Crônica

Postes ilustres

De vez em quando fico imaginando uma cidade em que todos os nomes de ruas e praças seriam flores, ritmos, aves ou simplesmente palavras bonitas

mendonça

Em viagem pelo interior de São Paulo, umas passarelas de pedestres sobre as estradas me fizeram lembrar, ao mesmo tempo, do bairro da Vila Madalena, em São Paulo, e de viagens de estudantes à Bolívia nos anos 70. É que hoje em dia até passarelas homenageiam alguma autoridade. Parece que quando morre alguém que tenha sido prefeito ou vereador, ou tenha sido “importante” na cidade, é preciso pôr o nome do dito cujo em alguma coisa. Como nem sempre há ruas, escolas ou rodovias disponíveis, então passam a procurar qualquer coisa.

O curioso é que fazem questão de colocar os títulos do homenageado e seu nome completo. Então, fica algo como Passarela Vereador Frederico Paulino Vieira Gomes de Almeida. Ufa! Prevejo que logo será preciso procurar algo mais para dar nomes ilustres. Assim teremos pinguelas, rampas de acesso a viadutos, escadas rolantes, rotatórias, curvas de estrada, porteiras, ladeiras, paradas de ônibus e outros elementos da paisagem urbana ou rural nomeados. Autoridades não faltam. Previmos, por exemplo, Desvio Governador Paulo Salim Maluf, Porteira Ministro da Agricultura Reinhold Stephanes, Chafariz Presidente Fernando Henrique Cardoso, Pinguela Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Praça de Pedágio Governador Mário Covas…

Bem, o que tem isso a ver com a Vila Madalena? Os primeiros moradores do bairro foram operários espanhóis, italianos e portugueses que trabalhavam na construção do luxuoso Cemitério São Paulo, em Pinheiros. E entre eles havia muitos anarquistas, que não quiseram dar nome de gente às ruas. E elas ganharam nomes belíssimos, como Original, Laboriosa, Purpurina, Girassol, Simpatia, Harmonia e Fidalga. Esta última, com certeza, não se referia a nenhuma mulher com título de nobreza ou casada com algum fidalgo, mas ao adjetivo que “denota generosidade”, como dizem os dicionários.

De vez em quando fico imaginando uma cidade em que todos os nomes de ruas e praças seriam assim, de adjetivos, flores, substantivos bons, ritmos, aves ou simplesmente palavras bonitas. Nada que signifique diferenças entre as pessoas, superioridade. Não haveria, por exemplo, ruas com o nome de poder, potência, supremacia, propriedade…

Alguns nomes de ruas nessa cidade imaginária: Paz, Amor, Concórdia, Liberdade, Fraternidade, Melodia, Valsa, Samba, Beijo, Abraço, Namoro, Primavera, Gardênia, Azul, Sabiá, Tico-Tico, Viola, Jabuticaba, Pitanga, Infância, Juventude, Ipê, Poesia, Encanto… E por que as viagens à Bolívia? Houve um tempo em que estudantes universitários de São Paulo, Rio e outras cidades se sentiam na obrigação de viajar até o Peru, para conhecer Machu Picchu. Não podia ser de avião.

Tinha de ser de trem até Corumbá, de lá travessar a fronteira, continuar de trem até Santa Cruz de La Sierra, em seguida parar em La Paz, depois no Lago Titicaca, para finalmente entrar no Peru. E muitos voltavam comentando que em La Paz havia rua em que cada quarteirão tinha um nome. Em um século e meio houve cerca de 180 revoluções e golpes de Estado no país, e cada um deles produzia mártires “merecedores” de ser nome de rua, mas não havia tantas ruas assim na cidade, relativamente pequena. A solução foi essa.

Pois é. E nossas cidades estão mais para a La Paz da era pré-Evo Morales do que para a Vila Madalena. Não que tenha golpes ou revoluções, mas há “ilustres” demais. Prevejo que logo faltarão até pontos de ônibus para pôr o nome deles. Então, a solução será nomear os postes. Para que familiares dos homenageados não reclamem do desprestígio de ter seu parente emérito como nome de uma coisa menor, o jeito é homenagear, também nos postes, ilustres de maior coturno. Por exemplo: poderíamos ter o Poste Prefeito Gilberto Kassab, Poste Ministro Edson Lobão, Poste Secretário de Estado Aloísio Nunes, Poste Presidente Sarney… É isso a.

Mouzar Benedito, mineiro de Nova Resende, é jornalista e geógrafo. Publicou vários livros, entre eles o Anuário do Saci, ilustrado por Ohi