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Proteção na terra como no céu

A utilidade do ozônio vai além de proteger os habitantes do planeta dos raios ultravioleta na estratosfera. O gás tem ajudado a medicina de vários países a combater doenças

jailton Garcia

Glaucus: gás ozônio estimula o sistema imunológico

Em meio a fármacos de novíssima geração, sintetizados com tecnologia de ponta, um procedimento relativamente simples, antigo – e natural – tem chamado cada vez mais a atenção de médicos e cientistas: o tratamento a base de ozônio, o gás obtido com a adição de um terceiro átomo de oxigênio à molécula original. Por alguns minutos, o que era O2 transforma-se em O3 e essa reorganização molecular temporária gera uma potência bactericida. Há mais de 100 anos a substância é usada no tratamento de esgotos e limpeza industrial. E da Segunda Guerra Mundial para cá, cientistas de países como Rússia, Cuba, Alemanha e Itália o incluíram no arsenal contra alguns tipos de bactéria, inclusive as causadoras da cárie, vírus, fungo e tumores.

“Pesquisas mostraram também que o gás estimula o sistema imunológico e oxigena melhor todos os tecidos do corpo”, explicou Glacus de Souza Brito, imunologista do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Na natureza, o ozônio é obtido graças às tempestades que ocorrem a todo momento na estratosfera. Nas clínicas médicas, odontológicas e oftalmológicas, onde já começa a ser empregado, o oxigênio medicinal é submetido a descargas elétricas de 12 mil a 15 mil volts emitidas por um gerador.

A forma de aplicação depende do mal a ser atacado. Se for artrite, artrose, hérnia de disco, lombalgia, nervo ciático, bico de papagaio, degeneração discal e problemas no joelho, o gás é diluído em oxigênio e injetado diretamente no local da lesão. Desordens inflamatórias, infecciosas, alérgicas e reumáticas são combatidas com os gases introduzidos na circulação sangüínea do próprio paciente. Para isso, o médico retira um pouco de sangue, adiciona a ele uma dose de ozônio e o reinjeta em seguida. Contra problemas circulatórios, imunológicos, hepatites, colites e algumas infecções vaginais, é introduzido no ânus ou na vagina por um cateter. Queimaduras, úlceras e outras feridas de difícil cicatrização, causadas por má circulação sangüínea ou diabetes, podem ser tratadas com o uso de bolsas plásticas com O3 ou mesmo compressas com óleos ou água ozonizados.

O leque de males que podem ser enfrentados, no entanto, deve ser visto com critério. “Não podemos acreditar que o procedimento cure de tudo”, alerta o neurocirurgião José Oswaldo de Oliveira Junior, presidente do Departamento de Neurocirurgia da Associação Paulista de Medicina. Em sua área, segundo Oliveira Júnior, a terapia se mostra promissora contra hérnia de disco. Que o diga o editor de arte Jefferson Rubbo, que acrescentou às suas sessões de correção postural e aulas de ioga as injeções de O3. “As dores desapareceram”, afirmou. Ele diz que o problema não desapareceu, mas regrediu. “Parei a ozonioterapia no começo do ano e estou conseguindo me dedicar intensamente à ioga, o que antes era impossível.”

Baixo custo

A prática da ozonioterapia no Brasil não é tão nova. Começou em 1975, com o médico paulista Heinz Konrad. Na década de 1980, ganhou mais adeptos e atraiu o interesse de algumas universidades. De 2000 para cá, os estudos ganharam corpo. Há seis anos, a PUC de Minas Gerais pesquisa a técnica em ratos. Da mesma época vêm os estudos na Santa Casa de Misericórdia, de São Paulo, com ratos e coelhos. Em 1996, um projeto de pesquisa sobre o ozônio para fins médicos, veterinários e industriais foi criado no campus Alfenas da Universidade José do Rosário Vellano, a Unifenas. Estudos odontológicos realizados ali, como o tratamento bem sucedido de infecções no osso da mandíbula, que geralmente se resolve cirurgicamente, chegaram a ser apresentados em congressos no exterior. Coordenado pelo microbiologista João Evangelista Fiorini, professor aposentado da Universidade Federal de Alfenas, o chamado Prozônio tem realizado com êxito experiências em parceria com o hospital daquela universidade.

Grandes lesões, principalmente nos pés e pernas, que fatalmente levariam à amputação, têm sido controladas pela técnica. “Dependendo da extensão do ferimento e do estado imunológico do paciente, duas ou três aplicações são suficientes para iniciar a cicatrização”, disse Fiorini. Animado, o pesquisador e sua equipe trabalham agora na elaboração de um projeto que será submetido à Fapemig, a agência mineira de financiamento de pesquisas científicas. A idéia é desenvolver mecanismos de inclusão da técnica no Sistema Único de Saúde (SUS).

Experiência semelhante é feita no Hospital Universitário (HU) da Universidade de São Paulo. O cirurgião Cornélius Mitteldorf afirmou que alguns pacientes com úlceras varicosas infectadas, pés diabéticos e outras feridas de difícil cicatrização estão sendo tratados com ozônio. “Não há milagres. Mas podemos observar que, em alguns casos, os resultados aparecem já nas primeiras aplicações”, disse. Os procedimentos são realizados seguindo padrões já testados em outros países.

Itália e Cuba mais adiantados

Para o Conselho Federal de Medicina, a quem cabe o credenciamento das habilitações para a ozonioterapia, o tratamento ainda não pode ser adotado rotineiramente porque faltam estudos científicos bem fundamentados que confirmem sua eficácia e segurança.

A presidente da Associação Brasileira de Ozonioterapia, Maria Emília Gadelha Serra, lembrou, no entanto, que o tratamento, associado aos convencionais, vem trazendo benefícios aos pacientes. Oficialmente, o ozônio é aprovado pelas autoridades italianas para tratar a hérnia de disco e, pelas egípcias, contra a hepatite C. “Em Cuba, todos os grandes hospitais das principais cidades o utilizam contra várias doenças. É uma questão de tempo”, estima Maria Emília.

Paciente do HU, o aposentado José Pinto, de 62 anos e diabético, tinha uma ferida na região do tornozelo que durava mais de seis meses. Como a infecção não diminuía com o uso exclusivo de antibióticos, a amputação abaixo do joelho chegou a ser cogitada pelos médicos que o atenderam nos 75 dias em que ficou internado. “Recebi 42 aplicações diárias de ozônio. Lá pelo décimo dia, a infecção começou a ceder e os remédios começaram a fazer efeito”, disse o aposentado. Como ele conta, hoje sua perna está desinchada e livre de ser amputada.

O interesse pela técnica de baixo custo – segundo especialistas, geradores de ozônio podem custar em torno de 5 mil reais – já começa a ultrapassar as fronteiras das universidades e alcança gabinetes parlamentares. Em Cajamar, na Grande São Paulo, um requerimento aprovado na Câmara Municipal determina que a prefeitura passe a oferecer o serviço nos postos de saúde da cidade.

A terapia ganhou mais visibilidade de 2004 para cá, quando Santo André, no ABC Paulista, sediou a primeira conferência internacional sobre uso medicinal do ozônio. Em abril passado, em Belo Horizonte, especialistas de vários países realizaram o primeiro congresso internacional de ozonioterapia. Além de atualizar informações, os médicos brasileiros aproveitaram para lançar as bases da Associação Brasileira de Ozonioterapia (Aboz). “Um dos desafios é o reconhecimento do método pelos órgãos competentes e a formação de profissionais de saúde capacitados para indicar e aplicar adequadamente a técnica”, disse a presidente da entidade, a otorrinolaringologista Maria Emília Gadelha Serra.

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