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Por um fio

Para linha telefônica, tecle 1. Para cartão de crédito, tecle 2. Celular? Tecle 3. Para se desfazer do produto, prepare-se: nessa hora, a vida dos teleatendentes e consumidores vira um inferno

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Quem nunca perdeu a paciência tentando resolver algum problema por meio dos serviços de atendimento ao consumidor?

A cena é clássica. O cidadão adquire muito facilmente um produto ou um serviço. Paga corretamente por ele. Mas, se por algum motivo não quiser mais o produto ou serviço, deve se preparar para o pior. Principalmente se for telefonia ou cartão de crédito. Para começar, atendimento pessoal está praticamente extinto. Restaram as centrais de atendimento telefônico, ou call centers. O cliente liga uma vez, duas, três, dez vezes. Depois, tem de superar as tais Unidades de Resposta Audível (URA): para isso, tecle 1; para aquilo, tecle 2; para tal, tecle 3; e assim por diante – quando na maioria dos casos o que a pessoa quer é falar com “um de nossos atendentes”, geralmente a última das opções. E, quando não desiste e consegue chegar até um deles, o pesadelo continua.

“Está definido no Código de Defesa do Consumidor que a empresa é obrigada a oferecer um canal de atendimento ao cliente tão aberto quanto o de vendas, o que não acontece no Brasil”, diz a advogada Maíra Feltrin, coordenadora dos Serviços de Orientação do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec). Bastante comum em empresas de telefonia fixa, cartão de crédito, telefonia celular, esse descuido as coloca sempre no topo das listas de reclamações dos órgãos de defesa do consumidor.

“A oferta de crédito e de serviços de telefonia explodiu nos últimos anos e uma grande fatia da população de baixa renda ingressou nesses mercados”, explica Marta Cassis, supervisora da área de Serviços Essenciais da Fundação Procon-SP. As empresas, porém, não se adequaram para atender bem essa população, que no momento é a galinha dos ovos de ouro. “É preciso saber prestar atendimento com clareza, falar em linguagem objetiva e com palavras de fácil compreensão”, explica Renata Reis, supervisora das áreas de Habitação e de Assuntos Financeiros do Procon, para quem, no Brasil, a maioria dos negócios ainda segue a lei do mercado selvagem.

No mundo dos call centers, o consumidor é comumente atendido por um personagem terceirizado, que está bem longe da cena onde foi feita a transação. O cliente nem imagina que esse operador precisa gingar um bocado, na maioria das vezes sem sucesso, para conseguir auxiliá-lo.

Sem vícios

Maristela da Silva trabalha na empresa de atendimento que presta serviço terceirizado a uma das maiores empresas de telefonia fixa instaladas do país. E passa os dias convencendo clientes a não cancelar sua linha. “A cobrança é muito grande: temos metas rigorosas para tudo. Nossa instrução é oferecer o que estiver disponível, desde que o cliente permaneça conosco. Muitas vezes, mesmo lhe oferecendo vantagens, se o consumidor fizer a conta verá que saiu perdendo com nossas ‘incríveis ofertas’”, afirma a operadora.

Essa instrução é corrente nos call centers: vale tudo para reter o reclamante. Outra regra: o operador é quem deve conduzir a conversação, nunca o cliente. O ganho fixo é de um a três salários mínimos e o complemento precisa vir das comissões. Maristela ganha 25 centavos por linha retida. Se conseguir fazer 16 assinantes desistirem no mesmo dia, sobe para 30 centavos. Há sorteios e premiações para quem bate recordes de atendimento. O que vale é a quantidade, e não a qualidade, das ligações atendidas.

As centrais de atendimento telefônico preferem contratar profissionais “sem vícios”, sem experiência anterior. O treinamento que oferecem dura de dois a sete dias. Após esse período, o novato vai acompanhar o desempenho de outros operadores, enquanto um instrutor aponta o que está correto na fala do colega e o que não está. Depois de um ou dois dias, já em seu posto de escuta, enfrentará o cliente, normalmente já aborrecido – ou “atritado”, como dizem. Nessa hora, não adianta treinamento. “Você tem de ter jogo de cintura e só a experiência ensina o que fazer nesses momentos. Alguns não agüentam a pressão e vejo muitos colegas desligando porque não conseguem controlar seus nervos”, conta Maristela.

“Tudo gira em torno de um cronômetro, e não das pessoas”, conta Dulce dos Santos, que trabalha no núcleo de atendimento de um grande banco. Assim que o cliente do outro lado da linha se identifica, o monitor mostra seu perfil. “Os correntistas são classificados de 0 a 5: quem tem só conta-salário, está desempregado ou movimenta valores baixos não representará grande perda para a instituição. O status vai subindo de acordo com o potencial financeiro, e nosso esforço é orientado a atender melhor e reter os níveis mais altos.”

Essa instrução faz parte do roteiro oficial de perguntas e respostas a ser seguido. “Vacina” é o sugestivo nome dado aos procedimentos de retenção do cliente. “No caso de um cliente privilegiado, posso oferecer até seis meses de isenção de tarifas. Mas, quando é nível 0, nada. Está no script”, descreve Dulce, que está em licença médica há seis meses. O ambiente de trabalho rendeu-lhe um quadro depressivo.

Os call centers fazem relatórios diários e mensais da atuação de seus atendentes. Tudo é cronometrado. O expediente de Dulce é de seis horas, em tese. Ela precisa ter 90% de “aderência” – o que significa manter o bumbum na cadeira por no mínimo cinco horas e meia. Se quiser se alimentar, tomar um café, ir ao banheiro ou resolver um problema com a chefia, terá de administrar o tempo restante. “Evitamos levantar até para ir à sala ao lado para falar com um supervisor sobre a situação de um cliente”, conta. A média é de 70 pessoas por dia querendo encerrar seu relacionamento com o banco. A empresa determina tempo médio de atendimento de acordo com a experiência do operador: na primeira semana de trabalho, 230 segundos por cliente. Na segunda, 150. Depois, se ultrapassar 130 segundos, volta para a área dos iniciantes, ante-sala do aviso prévio.

Papel do consumidor

Geílson de Souza trabalhou por um ano e meio no atendimento a clientes de uma empresa de previdência privada e tem histórias similares de desacato ao cliente, como o conhecido deixe-seu-telefone-e-entraremos-em-contato. “Havia temas que tinham de ser passados para outras áreas. Eu dizia que faria novo contato com o cliente em cinco dias. Raramente isso acontecia, pois as outras áreas demoravam a responder. Se o cliente voltava a ligar, mais enfurecido, a orientação interna era livrar-se dele”, conta Geílson.

“O cliente sempre sai prejudicado, sabemos disso. Mas é a única forma de atingirmos nossa meta. Resolve-se a questão parcialmente naquela hora, mas o problema vai persistir e o cliente vai ligar de novo”, concorda Maristela.

No segmento de cartões de crédito, por exemplo, quase 90% das reclamações dizem respeito à dificuldade de cancelamento do serviço. No caso da operadora de telefonia para a qual a empresa de Maristela trabalha, a linha é contratada com uma simples ligação, mas pedidos de cancelamento precisam ser feitos por meio de carta manuscrita. “Somos orientados, no caso de o cliente citar órgãos como Procon, a emitir uma ordem de serviço interna e fazer o cancelamento em no máximo três dias”, conta ela. “Se as empresas oferecessem acesso e atendimento rápido, o grau de confiabilidade da população cresceria e não haveria tanto atrito. Mas vemos o movimento inverso: elas negligenciam seus clientes e eles, por sua vez, estão cada dia mais desconfiados”, afirma Marta Cassis, do Procon-SP.

O problema é que o cidadão prejudicado muitas vezes também peca ao não se animar em reclamar por seus direitos. O amadurecimento das pessoas e sua persistência é que forçarão as empresas que ainda apostam no se-colar-colou a modernizar sua conduta – uma vez que qualidade de atendimento, tanto ou mais do que preço, é decisiva num mercado consumidor tão disputado.

“Quando as queixas chegam até nós, entramos em contato com a empresa, que precisa destacar um funcionário para comparecer a uma audiência. Se o caso não é resolvido nessa instância, vai para a Justiça – e então a companhia é obrigada a enviar um advogado, o que lhe custa caro. Acredito que, com a insistência da população, as empresas vão perceber que é melhor agir corretamente e com idoneidade”, diz Marta. A ética empresarial é um dos ingredientes mais valiosos de uma marca. Se isso não está no DNA de uma empresa, que ela aprenda, então, com os consumidores que não aceitarem passivamente o desrespeito.

Onde reclamar
Procon Brasil
Existem no Brasil 27 unidades estaduais do Procon e mais de 400 municipais. A página do Ministério da Justiça tem ferramenta de busca dos endereços: www.mj.gov.br/DPDC

São Paulo

0800-171233 ou (11) 1512
Fax: (11) 3824-0717
Carta: Caixa Postal 3050
São Paulo/SP – CEP: 01061-970
www.procon.sp.gov.br

Rio de Janeiro

(21) 1512
www.consumidor.rj.gov.br

Distrito Federal

www.procon.df.gov.br

Outros órgãos
Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec)
(11) 3872-7188, www.idec.org.br

Associação Brasileira de Defesa do Consumidor
(21) 2204-1525, www.adcon.org.br