Referência para o país

O desafio de dirigir o Sindicato dos Bancários de São Paulo, que completa 90 anos e é referência nas principais batalhas trabalhistas, sociais e políticas da história do país

“No sindicato aprendemos que, às vezes, temos de desconstruir essa ordem e lutar por outra”, diz a primeira presidenta do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região (Foto: Mauricio Morais/RBA)

Juvandia Moreira chegou à direção do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região em 1997, no auge das políticas neoliberais. Na ocasião, já conhecia a entidade como uma referência no mundo do trabalho e das principais lutas políticas do século 20. Tradicional escola de lideranças e uma das mais antigas organizações de trabalhadores do país, o sindicato completa neste 16 de abril 90 anos.

Funcionária do Bradesco, e hoje na condição de primeira mulher a presidir a entidade, Juvandia fala da importância de compartilhar e valorizar essa memória de lutas – com lançamento de livro, realização de debates e festa. Para ela, as novas gerações precisam saber que os direitos existentes hoje, na legislação ou na convenção coletiva da categoria, não resultaram da generosidade de patrões e governos, mas de muita ação, em mesas de negociação e nas ruas. “Se a universidade ensina a reproduzir uma ordem constituída, no sindicato aprendemos que às vezes temos de desconstruir essa ordem e lutar por outra”, diz.

Qual a importância desse resgate feito pelo sindicato para celebrar os 90 anos de história da entidade? 
O exercício de reconstituir o passado é uma forma de entender o presente e de nos orientar para a construção do futuro. Tem muita gente nova na categoria que não conhece a história dos bancários, e é fundamental conhecê-la. A importância, por exemplo, de saber que a conquista da participação nos lucros e resultados é fruto de uma campanha salarial, e não uma benesse que o banco concedeu. O bancário chega ao banco e tem plano de saúde, vale-refeição e alimentação, mas não sabe de onde veio isso. Se ele não souber que foi resultado de luta e organização, não vai se organizar também para lutar por novas conquistas. E quando vamos conhecer os pormenores da história vemos que ela é bonita, fruto de muita luta e conquista não só para os bancários, mas para todos os trabalhadores. Muitas das nossas mobilizações acabaram virando gerais, a exemplo da nossa luta por uma nova Constituinte, pelas Diretas Já e pela democratização do país. É fundamental resgatar a história para que seja eternizada em nossas memórias e para que oriente o caminhar das futuras gerações.

Qual é a diferença entre o sindicalismo da década de 1990, quando você chegou ao sindicato, e o dos dias de hoje?
Quando entrei para o Sindicato, em 1997, enfrentávamos o auge das políticas neoliberais, um desemprego altíssimo, com o país afogado em uma dívida pública. Houve as privatizações e as tentativas de redução de direitos. A luta sindical era de resistência. De vez em quando batia desânimo, pois fazíamos um esforço grande e as assembleias eram esvaziadas, os bancários tinham medo. Então, passamos a fazer assembleias nos locais de trabalho. Hoje as pessoas participam mais, as assembleias são com nossa quadra cheia. O país também mudou. Tem o desemprego mais baixo da história. Seguidamente, os trabalhadores têm aumento real de salário. Na época em que entrei, era reajuste zero e risco de sucateamento dos bancos públicos. Foi uma grande conquista a unificação da campanha entre bancários de bancos públicos e privados do Brasil. O desafio é pensar também em como podemos dialogar com outros ramos e ajudar a fortalecê-los. Não dá para pensar a nossa categoria sem dialogar com os comerciários, por exemplo.

Como se sente sendo a primeira mulher a presidir um sindicato desse porte?
A gente não vive numa democracia de fato se não tivermos igualdade. Esse sindicato é uma referência no debate sobre igualdade. Temos uma presença grande de mulheres na base, 60% dos sócios são mulheres, mas elas não estavam tão representadas na diretoria e na executiva do sindicato. Hoje, somos 70% da executiva. Nós, mulheres, tivemos de lutar muito para entrar no mercado de trabalho, para ocupar postos importantes. E continua a luta para a construção de uma sociedade com maior igualdade, nos salários, na vida social e no exercício do poder. 

O fato de muita gente do sindicato ter também militância partidária não faz as pessoas duvidarem da independência do sindicato em relação ao governo?
O sindicato pauta sua atuação por autonomia e independência. Entrei no sindicato no governo FHC, a população sofria. Fez uma imensa diferença quando o Lula chegou ao governo. A distribuição de renda aumentou, o desemprego caiu. E esse cenário ajuda os trabalhadores a fazer suas lutas. O Brasil ficou melhor. Mas o sindicato nunca deixou de cumprir seu papel. O governo é da presidenta Dilma, mas numa coligação com vários partidos em sua base. Todo cidadão tem direito de fazer sua avaliação, de se posicionar politicamente e de se associar ao partido que quiser. Mas como sindicalista meu compromisso é com os trabalhadores que represento e também com os demais. 

Muitos ex-dirigentes do sindicato nos últimos 30 anos passaram a desempenhar papéis em outras instâncias, em governos, órgãos públicos, fundos de pensão, se elegendo parlamentares. Onde você vai estar daqui a alguns anos?
Estou preocupada com o que vou fazer no meu mandato, que termina em julho do ano que vem. Não planejei ser presidenta do sindicato, foi um desdobramento natural da minha militância. O sindicato prepara lideranças, e as coisas acontecem. Os trabalhadores precisam estar representados no Congresso, nas Câmaras de Vereadores, nas Assembleias Legislativas. É preciso ter trabalhadores assumindo esse papel. A Febraban apoia candidatos, além da Fiesp. Os empresários têm sua base parlamentar e buscam influenciar governos. Os trabalhadores também precisam ter quem os represente. A vida do trabalhador não se resolve só na mesa de negociação. O sindicato também tem de atuar nas questões da cidade, do estado e do país, porque tudo isso diz respeito à vida do trabalhador. O sindicato é uma escola. Se universidade geralmente ensina a reproduzir uma ordem constituída, no sindicato aprendemos que às vezes temos de desconstruir essa ordem e lutar por outra. Desenvolvemos outra compreensão do mundo. Devemos ser protagonistas da nossa história.

Você fará parte do conselho formado pela Prefeitura de São Paulo para que a sociedade opine sobre projetos para a cidade?
Fui convidada a participar do conselho representando o sindicato. A ideia é o conselho ter a sociedade bem representada, com trabalhadores, intelectuais, empresários. A realidade da cidade tem tudo a ver com a vida dos trabalhadores. Em uma consulta que fizemos em 2012, com mais de 12 mil pessoas, a mobilidade aparece como o maior problema das grandes cidades, seguida da segurança pública. Não é na mesa de negociação com os banqueiros que se resolve isso, mas cobrando do poder público que melhore o transporte. Precisamos levar a esses espaços as pautas dos trabalhadores. Acho a criação do conselho uma boa iniciativa. São Paulo tem muitos problemas sérios que não são resolvidos a curto prazo, mas é preciso começar. Para além da luta por melhores salários e condições de trabalho, é preciso interferir no país onde vivemos. E o sindicato faz isso historicamente.

O governo teve uma queda de braço com os bancos para forçar a queda dos juros e a expansão do crédito. Existe algum espaço para que todo o papel do sistema financeiro em relação à sociedade seja rediscutido?
Existe a possibilidade de ocorrer uma conferência ampla, em que se discutam os direitos dos consumidores, inclusive os de bancos. Acho oportuno isso, e vamos levar o consumidor bancário para essa discussão. Além disso, defendemos uma conferência na qual se debata a necessidade de um sistema financeiro voltado para o desenvolvimento econômico. Se os bancos cumprirem melhor seu papel, todo o país sai ganhando. E esse é o esforço que deve ser feito.