma fábrica em Xapuri. A produção, ainda em fase experimental, utiliza látex de seringal nativo.

gerardo lazzariLuiz Moraes
Convicto e Consciente – Luiz Moraes: “Não dá para facilitar. Usar camisinha é como escovar os dentes: deve fazer parte da rotina dos cuidados pessoais”

Estímulos

Segundo os especialistas, faltam estímulos também em projetos públicos para educação sexual. Descontinuados e desencontrados, chegam a poucas escolas. E na ausência desse atendimento proliferam as desigualdades sociais. Os jovens de menor escolaridade acabam tendo mais filhos, enquanto deveriam estar estudando. A psicóloga Margareth Arilha, coordenadora do Programa de Apoio a Projetos em Sexualidade e Saúde Reprodutiva, ligado ao Centro Brasileiro de Análise e Planejamento, em São Paulo, considera a falta de oportunidades para a população jovem o principal determinante das taxas de fecundidade entre adolescentes. “Para a maioria dessas meninas, ter um filho é o único projeto de vida que conseguem realizar.” 

Outro problema, apontado por Maria Helena Vilela, do Instituto Kaplan, é que a configuração dos poucos programas existentes é equivocada. No final, a discussão acaba em gozação, piada, e o jovem não pratica o que aprende. “E na hora H nem pensa duas vezes. Só depois é que vai estressar com o risco de não ter usado camisinha”, diz. Um programa desenvolvido pelo instituto em cidades do Vale do Ribeira, região mais pobre do estado de São Paulo, conseguiu resultados bastante satisfatórios. Em uma escola, reduziu em 91% a gravidez em adolescentes com o estímulo ao uso da camisinha. A iniciativa será ampliada para todas as regiões paulistas e para os estados de Alagoas e Espírito Santo.

Uma idéia que está seduzindo principalmente estudantes, professores e especialistas em saúde é a colocação de máquinas para distribuição gratuita de camisinhas em escolas públicas de ensino médio de todo o país, já em 2008. A iniciativa faz parte de uma proposta de ampliação do programa Saúde e Prevenção nas Escolas, do governo federal, que atualmente inclui apenas 17% delas. A meta é chegar, ainda este ano, a 35%. Para o projeto e construção desses equipamentos, semelhantes àqueles de refrigerantes, o Ministério da Saúde abriu concurso para estudantes e professores de todas as unidades do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) espalhadas pelo país.

Thyago Vasconcelos, 19 anos, aluno do Cefet de João Pessoa e do curso de Engenharia na Universidade Federal da Paraíba, é um dos projetistas. “É uma idéia muito interessante. A vida sexual começa cada vez mais cedo, mas ainda assim há muito jovem que tem vergonha ou não tem dinheiro para comprar camisinha”, diz, garantindo não transar sem ela. No Cefet de Sertãozinho, interior de São Paulo, também há grande envolvimento na concepção da máquina e no desenvolvimento da proposta pedagógica complementar. Para Rafael Manfrim Mendes, professor de Automação Industrial, mais que a possibilidade de ganhar um prêmio de 50 mil reais e uma licença para fabricar 160 mil máquinas, o que seduz a ele e seus colegas é a chance de contribuir para o acesso ao sexo seguro e para a diminuição da evasão escolar devido a doenças e gravidez. “Os alunos dizem que nunca têm camisinha na hora da transa”, diz. 

O ginecologista Mauro Romero Leal Passos, professor da Universidade Federal Fluminense e vice-presidente da Sociedade Brasileira de DST, espera mais ousadia e agressividade das autoridades. Para ele, o equipamento, muito comum em países europeus, também deveria ser instalado em pontos de ônibus, rodoviárias, aeroportos, bancas de jornais, estacionamentos, praias, hospitais, enfim, em todo lugar onde circulam pessoas. E sugere: em vez de vestir a camisa e logo correr para fazer o gol, o ideal é fazer antes uma armação pelo meio de campo, com muitos passes e bom toque de bola. “Sem pressa, você vai aprender a proporcionar e sentir muito mais prazer.”

Conversa franca: início da prevenção

Márcio Thomé e Margareth

Márcio Thomé e Margareth, do Rio de Janeiro, têm quatro filhos. Fernando, de 16 anos, é o mais novo. Com todos eles, começaram a falar sobre sexualidade lá pelos 12, 13 anos. O gesto simbólico desse rito familiar é a colocação das camisinhas na carteira dos meninos, que a recebem por essa época justamente para guardar os documentos e a mesada. “Antes que tenham a primeira relação, conversamos claramente sobre sexo, prazer, a responsabilidade pela saúde própria e da parceira e, claro, sobre as conseqüências que o ato sexual pode trazer”, diz Márcio. Margareth conta que Fernando, tímido, não queria conversa no início, mas, aos poucos, passou a se interessar. O adolescente, que aprova a postura dos pais, diz que ainda não transou. “Quando transar, vai ser com camisinha”, garante.

Tire dúvidas
Instituto Kaplan
Centro de Estudos da Sexualidade:
www.kaplan.org.br – (11) 5093-0525
ProSex do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas/USP:
0800 7010136