economia

Um banco para o continente

Brasil ensaia adesão a projeto de Chávez e Kirchner de criação de organismo capaz de fomentar investimentos e fortalecer a integração da América do Sul

Roosewelt Pinheiro/ABr

Recuperação de rodovias e saneamento básico podem ser o foco do novo banco

Um grande banco de investimentos com capital inicial de 7 bilhões de dólares que integre Argentina, Bolívia, Brasil, Equador, Paraguai e Venezuela. Essa é uma das hipóteses do que pode vir a se tornar o Banco do Sul, idéia ambiciosa lançada em fevereiro, em torno de 18 convênios assinados entre os presidentes Hugo Chávez, da Venezuela, e Néstor Kirchner, da Argentina.

O Brasil anunciou, no dia 14 de abril, interesse em se associar à empreitada. Mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva espera por um convite formal para assinar um termo de adesão. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, informou, em nota à imprensa, que o Banco do Sul pode atuar em conjunto com o Mercosul. “A idéia é que não haja nem um banco venezuelano, nem um banco brasileiro. Temos de estar com todos os países em pé de igualdade”, disse Mantega.

Um potencial primeiro projeto a ser financiado pelo novo banco, por exemplo, é o gasoduto que cortará a América do Sul, a partir da Venezuela. Chamada de Gasoduto do Sul, a obra deve atravessar 12 mil quilômetros de extensão, pelo menos sete países, incluindo o Brasil, e vai custar 20 bilhões de dólares. “Uma obra desse porte já é uma boa razão para criar o órgão internacional”, avalia o pesquisador do Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Ibase) Carlos Tautz.

Em sua opinião, o Banco do Sul deve ter metas sociais definidas, com execução monitorada: “O banco poderia financiar o fim da fome continental, do analfabetismo ou ainda garantir verba para saneamento básico em todo o continente”. De acordo com o pesquisador, para oferecer serviço de saneamento a todos os habitantes da América Latina é preciso investir cerca de 100 bilhões de dólares em dez anos. “Um valor totalmente viável para um projeto como o Banco do Sul”, acredita Tautz, que também é membro da Rede Brasil sobre Instituições Financeiras Multilaterais.

O projeto não é inédito no continente. Desde 1967 a Corporação Andina de Fomento (CAF), com sede em Caracas, reúne nações latino-americanas com a finalidade de discutir e realizar investimentos econômicos locais. Seus acionistas plenos são os cinco países da Comunidade Andina (Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela). Argentina, Brasil, Chile, Costa Rica, Jamaica, México, Panamá, Paraguai, República Dominicana, Trinidad e Tobago e Uruguai, além da Espanha, são países associados, assim como outras 16 instituições bancárias privadas da região. O capital da instituição é superior a 5 bilhões de reais.

“A CAF é um sucesso, então espero que o Banco do Sul trilhe o mesmo caminho”, diz o professor de Política Internacional da Universidade de São Paulo (USP) Rafael Villa, para quem falta um órgão de desenvolvimento econômico próprio aos países latino-americanos para que tenham acesso a investimentos internos mais consistentes para a economia regional.

O professor de Economia Internacional da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Wilson Cano considera difícil um projeto de integração continental prosperar sem uma base de financiamento. “O papel do Banco do Sul pode ser importante, dependendo do montante de recursos que tiver”, diz ele. Tanto Villa quanto Cano concordam que as regras de financiamento do Banco do Sul precisam ser claras e com mecanismos para prevenir as disputas políticas entre os países-membros.

O presidente venezuelano Hugo Chávez vê o projeto como um contraponto às organizações financeiras internacionais tradicionais, como Banco Mundial, Fundo Monetário Internacional (FMI) e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). “Mas tem de ser diferente do que já existe. Sou contra a idéia de criar um novo BID”, analisa Tautz. “No BID, poucos mandam e todos obedecem”, emenda Villa. O BID existe há 47 anos. Os Estados Unidos têm cerca de 30% do capital e controlam as decisões da instituição.