Crônica

Quero ser hexa com minha neta

Ficar longe da neta enquanto ela é tetra ao lado do outro avô é demais. Pensei em me “contundir” e voltar. Nada é mais doído que saudade de criança

mendonça

Cobrir uma Copa é o sonho de todo jornalista. Eu já fui a seis e, confesso, cada vez mais é um pesadelo… Não porque se trabalha demais, no horário do Brasil e do país-sede, o que faz com que o seu dia tenha 29 horas, quando a Copa é na Europa, e suas noites não tenham mais que três, quatro. Um programa que entre ao vivo no Brasil, às oito horas da noite, é feito de madrugada no país anfitrião. E quase sempre, às nove da manhã, no horário local, tem atividade da seleção brasileira, seja um treino, uma entrevista coletiva, uma “janela” para a imprensa. Fora os três jogos por dia na primeira fase. Almoçar e jantar? Nem pensar!

Mas o pesadelo mesmo é por causa das crianças. Não quaisquer crianças, mas as minhas, no caso, para ser mais exato, a minha. Uma netinha encantadora de 18 meses que quase me fez voltar antes da Alemanha. Sim, porque apesar de toda a modernidade que temos hoje em dia para nos comunicar – a possibilidade, por exemplo, de falar e ver e ser visto sem custo pelo computador, o tal do Skype –, crianças são crianças, bichinhos muito sensíveis.

A Luiza, nas primeiras duas semanas, aceitou bem o jeito de falar com o avô. Balbuciava suas palavrinhas (“uô-uô”, “bejo”, “miano”, que quer dizer “te amo”) e queria entrar pelo computador, abraçá-lo. Mas, do 15º dia em diante a graça acabou. E para mostrar que estava magoada com a longa ausência, simplesmente virava o rostinho e não dava a menor pelota nem para o avô nem para o pai que, ao meu lado, também estava na Alemanha, pela ESPN-Brasil. Que sufoco! E eu que achava que era experiente na matéria, pensei em me “contundir”, ser “cortado” e voltar ao Brasil. Não há nada mais doído que saudade de criança.

Em 1982, primeira Copa que cobri, na Espanha, fiquei longe de meus três primeiros filhos por quase dois meses. O André, agora o pai da Luiza, tinha quase nove anos, o Daniel tinha sete e a Camila, quatro. Foi duro, duríssimo, mas suportável. Eles, afinal, eram capazes de entender e, ao menos, me viam na TV. Mais suportável ainda foi em 1986, no México, quando não só a ausência foi menor (menos de um mês), como também porque eles já eram maiores, o que não impediu que minha filha saísse alardeando para os quatro cantos que “odiava Copa do Mundo”. Em 1990, na Itália, então, nem me lembro de ter sofrido, como em 1994, nos Estados Unidos. Já em 1998, na França, tinha a raspa do tacho, o Felipe, e voltou a ser duro.

Por isso, mas também porque eu andava querendo ver uma Copa no Brasil, não fui ao Japão em 2002, com a boa desculpa de que seria inusitado cobrir uma Copa que, aqui, seria disputada de madrugada. Convenci meus chefes do jornal, da TV e da rádio e fiquei, com a vantagem de ter me livrado de uma viagem de um dia inteiro de avião, perspectiva nada agradável, não por medo, que não tenho, mas pelo aborrecido que é. Só que agora, em 2006, não tinha desculpa possível. A primeira Copa como avô, e de uma menininha que não tinha como entender o que estava acontecendo, sem pai e sem um dos avós – e bem o preferido, é claro…

Para piorar, sem a compensação de ver a seleção dando show, como na Espanha, ou, ao menos, sendo campeã, como nos Estados Unidos. Doeu tanto que penso desde já na desculpa que inventarei para ficar por aqui na Copa que vem, na África do Sul, em 2010.

A Luiza estará com cinco anos e meio, certamente o André irá e eu tenho de ver uma Copa ao lado dela. Porque não quero mais saber, à distância, que ela dizia “Basil, Basil” e que mudava de assunto quando alguém falava no pai ou no avô. E que ainda, por causa do avô materno, descendente de italianos, ela vestiu uma camisa “azzurra” depois que a Seleção Brasileira caiu.
Ou seja, ela é tetracampeã com o outro avô. E eu quero vê-la ser hexa comigo. Ah, se quero. E como quero!

Juca Kfouri é comentarista da ESPN Brasil, apresentador do programa de rádio CBN Esporte Clube e colunista da Folha de S.Paulo. Foi diretor das revistas Placar e Playboy. Trabalhou nas tevês Globo, SBT, Cultura, CNT e Rede TV!