impostos

Reforma na boca do povo

A derrubada da CPMF pode gerar outro efeito positivo, além da economia: ampliar o debate sobre a necessidade de uma reforma tributária

ministério da fazenda/divulgação

O barulho causado pela oposição ao derrubar a prorrogação da CPMF pode, afinal, resultar em algo mais positivo do que a suposta restituição para a sociedade dos R$ 40 bilhões previstos de arrecadação com o tributo. Movimentos sociais começam a se articular para exigir um sistema tributário mais justo. Um documento assinado por lideranças de diversas entidades e intelectuais circula desde o início de janeiro.

As seis centrais sindicais também incluíram o tema em suas mobilizações este ano, numa agenda que terá desde a forma como os impostos são arrecadados e distribuídos no Orçamento até a defesa do Projeto de Emenda Constitucional que estabelece a jornada de trabalho máxima em 40 horas. O que uma coisa tem a ver com a outra? A necessidade de aprimorar mecanismos de distribuição de renda. Um manifesto assinado pelas centrais adverte os setores que querem minar os gastos com programas sociais: vão comprar briga. “Mais que debater isoladamente as medidas adotadas em função da CPMF, as centrais sindicais defendem uma ampla e democrática reforma tributária com vistas a promover o crescimento econômico e a distribuição de renda”, destaca o texto. 

O objetivo é ampliar o debate na sociedade e popularizar conceitos que, defendem, sejam seguidos num sistema mais justo, como a “progressividade” em contraposição à situação atual, de predomínio da “regressividade”. O economista Júlio Sérgio Gomes de Almeida, do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), explica: “Pelo princípio da progressividade, quem tem mais deve- Reforma na boca do povo impostos ria pagar mais. Hoje, como a maior parte dos tributos incide sobre o consumo, a maior parte do nosso sistema é regressiva. Se um rico e um pobre compram um sabonete, por exemplo, pagam o mesmo imposto”, diz.

Apesar de lisos, sabonetes são mais fáceis de tributar do que quem detém elevado poder econômico e influencia o poder político. O economista Evilásio Salvador, um dos signatários do manifesto dos movimentos sociais, lembra que, além disso, uma “contra-reforma” foi feita de modo silencioso nos anos FHC. “Por meio de instruções normativas e leis ordinárias, sem discussão com a sociedade, o grande capital, especialmente osbancos, acabou favorecido. Quem sustenta a arrecadação do Imposto de Renda, por exemplo, é o assalariado de classe média”, afirma. 

Em 1995, segundo o economista, a isenção do IR abrangia quem ganhava até 10,5 salários mínimos. Hoje,não chega a quatro mínimos. Ele lembra ainda que o país já chegou a ter 13 alíquotas de IR, e hoje só tem duas, enquanto diversas isenções privilegiam o capital financeiro. Antes de 1995, lucros e dividendos eram taxados, depois se criou a figura dos “juros sobre capital próprio”, que possibilita aos sócios não pagar IR e reduz a tributação sobre o lucro das empresas. Seguiu-se a isenção para as remessas de lucros e divisas ao exterior. Finalmente, o investidor financeiro estrangeiro ganhou isenção da CPMF, em 2003.

Uma das medidas tomadas pelo governo federal para compensar parte da perda  de arrecadação com o fim da contribuição, aliás, é justamente a aplicação do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) sobre as remessas. Ainda assim, elas continuam sem pagar imposto sobre a renda. “Foi um passo tímido, se pensarmos o conjunto do sistema tributário”, diz Salvador. 

Almeida, do Iedi, avalia que o propalado repasse aos consumidores dos reajustes no IOF e na Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL) paga pelos bancos não terá grandes efeitos na economia. Ambos os especialistas, entretanto, acreditam que o governo poderia ter avançado mais sobre o capital financeiro para compensar a CPMF, como aumento do IOF sobre operações de câmbio, importações ou a entrada de capitais estrangeiros no país. “O setor financeiro nunca conheceu crise neste país”, critica Salvador. Almeida, ex-secretário de Política Econômica no Ministério  da Fazenda, lembra que o problema, além do sistema tributário, tem origem na política monetária que “favorece o sistema financeiro”. 

Não por acaso, das centrais sindicais aos empresários,  passando por movimentos sociais e intelectuais, a sugestão número um para o governo cortar rapidamente seus gastos é a diminuição dos juros e do superávit primário, o volume de recursos que deixa de investir no país para dar garantias ao capital financeiro de que pagará suas dívidas. Nessa economia, o governo resiste em mexer; estava em 3,75% do PIB, subiu para 4,25% em 2003 e desde o ano passado recuou para 3,8%. E, no quesito juros, o ano começou mal. A primeira reunião do Conselho de Política Monetária manteve a taxa básica com que remunera seus credores em 11,25% ao ano.