política

Projetos diferentes

Eleição presidencial põe em jogo projetos diferentes quanto ao papel do Estado e do poder público nos rumos do país

Ricardo Stuckert/PR

Presidente Lula, após visita às obras do campus da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia

Para muitos, o problema do Brasil é o tamanho do Estado. Inchado, ele desperdiça recursos, onera o trabalho, o setor produtivo e freia o crescimento. Para outros, é o contrário. O poder público peca por omissão e não consegue chegar às classes mais baixas, não garante a todos direitos básicos como saúde e educação e contribui para o aumento da desigualdade no país. Essa não é uma discussão à-toa. Embora nem todos possam notar, a próxima eleição presidencial, mais que o natural confronto entre as personalidades de cada candidato, envolve orientações e projetos bastante diferentes.

Nem sempre é tarefa fácil distinguir as candidaturas. Mas com atenção ao histórico dos partidos e às declarações dos candidatos é possível delinear o perfil de cada um. Nesse aspecto, a candidatura à reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva baseia-se na continuidade da gestão atual. Seu partido costuma destacar o mérito de ter superado o que chama de “herança maldita” dos oito anos do governo anterior. “Foram quatro anos que mudaram a qualidade do debate político no Brasil”, explica o presidente nacional do PT, deputado federal Ricardo Berzoini (SP). “Hoje as discussões não são mais calcadas em crises, mas em estratégias para os próximos anos. E aí é que queremos centrar o nosso programa: educação, distribuição de renda e desenvolvimento econômico”, afirma.

O mote da campanha lulista é a superação das dificuldades iniciais de sua administração, principalmente na área econômica. A principal delas seria o controle da inflação, que, nos últimos três meses do governo FHC, chegou a 1,31% em outubro, 3,02% em novembro e 2,10% em dezembro. Esse índice, anualizado, poderia superar os 30%, o que não ocorreu. “Não temos mais angústia com crises externas, pois há um saldo na balança comercial que nos dá segurança cambial e, graças a isso, temos uma perspectiva nos próximos anos de geração de empregos de forma não apenas a sustentar o crescimento da massa salarial, mas também aumentar a contribuição para a Previdência Social”, assegura.

Em discurso quando assumiu sua candidatura, Lula definiu o tom que vem sendo dado à sua campanha: “Se, com a tormenta política que enfrentamos, conseguimos recuperar o Brasil, imaginem o que não poderemos fazer, num segundo governo, com mais experiência e com pleno conhecimento da máquina. Se reeleito, quero fazer um governo que reúna o que tiver de melhor na sociedade brasileira para mudarmos, ainda mais, o Brasil. Quero fazer um governo que amplie nossos compromissos com os mais pobres, pois o melhor caminho de servir melhor a todos é atender primeiro os que mais necessitam”.

A senadora Heloísa Helena, do PSOL, vem tentando resgatar algumas bandeiras que eram utilizadas por boa parte dos petistas. Não à toa, atraiu com elas, para a formação do novo partido, alguns quadros do PT, entre eles o candidato ao governo paulista Plínio de Arruda Sampaio. “A candidatura do nosso partido tem coerência política. Fazemos alianças programáticas, e não pragmáticas, com partidos fisiológicos, como fazem Lula e Alckmin”, provoca o deputado federal Chico Alencar (PSOL-RJ).

O PSOL aposta na personalidade forte de sua candidata, encampando o slogan “Coração Valente” também como forma de marcar diferença em relação ao PT no campo da ética. “A corrupção é sistêmica, não foi inventada pelo governo Lula ou pelo PT, mas precisa ser combatida de forma firme. Há uma tolerância em relação a esses desvios de conduta que alimentam a violência e a criminalidade que nos assustam no dia-a-dia”, comenta Alencar. “Manteremos uma relação transparente com o Congresso Nacional, o fato de não termos maioria não significa que não possamos governar por meio de um diálogo franco, que possa inibir aqueles que querem fazer do seu voto uma negociata.”

Uma vez na Presidência, a ênfase da senadora seria dada à criação e consolidação de meios de a sociedade participar diretamente nas principais decisões. “Pretendemos fazer um governo com participação popular permanente, por meio de conselhos, com transparência total. Reduziremos o superávit primário e utilizaremos esses recursos para educação e saúde, com os conselhos municipais, estaduais e nacionais controlando a destinação e aplicação desse dinheiro”, defende Alencar.

O candidato do PDT, Cristovam Buarque, como Heloísa Helena, é egresso do PT. Embora aborde outros temas, tem mostrado como principal prioridade de governo a educação. Ex-ministro da área no governo Lula e criador do Bolsa-Escola quando governador do Distrito Federal, vem defendendo o que chama de “revolução na educação”. “Ele defende essa idéia pelo que sempre fez e por aquilo em que acredita, e por isso é chamado de ‘candidato de uma nota só’. Apenas se cuidarmos da educação entraremos de fato no século 21”, esclarece Elimar Pinheiro do Nascimento, um dos coordenadores do programa de governo de Buarque.

Apesar dos baixos índices do candidato do PDT, Nascimento afirma que o foco na educação é uma opção que vai além do programa de governo. “Cristovam se recusa a trabalhar com projeto de poder, ele trabalha com projeto de nação. Ele não é um sabonete, tem consistência e acha que amanhã a educação pode ser realmente uma prioridade nacional”, acredita. Como planejamento governamental, as principais metas já estão definidas. “Em quatro anos, queremos erradicar o analfabetismo no país, mudar a escola no nível fundamental, melhorando a qualidade do ensino e fazendo com que a criança aprenda de fato desde a base. Com isso, o aluno estará mais preparado para as etapas seguintes do processo de aprendizagem”, explica Nascimento.

Valter Campanato/ABrAlckmin
Geraldo Alckmin, no dia da formalização da aliança entre PSDB e PFL para as eleições de outubro

Disputa de projetos

A candidatura do ex-governador paulista Geraldo Alckmin (PSDB) é, entre as que postulam a Presidência da República, a de caráter mais dúbio. Sua campanha é centrada em críticas à administração petista, de questões éticas a temas como economia, investimentos no social e política externa. “A diferença que faz um homem público da estatura moral de Geraldo Alckmin, sobretudo nas atuais circunstâncias da vida brasileira, é a sua própria história de vida. Ele deu provas da sua competência e do seu compromisso com o seu povo todas as vezes que dele recebeu a delegação pelo voto para representá-lo”, afirmou o senador Tasso Jereissati, presidente do PSDB. Mais do que questões pontuais, no entanto, o que distancia o candidato do PSDB dos seus principais adversários é a concepção de atuação do Estado, seguida não apenas nos oito anos de mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso, mas também na própria gestão de Alckmin no governo de São Paulo.

Nesse aspecto, José Prata Araújo, economista da PUC-MG e autor do livro Um Retrato do Brasil – Um Balanço do Governo Lula, destaca uma declaração de José Roberto Mendonça de Barros, expoente do PSDB, ao jornal Folha de S.Paulo em 2005: “A grande diferença geral que há entre as duas administrações é a concepção de Estado. No governo FHC a concepção era de um Estado menor, voltado para os gastos prioritários na área social, privatizando, concedendo e terceirizando. No caso do governo Lula, até agora a orientação é mais Estado, mais funcionários, menos terceirização, menos privatização, menos capital privado, menos agências reguladoras, mais poder para os ministérios. Eu acho essa visão absolutamente ultrapassada e que não funciona”.

Para Araújo, essa é “uma típica distinção entre a visão de esquerda e de direita e diz respeito ao papel do Estado”, lembrando que Mendonça de Barros era considerado da “ala desenvolvimentista” do tucanato que, no entanto, se unificava com a “ala monetarista” no que diz respeito à elaboração de um amplo programa de privatização das estatais e dos serviços públicos. “O PSDB tem uma postura ideológica que objetiva retomar as privatizações, como bem mostra o que aconteceu no estado de São Paulo. Eles não teriam pudor em retomar o projeto neoliberal, restringindo a liberdade sindical e alterando pontos da legislação trabalhista”, prevê o cientista político da PUC-MG.

Outra questão que será determinante para o futuro próximo do país, é a orientação da política macroeconômica. Heloísa Helena tem defendido a necessidade de redução das taxa de juros do país pela metade. “Isso pode ser feito com o Conselho Monetário Nacional definindo que o Brasil vai crescer 7%, portanto o dobro do que os sabotadores do desenvolvimento econômico no Ministério da Fazenda fazem”. Cristovam Buarque tem dito que não deve romper com a atual política econômica, caso seja eleito. A meta petista é acelerar o crescimento econômico, mantendo a política de redução gradual de juros. No entanto, o superávit primário de 4,25% deve permanecer pelo menos no início de um eventual segundo mandato.

Para o cientista político Antônio Augusto Queiroz, do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), a economia é o que tem determinado a opção dos eleitores e a polarização entre os dois projetos conhecidos – do PT e do PSDB – é inevitável. “Os dois têm centrado as campanhas na estabilidade econômica e na continuação das políticas sociais. Por conta disso, a população vem se inclinando por quem já é mais conhecido”, comenta. “Como as pessoas têm priorizado o aspecto econômico, Cristovam Buarque não consegue se destacar por sua campanha focar a educação. Já Heloísa Helena tem feito propostas como a redução da taxa de juros, mas os recursos não serão revertidos automaticamente para projetos sociais, como ela sugere. “Não é tão simples assim.”