ponto de vista

Uma nova guerra é possível

Os líderes soviéticos que fizeram a abertura econômica e privatizaram o Estado, com a esperança de que iriam compartilhar do condomínio dos países ricos, descobrem agora que foram ingênuos

Quando, no fim de agosto, crescia o temor de nova guerra mundial – com a invasão da Geórgia à Ossétia do Sul, e a resposta russa –, a imprensa internacional apresentou os culpados como se fossem vítimas. A verdade começou a aparecer nos próprios jornais americanos, como o New York Times. O ataque foi ato deliberado, parte do projeto norte-americano de cercar a Rússia pelo sul, já que avançavam seus entendimentos com a República Tcheca e a Polônia, ao noroeste, para a instalação de mísseis de ataque, a que dão o nome de “escudo antimísseis”.

A insuspeita revista alemã Der Spiegel cita relatórios de observadores da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE) que revelam terem os norte-americanos fornecido aos georgianos armas, tanques, carros blindados e instrutores. Durante a invasão foram cometidos crimes de guerra, entre eles os de genocídio. Além disso, houve a circunstância eleitoral. Diante da provável derrota de McCain, o presidente da Geórgia foi açulado a invadir o território vizinho a fim de criar o incidente e estimular a escolha do militarista republicano – como denunciou o primeiro-ministro russo Vladimir Putin.

As guerras não são provocadas pelas diferenças ideológicas, mas sim pelos interesses nacionais. Os líderes soviéticos que fizeram a abertura econômica e privatizaram o Estado, iludidos de que iriam compartilhar do condomínio dos países ricos, descobrem agora que foram ingênuos. Os norte-americanos não se satisfizeram com a redução de um terço da área que os soviéticos controlavam nem com o fim do sistema socialista nos países do Leste Europeu. E foram além da conveniência, ao humilhar os vencidos em vários episódios diplomáticos, como violar acordos firmados sobre os mísseis intercontinentais e, sem os consultar, instalar foguetes em suas fronteiras. Até mesmo o principal responsável pela adoção do neoliberalismo em seu país, Gorbatchev, defende hoje a reação de Moscou.

Desde 1914, estamos virtualmente em guerra. A vitória de 1918 não eliminou a causa do conflito: a repartição das riquezas do mundo entre os países colonizadores em que alguns, como Alemanha e Itália, sentiram-se prejudicados. Os alemães escolheram Hitler para liderar a recuperação de suas colônias e a conquista da Europa, até os Urais – a cadeia montanhosa que separa a Europa da Ásia. Consolidada essa conquista, partiriam para o domínio do resto do mundo.

Quando, no Tribunal de Nuremberg, os inquisidores perguntaram a Hermann Goering (braço direito de Hitler) se os nazistas não temiam a punição da Humanidade, pelo fato de terem violado todas as regras de guerra, ele respondeu, orgulhoso, que estavam em um conflito total, para impor nova ordem ao mundo, e não se sentiam obrigados a obedecer a normas anteriores. Vencendo, imporiam suas próprias regras, e seriam senhores absolutos da História. Com o fim da guerra, a União Soviética, com o êxito de uma sociedade sem classes, levou os norte-americanos a reagir, a promover a recuperação da Europa com o Plano Marshall e a conduzir o reerguimento industrial do Japão.

Com o fim da União Soviética, os Estados Unidos se tornaram potência hegemônica. Essa etapa histórica se encerra com o crescimento espantoso da China e da Índia e o descrédito político dos norte-americanos, em razão dos golpes militares e das guerras periféricas que promoveram, como foram as do Vietnã e da África, e como são as do Iraque e do Afeganistão.

A posição da Rússia, entre Europa e Ásia, é decisiva para o futuro do homem. Washington tenta intimidar os russos, a fim de conter sua natural expansão diplomática e a construção de alianças militares com os países emergentes da Ásia Central. Essa região, que concentra 60% da população mundial, provavelmente mudará, em poucos anos, o eixo da História, ao quebrar o predomínio americano no mundo, promovendo o surgimento de novos pólos de poder. Os Estados Unidos, baseados na mentira, como os nazistas, violam princípios éticos, na ilusão de que podem manter guerras “preemptivas” e sem fim, de acordo com a insanidade de seus teóricos e estrategistas. Assim, nova guerra é possível.