consumo

Vantagem na balança

Refeição por peso atrai 60% dos restaurantes tradicionais, quebra alguns tantos e se consagra como maior opção nos grandes centros. Mas a facilidade exige cuidados e controle

Rodrigo Queiroz

O carioca José Carlos não tolera o à la carte

Pelo menos oito de cada dez brasileiros que se alimentam fora de casa optam pelos restaurantes por peso. A escolha é baseada numa fórmula mista de comida variada, preço acessível, praticidade, agilidade e pouco desperdício. Características válidas para quem tem consciência do que, e de quanto, deve comer para ter uma boa saúde. A vantagem é ter acesso a tudo o que pode ser bom para uma dieta saudável sem arrebentar o orçamento. E o desafio é não perder a noção diante da fartura.

Os self-service por peso começaram a proliferar nas grandes cidades no final da década de 1980, por conta da vida moderna, da pressa, da falta de tempo e da supervalorização do trabalho em detrimento da saúde. O primeiro deles surgiu em Belo Horizonte. Até então, as alternativas eram restritas aos estabelecimentos com serviço à la carte (pedidos via menu), lanchonetes ou aos que ofereciam PF, o famoso prato feito. Por conta de limitações como preço alto, demora, cardápio inadequado, foram todos superados pelos “quilos”. Dos 450 mil restaurantes existentes no país, 360 mil (80%) servem comida por peso, segundo a Associação Brasil de Bares e Restaurantes (Abrasel).

A razão, segundo o presidente do Conselho Nacional da Abrasel, Joaquim Saraiva, é que as empresas foram se ajustando às demandas, sofisticando os cardápios, até chegar aos grelhados e às cozinhas árabe, mexicana, japonesa. Tudo por conta de um mercado competitivo. Hoje já começam a fornecer itens orgânicos, cujo consumo cresce cerca de 10% ao ano no Brasil.

Saraiva conta que seis em cada dez restaurantes tradicionais migraram para esse sistema ou criaram o self-service por peso como segunda opção da casa, outros tantos fecharam. “Ninguém ficou indiferente à tendência”, observa. Ele explica que os restaurantes operam com margem de 10% de lucro, e essa rentabilidade tem caído em torno de 2% nos últimos três anos.

O preço médio por quilo cobrado nas capitais é R$ 34 e o consumo, em torno de 350 gramas. São determinantes para a formação do preço seis itens básicos: matéria-prima, aluguel, salários, energia elétrica, água e gás. “Nas cidades de interior, o preço cai por conta da menor procura, ainda que os custos sejam os mesmos ou até maiores. As margens ficam estranguladas”, diz Saraiva.

Tíquete

O brasileiro, em geral, não é do tipo que substitui comida por lanche, mas muitos trabalhadores têm dificuldade de bancar sua refeição por conta do tíquete médio pago pelas empresas, de R$ 8,50, na análise de Saraiva. Recente pesquisa realizada pela Associação Nacional das Empresas de Refeição e Alimentação Convênio para o Trabalhador (Assert) com 2.252 restaurantes em todo o país apontou gasto médio de R$ 16,26 numa refeição básica: salada, prato principal, bebida não alcoólica, sobremesa e cafezinho.

O estudo levanta dados para que as empresas avaliem o valor do tíquete pago aos funcionários, de acordo com o Programa de Atendimento ao Trabalhador (PAT), instituído há 33 anos pela Lei nº 6.321. O programa, que atende 11 milhões de trabalhadores, determina refeição de qualidade aos empregados. Para Artur Almeida, presidente da Assert, é importante oferecer parâmetro real sobre o valor médio da refeição. “É consenso que a qualidade da alimentação é fundamental para elevar a saúde e a qualidade de vida dos trabalhadores.”

Joaquim Saraiva reivindica que o governo ofereça ainda mais benefícios às empresas que custeiam a refeição dos funcionários, além da dedução no imposto de renda já prevista às participantes do PAT. “O valor do tíquete médio não está bom para ninguém. Os trabalhadores reclamam, os restaurantes também, assim como as empresas de tíquetes.”

Mas a distorção não é exclusividade do setor privado. Recentemente, os professores da rede pública do estado de São Paulo denunciaram em manifestação da categoria o “vale-coxinha” de R$ 4 com que o governo engorda a remuneração dos profissionais da educação.

Mauricio moraisseu Oscar
Oscar, resiste à onda do “quilo”

Saúde

Como avaliar se a refeição por peso é pior ou melhor do que qualquer outra? O aparelho digestivo não sabe reconhecer se a comida é self-service ou de primeiríssima qualidade. Segundo o professor de Gastroenterologia Clínica da Faculdade de Medicina da USP Joaquim Prado, é dever do consumidor verificar as condições de preparo, o teor de gorduras, a higiene da cozinha e do cozinheiro e o tempo de exposição dos pratos após o preparo. “Como isso nem sempre é factível, deve-se pelo menos procurar um local que inspire segurança”, diz.

Sobre a possibilidade de montar um prato equivocado, diante de tantas opções no bufê do self-service, o professor enfatiza: “As dicas para compor a refeição são as mesmas para em qualquer lugar, partindo-se do princípio de que as condições dos alimentos e de higiene são plenamente satisfatórias”. Como diz Prado, a alimentação saudável é composta de fibras vegetais, proteínas e pequena quantidade de gorduras (ou lipídeos) e carboidratos. Por exemplo: salada (legumes, hortaliças), uma pequena porção de arroz, batatas cozidas, frango ou carne grelhada. No dia a dia é preciso evitar frituras, bem como bebidas gaseificadas, durante as refeições.

Quanto ao consumo de calorias em um lanche, vejamos: um pacote de 100 gramas de batatas fritas mais uma lata de refrigerante somam cerca de 700 calorias. “Que tal substituir por um sanduíche de duas fatias de pão integral com duas fatias de peito de peru, três folhas de alface, três rodelas de tomate, com uma colher de chá de azeite? Além disso, uma pera tamanho médio e um copo de vitamina. Total: cerca de 380 calorias”, sugere o professor.

A vice-presidente da Associação Brasileira de Nutrição (Asbran), Virgínia Nascimento, recomenda que se evitem nos “quilos” aquelas opções cujos componentes não consigam ser identificados, como torta de legumes, que pode ser muito mais rica em farinha, manteiga ou maionese do que em legumes. Ela destaca que a apresentação dos pratos e as pessoas que manipulam os alimentos são parte do atestado  de qualidade do local. E alerta: “A atração provocada pela oferta de doces logo no início do bufê, a diversidade de itens e o próprio peso aumentado de algumas receitas com farinhas podem levar a erros grosseiros na escolha de uma refeição saudável”.

Como critério inicial para montar o prato, Virginia esclarece que se deve avaliar os itens disponíveis e optar por algo diferente das refeições anteriores. “A boa composição prevê um terço de legumes e verduras e dois terços com carne e acompanhamento de feijão e arroz (ou a substituição destes por alguma massa).”

Higiene

Uma das chaves da segurança alimentar está na temperatura adequada em tempo adequado. “Essa é a única forma de não haver proliferação de bactérias nos alimentos”, ensina Evanise Segala, subgerente de alimentos da Coordenação de Vigilância em Saúde (Covisa), órgão da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo. Travessas muito cheias, por exemplo, dificultam as condições ideais para manter a temperatura. Além disso, o alimento frio tem de estar em local separado do quente. O ambiente morno, segundo Evanise, é onde as bactérias se multiplicam.

Em geral, os restaurantes abrem o serviço às 11 da manhã e encerram às 3 da tarde. São quatro horas de exposição. “E, quanto maior o tempo entre o preparo e o consumo, maior o risco de contaminação”, diz a especialista. “Assim, quanto mais cedo a pessoa fizer a refeição, mais saudável estará a comida.”

Uma das queixas dos clientes mais exigentes é a possibilidade de os alimentos serem contaminados por saliva, cabelos e até mesmo pela manipulação dos clientes. Evanise reconhece que a probabilidade é alta: “O consumidor tem de se educar e não conversar diante do bufê”. Outra observação necessária para avaliar a qualidade do restaurante é se as travessas são lavadas para a reposição dos alimentos. “É totalmente incorreto repor o recipiente sem higienizá-lo”, enfatiza.

Mauricio moraisAndré
André geralmente come grelhados e saladas, mas não abre mão da feijoada às quartas-feiras

Chacoalhão

O Grupo Bovinu’s chegou à capital paulista em 1989. Em 1996, abriu seu primeiro restaurante em sistema self-service. Hoje mantém uma unidade no Rio Grande do Sul, tem seis restaurantes por peso e dois no sistema rodízio em São Paulo, um deles no interior e os demais na capital. E nenhum com cardápio. “O quilo surgiu para derrubar o à la carte. Foi um tranco. A gente teve de se adaptar”, conta o administrador da rede, Valcir Baldissera. O Bovinu’s cobra R$ 39 pelo quilo e atende um público que paga com tíquete-refeição no valor médio de R$ 15. O bufê tem de tudo e pratos especiais conforme o dia. Após as 14h, o cliente ganha um descontinho, mas sabe que a comida já deixa a desejar.

A unidade do Bovinu’s na Rua 15 de Novembro, no Centro Velho, reduto bancário e comercial, é frequentada por 1.100 pessoas diariamente, em média. Cada uma representa lucro de R$ 2 à empresa, se houver consumo médio de 500 gramas e bebida. “O lucro é baixo, o que vale é a rotatividade”, explica Baldissera. Freguês habitual, o engenheiro André Fernandes, de 47 anos, come em média 300 gramas, um grelhado com salada verde, tomate e queijo e fruta. “Mas não dispenso a feijoada na quarta-feira”, ressalta. Para ele, os “por quilo” têm como vantagens agilidade, preço, padrão constante e a variedade. Porém, não lhe agradam a massificação, a quantidade de pessoas e a falta de especialização em um tipo de cozinha.

O restaurante Mari Mariá, na mesma região, começou em 1998. Como ingrediente, a presença na cozinha da proprietária, a mato-grossense Zilda Machado, chefe responsável por um bufê com características de comida caseira um pouco mais reduzido que o da concorrência. Com um fluxo diário de 700 pessoas, uma das atrações é o filé de peixe à milanesa. “Na terça-feira, isso aqui fica lotado. É nosso maior sucesso”, afirma Lúcia Machado, filha e sócia de Zilda – que não cogita ter um restaurante à la carte. Pagam-se R$ 35 pelo quilo. A advogada Pricila Sabag Nicodemo, de 30 anos, aprecia o sabor caseiro da comida, especialmente porque monta seu prato de forma tradicional: “São 350 gramas em média, com salada, arroz, feijão e carne”. Ela conta que já sofreu intoxicação alimentar em um outro local “mais em conta”.

Poucos são os restaurantes que resistem à sedução do “quilo”. Mas os que perduram também têm público cativo. É gente que não tolera a movimentação rápida de pessoas durante o almoço e faz da refeição um ato de muita tranquilidade. O advogado Roberto Martelli Barbosa, de 36 anos, gosta de ser bem atendido pelos garçons do Itamarati, que conhecem suas preferências, e reserva um tempo demorado para o almoço. Ele faz apenas 5% de suas refeições em “quilos”.

O Itamarati sobrevive no centro de São Paulo desde 1939 por conta de uma clientela também disposta a gastar mais. Começou como confeitaria e em 1950 passou a restaurante à la carte. Tem pratos variados e um cardápio fixo diário – o famoso prato do dia –, que os quilos também costumam respeitar. Na segunda-feira, virado à paulista; terça, dobradinha; na quarta, feijoada; quinta, massas; na sexta, peixes e bacalhau. Os preços vão de R$ 25 a R$ 80. “Os clientes, há um tempo, evitam carnes e frituras. Por isso, nosso forte são os peixes”, ressalta o sócio Oscar Francisco Jesus Sousa.

A feijoada vegetariana feita com carne de soja é o carro-chefe do Verdelima, em Fortaleza, na concorrência com os à la carte. É o único “quilo” (R$ 29,90) natural da cidade, afirma a proprietária, Mariana Luísa Veras Firmiano. A clientela é de 70 pessoas por dia, com gasto médio de R$ 15 pela refeição. A divulgadora de laboratório Mille¬na Theresa Almeida Santiago, de 22 anos, aprova o preço e a variedade, mas com um porém: “Gosto dos peixes e do frango, mas uma refeição melhor precisa ser feita num restaurante à la carte”.

Os donos do Gustati Restaurante, no bairro carioca da Lapa, no Rio de Janeiro, tinham um barzinho onde vendiam PF. Mas cinco anos atrás, depois que surgiram muitos “quilos” na região, aderiram. Cobram R$ 28,90 e dão desconto de R$ 2 após as 13h30. Têm um bufê paralelo a cada dia da semana, com comida light, árabe, mineira, massas e feijoada. O advogado José Carlos Sarkis, de 60 anos, capricha na alimentação, mas leva apenas 20 minutos para almoçar. Vai ao Gustati diariamente. Não tolera a demora no à la carte e observa que o importante é ter educação alimentar. “Isso garante que a pessoa coma bem em qualquer lugar.”

Opção livre

Uma tendência também presente nos restaurantes por peso é o bufê livre com preço fixo, como o da Padaria Tropical, em Campinas, no interior paulista. O proprietário Silvio Zinetti cobra R$ 9,90 pelo bufê livre com direito a massas, ou R$ 17,90 pelo quilo. Dos 180 clientes diários, 70% almoçam pelo livre. O analista de dados Diego Padilha Testa, de 27 anos, acostumou-se ao formato depois de muito tempo de “bandejão” na universidade. Adepto do arroz, feijão, salada e bife, dispensa a opção de comer massa, mas monta um prato que estima ter uns 600 gramas. Quando acha que vai comer menos, prefere pesar.

Dez anos atrás, Roberto Paludo mudou de Brasília para Porto Alegre, onde montou o restaurante Casarão do Bom Fim, um “quilo” com opção de grelhados. Também já adotou o sistema livre, com preço fixado em R$ 10. Pelo quilo, cobra R$ 24. “Hoje já não vale a pena trabalhar com sistema de pesagem. Só compensa o livre”, avalia Paludo. E, para superar o desafio de consumir comida quente no inverno, melhor chegar bem cedinho. Às 11h30, o vendedor Jeferson Weber, de 26 anos, já está lá, quase diariamente. “A variedade e organização compensam; o problema é o cheiro de comida nas roupas.”

A boa refeição
– Alimentação saudável é composta de fibras vegetais, proteínas, pequena quantidade de gorduras e carboidratos
– Come melhor no “quilo” quem chega cedo
– Lugares mais conhecidos costumam ter maior preocupação com as condições culinárias e sanitárias
– Atenção a maioneses, saladas e embutidos: alimentos contaminados podem gerar gastroenterocolite aguda
– Os alimentos podem ser misturados à vontade: o problema são os excessos
– A quantidade ideal de alimentos ingeridos tem a ver com o gasto energético de cada um
– Por praticidade e qualidade de vida, varie o cardápio
– O ideal é que a refeição dure em torno de 30 minutos
– É recomendável comer devagar, em ambiente tranquilo, com conversas que não gerem ansiedade
– A apresentação dos pratos e das pessoas que manipulam os alimentos são a identidade do local. Escolha bem