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Tudo a seu tempo

Nada de jipes ou motos. Enduro a pé é natureza, trabalho em equipe, estreitamento de laços, controle da ansiedade, sem pressa nem estresse

Paulo Pepe

Em família: A equipe Vírus da Terra foi contagiada pelo enduro. Da esquerda para a direita: Pedro, Alexandra, a cachorra Mel, Rogério e Gabriela

Jundiaí olha para o relógio e avisa os companheiros da equipe Cobaias: “Estamos adiantados 40 segundos!” Pedro e Gabriela aproveitam para aprender geografia. Hideko deixa de lado os problemas do dia a dia e relaxa. E assim o enduro a pé – mistura de turismo, esporte, lazer e educação – vai ganhando adeptos. Essa invenção caseira é da família do trekking. Enquanto outras trilhas e marchas variam entre exercitar a velocidade e o grau de dificuldade, aqui o segredo é a regularidade. Ganha quem erra menos e segue corretamente a planilha de navegação que determina por onde se deve passar. Tudo a um ritmo constante. Não adianta correr: se atrasa ou adianta, perde pontos. “É uma busca pelo tesouro. Você recebe um mapa e segue as instruções, tentando não ser enganado pela prova”, diz o analista de sistemas Nelson Nogueira Filho, de 42 anos.

Uma equipe precisa ter de três a seis pessoas, que dividem três funções básicas: navegação (indicação do caminho), cronometragem do tempo e contagem de passos. Cada equipe inicia o percurso em um horário diferente e o campeão da prova só é conhecido quando a última chega ao final. No começo a atenção fica toda concentrada no cumprimento das regras. Depois, com a experiência, ganha-se ritmo e um pouco mais de liberdade para curtir o trajeto.

“Além de democrático, o mais interessante é que todos podem participar, em um mesmo evento, cada qual buscando seus próprios objetivos”, diz o diretor de operações da NorthBrasil, Ricardo Yugi. Já para quem compete para valer a história é outra. “Na elite do esporte, 80% dos competidores não olham as belezas naturais por onde estão passando. Mas sabem dizer se o local é feio ou não”, diz Geraldo Euler da Silva Junior, que é responsável por montar os percursos da Minas Trekking.

A dona de casa Nedir Miluzzi, de 50 anos, e os filhos Viviane e Ricardo, de 20 e 24 anos, encaram os desafios com seriedade, mas não abrem mão de se divertir. “Se duas pessoas estão fazendo a contagem (de passos) e há uma diferença, nós fazemos uma média e seguimos em frente”, diz Viviane. Para Nedir, o percurso é uma forma de integrar a família. E seu coração é de mãe: “Se alguém quiser participar e não tem equipe, não tem problema, pode vir com a gente”.

Na equipe Vírus da Terra, os professores Alexandra e Rogério Airoldi aproveitam a oportunidade para ensinar os filhos Pedro, de 9 anos, e Gabriela, de 6, sobre clima e relevo. “Para as crianças é excelente. O Pedro, por exemplo, é responsável pela bússola”, diz Alexandra. “A própria preparação nos dias que antecedem a prova já é uma oportunidade para a família se unir e se divertir.”

Navegar é preciso

O esporte surgiu há pouco mais de duas décadas, inspirado nos enduros de moto ou jipe. Embora seja praticado em pelo menos uma dúzia de estados, com provas próximas das capitais, o enduro a pé ainda carece de uma organização que ajude a padronizar nacionalmente sua linguagem, seus conceitos e regras. Por isso é comum cada estado ou cada empresa organizadora de provas definir as suas.

Para quem está iniciando, essa falta de padronização pouco importa. O fundamental é verificar se o evento está bem organizado: se houve treinamento adequado de navegação, se estão preenchidos todos os requisitos de segurança (como a presença de ambulância nas proximidades da prova e de equipe de apoio no decorrer do trajeto), se a coordenação é coerente, atenciosa e transparente. Sentir-se bem-informado é um bom começo. A partir das primeiras boas experiências, os recém-adeptos do enduro a pé acabam participando de provas planejadas por diferentes organizadores para checar com qual se identificam mais. “Para nós, é indispensável que seja passada a descrição da prova, nível de dificuldade, tipos de coisas que iremos encontrar no caminho etc., assim como com que infraestrutura contaremos”, diz a engenheira civil Carolina Dening, de 25 anos, que se aventura no esporte há apenas um ano.

Apesar do distanciamento entre os organizadores, alguns tentam superá-lo. O praticante e organizador de competições José Maurício Lemos, que está levando de Minas para São Paulo o circuito Iron Adventure, conheceu o esporte em 2000 e se apaixonou. Passou de competidor a organizador de provas e difunde o enduro como esporte e como lazer. “É um jogo colaborativo de estratégia. E é ao ar livre, em contato direto com a natureza e com esforço físico moderado. Isso se traduz em qualidade de vida e é muito bom estar em um ambiente diferente, com gente alto-astral”, explica. E, garante ele, é saudável para todos e em todos os sentidos. “Em uma prova fechada para uma empresa, com cerca de 80 participantes, ninguém queria ficar com o mais gordinho da turma. Resultado? Ele era o único que sabia usar a bússola e sua equipe ficou em primeiro”, lembra.

Para Esdras Martins, organizador do Campeonato Paulista de Trekking, o movimento do ano passado aponta para um cenário ainda melhor neste ano. “Em 2008 tivemos uma média de 100 pessoas em cada curso que realizamos e muitas pessoas estão começando a participar agora”, diz.

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Fortalecer a amizade é um dos objetivos do pessoal da Cobaia, Rafael Rossato (o Jundiaí), Fabio Simon, Carolina Dening e Fabiola Braga, respectivamente, engenheiro civil (27 anos), professor (27), engenheira civil (25) e advogada (30). Mesmo admitindo que sempre dão palpites nas funções alheias, eles acabam saindo mais amigos a cada prova. E elas ainda encontraram um estímulo a mais para acordar muito cedo em alguns domingos. “Estamos nos preparando para caminhar na Chapada Diamantina, na Bahia”, conta Fabiola. “Cresci em Atibaia e sempre andei muito. Adoro estar no meio do mato”, diz Carolina

Seguir adiante

A brincadeira também tem atraído empresas que buscam, no momento da descontração, reforçar o trabalho em equipe, a liderança e a estratégia. O analista de sistema Nelson Nogueira Filho observa que após começar a praticar o esporte passou também a aprender a conviver com os erros, seus e dos companheiros, no ambiente de trabalho. “Aqui ou lá todos têm de fazer a sua parte. Se um falha, todos falham e você começa a aprender com o erro dos outros e a não discutir como antes. No meio da prova não é lugar para isso”, diz. Seu companheiro de equipe, Julio Guimarães, consultor, de 26 anos, completa: “O importante é conversar e achar o erro para seguir adiante”.

Para praticar o enduro a pé é preciso antes dar uma caminhada às compras. Boné, camiseta, calça e tênis apropriados são obrigatórios. A equipe ainda precisa ter kit de primeiros socorros, lanterna, cronômetro, calculadora, saco plástico (para recolher seu próprio lixo) e, claro, bússola. Importante não esquecer repelente de insetos, protetor solar, cantis de água e um celular para emergências. Ao fazer o orçamento, deve-se lembrar ainda de incluir despesas como pedágio, combustível e taxa de inscrição.

Para quem gosta de sofisticação, um equipamento chamado Totem, que custa por volta de R$ 1.000, funciona como um computador de navegação. O professor Fabio Simon, de Jundiaí, porém, prefere a simplicidade e faz suas contas “de cabeça”. E o engenheiro eletrônico Helio Jacques aposta na criatividade. Ele mesmo desenvolveu seu próprio navegador, o Pingolim, que também dá nome à sua equipe. “Não precisa investir em equipamentos, basta um tênis legal e uma calculadora que a diversão está garantida. Agora, para brincar, resolvi fazer um desses”, diz, referindo-se a seu brinquedinho instalado no braço e que antes era utilizado na automação industrial.

Alguns trekkeiros avisam que a prova de enduro a pé não é para qualquer um. Ao final, todos devem andar quase 12 quilômetros em três horas, até mais. Por isso, como em qualquer esporte, o ideal é consultar um médico antes de se aventurar. “Tem de ter um pouco de preparo sim, mas se a equipe é boa, torna-se um passeio. Nosso objetivo é acabar com o estresse”, diz a arquiteta Hideko Takahashi, que dá uma pausa nos problemas quando veste o uniforme da equipe Pingolim.

O prazer de caminhar, o espírito aventureiro e a persistência são os principais combustíves da fiscal federal agropecuária e os resultados aparecem rápido e vários ajustes devem ser feitos na equipe até que se chegue ao ideal. Respeitar o limite dos companheiros também faz parte do jogo”, resume.