Ponto de Vista

Submissão como escolha

Embaixadores aposentados, habituados a um certo sentimento de inferioridade, sentem-se transtornados com a atual política externa e com a crescente respeitabilidade do Brasil no mundo

Coincidindo com a posição brasileira no caso de Israel, as críticas de embaixadores aposentados, que contestam a diplomacia positiva do Brasil, no momento em que o país procura ser ouvido no cenário internacional, têm crescido. Partem do velho sentimento de inferioridade que prevalece em alguns momentos da nossa história. O ex-chanceler Celso Láfer – que dirigiu a política externa brasileira durante alguns meses do governo Collor e do governo Fernando Henrique Cardoso – tem sido o mais incisivo nas críticas. Seria fácil debitá-las às ligações do intelectual com o mundo judaico, mas não bastaria para explicar-lhe o comportamento. Outros ex-diplomatas, como Roberto Abdenur, Marcos Azambuja e Rubens Barbosa, usam dos mesmos argumentos.

O fundo comum da crítica é o de que estamos abandonando a linha “ocidental”, fortalecida durante alguns governos militares (nem todos) e buscando alianças com os países mais pobres e os emergentes. Permanece a ideia de que não temos soberania para exercer diplomacia independente. Mas há circunstâncias adicionais. Uma delas é a velha divisão corporativa do Itamaraty, com grupos formados pela amizade e pelos interesses, além das opções de natureza política e ideológica. Desde a independência, a política externa brasileira tem oscilado entre a autonomia e o partido anglo-saxão, mas essa dicotomia foi rompida em algumas ocasiões históricas pela coragem de alguns grandes brasileiros, como em 1907, na Conferência de Haia, com Ruy Barbosa e, mais recentemente, com Affonso Arinos e San Thiago Dantas.

Naquela ocasião, o barão do Rio Branco oscilava entre dois nomes que podiam representar o Brasil no histórico encontro: Joaquim Nabuco, que fora embaixador em Washington e encarnava o ideal das elites; e Ruy Barbosa, inclinado à luta pelos ideais republicanos e de lastro intelectual mais ostensivo (ainda que Nabuco não fosse muito distante do grande baiano). O problema de Nabuco era o seu alinhamento incondicional com os Estados Unidos. Pretendia-se, em Haia, abortar o conflito bélico que se desenhava a partir da Conferência Colonialista de Berlim, de 1884/85, que dividira a África Ocidental e provocara dissensões entre as potências europeias. A opinião pública preferia Ruy, com sua coragem em opor-se às oligarquias militares.

Ruy quis a comissão, lutou por ela. Em Haia, confrontou-se com a arrogância de potências como Alemanha e Rússia e defendeu a igualdade de soberania entre todos os estados nacionais constituídos, e deixou a marca de sua presença, embora tenha incomodado a muitos por representar um país de “segunda classe”. Rio Branco percebia a crescente influência norte-americana sobre o continente, sobretudo depois da vitória contra a Espanha e a expansão do poder marítimo de Washington, mas a sua formação e experiência o faziam mais próximo da visão europeia do mundo.

Os diplomatas que se opõem, hoje, ao chanceler Celso Amorim e ao secretário-geral Samuel Pinheiro Guimarães foram responsáveis pela política de submissão absoluta do Itamaraty ao Departamento de Estado dos Estados Unidos, durante os oito anos de Fernando Henrique Cardoso. Do ponto de vista ideológico, transtorna-os a independência da Chancelaria em suas relações internacionais. É sintomático que discordem do desenvolvimento da tecnologia nuclear, essencial para todo o desenvolvimento futuro. Do ponto de vista subjetivo, sentem-se frustrados com a crescente respeitabilidade do Brasil no mundo, o que contrasta com a genuflexão da política externa durante os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso.

O Brasil tem agido com altivez. Sem bravatas ociosas, mas com a dignidade que lembra Rio Branco, na defesa dos interesses territoriais brasileiros, e Ruy Barbosa, na afirmação da igualdade política essencial entre todos os povos do mundo. Muitos militares fazem a autocrítica de suas corporações, ao dizer que, na reserva, os oficiais ficam muito mais “sábios e corajosos” do que na ativa, e passam a criticar com atrevimento a política de seus sucessores. Pelo que vemos, com os diplomatas ocorre o mesmo.