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Pegue Leve

Sentir ansiedade é normal. Mas, se for excessiva, é preciso buscar ajuda profissional

rodrigo zanotto

Kelvis: “É como se o presente não existisse e você passasse o tempo todo vivendo na expectativa do que vai acontecer”

Cada década se diz que vivemos a “era da ansiedade”. O tempo passa, a expressão permanece. Essa emoção tem, talvez, a mesma idade do surgimento do homem na Terra. É natural e, aliás, fundamental para a sobrevivência. Basta imaginar, na pré-história, uma pessoa ansiosa e outra “tranquilex”. Qual das duas se escondia primeiro ao pressentir que estava prestes a virar comida de um tigre-dente-de-sabre? Pode crer: a mais “pilhada” sobreviveu e pode ser o primeiro parente da sua árvore genealógica.

Difícil encontrar um recém-nascido que não fique ansioso quando é separado da mãe. Um vestibulando sua frio na hora da prova. Executivos roem as unhas ao vislumbrar a possibilidade de um bom negócio. Nada disso pode ser considerado doentio, desde que essas sensações não atrapalhem a vida. “A ansiedade é uma emoção complexa que envolve medo, exagero ou irracionalidade. É natural quando está relacionada a fatores reais, como a tensão na hora de atravessar uma rua movimentada. Mas, quando alguém passa a ter taquicardia ao pegar no volante ou entra em pânico por estar em um elevador, aí já é sinal de doença”, explica Tito Paes de Barros Neto, mestre em Psiquiatria pela Faculdade de Medicina da USP e médico psiquiatra do Ambulatório de Ansiedade do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas.

Muitas vezes, no entanto, ela pode funcionar como uma mola propulsora. Todos conhecem aquela pessoa ligada em 220 volts. E, para alguns, um certo nível de ansiedade – mesmo que para outros pareça além da conta – é positivo. É um tipo de “ansiedade do bem”, que instiga a persistir, buscar novas saídas e, também, a se proteger de perigos reais.

“Não me tornei ansiosa: desde criança sou assim”, conta Fernanda Scatamacchia, empresária do setor de moda, capaz de montar uma feira, almoçar, assinar documentos no banco e ainda assobiar, tudo num período de uma hora. “Na adolescência, eu fazia uma faculdade de manhã, outra à noite e à tarde trabalhava”, descreve. Se há válvulas de escape para tanta agitação? Claro. “Sou daquele tipo que não sossega enquanto as coisas não saem como eu planejo. E dou uma descontada na comida também”, descreve Fernanda, que, quando chega em casa, come parte do jantar frio enquanto espera a outra parte esquentar no micro-ondas. Ela ri de si mesma. “Minha família é quem mais paga o pato, pois no meu trabalho me esforço para ser mais ponderada. Mas também consigo perceber quando estou num pico de ansiedade. Daí, paro, respiro fundo, mudo o foco, para depois retomar o que estava fazendo.”

Prontos?

No ritmo em que a humanidade vive, difícil é não sentir um grau elevado de ansiedade. Tudo está maior, mais rápido, mais volumoso. Até poucas décadas atrás o comum era uma pessoa iniciar sua vida profissional na mesma empresa pela qual se aposentaria. Hoje, troca-se “de cadeira” diversas vezes ao longo da carreira. Casamentos até que a morte os separe também viraram minoria. A mulher saiu de casa. E se estressou mais por redobrar o trabalho cotidiano; o homem também, porque ganhou concorrentes no mercado e perdeu a mulher que cuidava da casa.

Com tudo isso e muito mais, é interessante perceber que nem sempre a ansiedade deixa a pessoa “acelerada”: às vezes, a reação é contrária. “Certo dia, percebi que fiquei por uma hora e meia tomando banho”, conta o jornalista Ricardo Panessa. Ao procurar tratamento, descobriu que a falta de impulso para realizar até as atividades mais banais era sintoma da mesma emoção que faz outros tamborilar irritantemente os dedos na mesa. “Por vezes, sinto como se eu fosse um malabarista que equilibra dez pratos ao mesmo tempo e tem de mantê-los sempre girando. São contas a pagar, relacionamentos, administração da vida financeira… e, quanto mais pratos parados eu vejo, mais ansioso eu fico”, conta.

O mais preocupante é que esse desequilíbrio é “transmissível” e já resvala na geração seguinte. Crianças crescem dentro de um padrão elevado de ansiedade e abrem-se alas para o surgimento de transtornos antes típicos dos adultos. “Atendi um garoto de 8 anos que apresentava baixa contagem de leucócitos. Ele chegou ao consultório certo de que estava com leucemia, pois já tinha pesquisado na internet. E, a cada novo exame, ele me bombardeava com uma batelada de por quês”, conta a pediatra Maria Thereza Cordes Cabedo, especializada em psicanálise infantil e médica da UTI do Hospital Sírio-Libanês. Ou seja, não é apenas o ambiente em que a criança vive dentro e fora de casa que abre espaço para a ansiedade: o grande acesso à informação também tem o seu papel. “Elas estão voltando a ser adultos em miniatura”, afirma a pediatra.

Como assim, “voltar a ser”? Maria Thereza conta que, até o século 18, a infância não era um período definido como é hoje. Só a partir do século 19 é que as crianças passaram a ter espaços, atividades e até status diferenciado dentro da sociedade e do núcleo familiar. O número reduzido de filhos, já no século 20, também ajudou a fortalecer o papel da criança na família. E agora ela está acumulando informação precocemente, e não necessariamente maturidade. “O resultado disso é uma criança ansiosa, pois lida com emoções e situações para as quais não está preparada”, diz a especialista.

Pernas inquietas

Há ainda dois outros aspectos importantes. Um é o excesso de liberdade oferecido pelos pais, aquela dificuldade já reconhecida pela geração atual de impor limites. E nem sempre por liberalidade. Falta de tempo para a relação ou mesmo ausência da já citada maturidade são elementos muito presentes entre pais e filhos. Outro é o crescente número de separações. Junte a isso o incrível volume de informações ao qual estão expostas as crianças, misture com a vida tumultuada do século 21, agendas lotadas de compromissos e mentes repletas de expectativas, desejos ou incertezas e pronto: aí está uma criança que desenvolverá um padrão de ansiedade que levará consigo pelo resto da vida.

É possível equilibrar essa balança com ações como aproveitar melhor o tempo em família, saber impor limites saudáveis e atividades adequadas para cada idade e, por fim, deixar espaço para que as crianças sejam realmente crianças. O que é fácil falar, mas difícil fazer.

A herança emocional pode se refletir durante a infância e por décadas depois. Para Pedro Macedo, de 12 anos, a ansiedade começou a mostrar seus traços quando ele tinha 6. “Primeiro surgiram tiques nervosos e, na escola, um comportamento agressivo que não condizia com o temperamento dele”, conta a revisora de textos Silvia Balderama, que tem um cotidiano corrido administrando casa, família e vida profissional. Pedro fez terapia e os sintomas melhoraram. Em uma recaída, anos mais tarde, uma psicóloga traçou o diagnóstico: ansiedade. Com apoio profissional, Pedro ganhou consciência de sua dificuldade e, quando os sintomas reaparecem, basta um alerta da mãe para que ele se autodiscipline.

Na literatura sobre o assunto há uma menção interessante: os diversos padrões de comportamento ansioso eram colocados num mesmo balde e, misturados, eram chamados de neuroses. Hoje, quando chegam ao nível de patologia, ganham nomes específicos, tais como agorafobia e transtorno de ansiedade generalizada. Esse tipo de ansiedade “do mal” provoca reações físicas, como taquicardia, palidez e tremedeira, entre outras sensações para lá de desagradáveis. E também comportamentais: temer sair de casa, ir a um local fechado ou estar sempre inquieto, se movimentando permanentemente.

Kelvis Rogério Germano, por exemplo, cansou de ouvir broncas de ex-namoradas por causa das “pernas inquietas”, aquele movimento quase incontrolável de algumas pessoas que, quando estão sentadas, ficam na ponta do pé martelando o nada com o calcanhar. “A ansiedade atrapalha muito a vida cotidiana não apenas pelas repercussões físicas. Emocionalmente é muito desgastante, é como se o presente não existisse e você passasse o tempo todo vivendo na expectativa do que vai acontecer, do que os outros vão pensar”, afirma Kelvis, professor de História de uma escola pública em Americana (SP).

Dores e medos

Quando a falta de concentração mantém a pessoa muito fora da realidade, ou ela se comporta excessivamente em função do que pode acontecer, e não do que está acontecendo, é possível que já esteja na hora de recorrer à ajuda profissional – um terapeuta, um psiquiatra, ou ambos. Pesquisas mostram que cerca de 25% da população mundial sofre de algum tipo de transtorno de ansiedade. “Para cada diagnóstico estuda-se se só a terapia ajudará o paciente ou se há necessidade de utilizar algum medicamento. Em alguns casos, a pessoa precisa apenas do medicamento”, afirma o psiquiatra Tito Paes de Barros Neto.

Há não muito tempo, quando pouco se falava sobre os males da ansiedade, havia preconceito contra as pessoas que procuravam psiquiatras. Por isso mesmo, Rubem (nome fictício) não quer se identificar. “Há cerca de cinco anos, de um dia para o outro, não conseguia mais trabalhar direito, cochilava no meio do expediente, pois à noite tinha insônia, perdi a concentração. Fui falar com meu supervisor, que não me mandou embora, mas me passou a clara mensagem de que meu problema era preguiça”, conta. “Quando eu obtive o diagnóstico de transtorno de ansiedade e passei a tomar medicamentos, voltamos a conversar e ele percebeu seu erro.”

Rubem é administrador de empresas e viveu um calvário até descobrir o que havia de errado. Por anos se sentiu cansado, irritado, seu sono piorou, tinha dores musculares e medo de situações inesperadas. “Certa vez, passei uma noite sem dormir porque eu ia, no dia seguinte, transferir meu carro para outro estacionamento.” Por conta das dores de estômago que começou a sentir, foi operado – mas não solucionou o problema. Também fez cirurgia para corrigir o septo, pois começou a sofrer de rinite e sinusite. “Passei por especialistas de todas as áreas.” Até ouvir o diagnóstico de uma amiga psiquiatra: “A doença que precisamos combater é a ansiedade”. Sempre fui hiperativo, minha mãe tem transtorno bipolar e meu pai morreu com Alzheimer. Ou seja, sempre precisarei estar atento”, afirma. Entre seus medicamentos diários estão um ansiolítico, um antidepressivo e um relaxante muscular. A sua agenda acrescentou ginástica, acupuntura e massagem. E sabe que terá de tomar remédios a vida inteira, embora espere que em breve as doses sejam reduzidas.

A psicóloga Sâmia Simurro, da Associação Brasileira de Qualidade de Vida, estuda especificamente a ansiedade entre os trabalhadores. “O profissional precisa ser assertivo sem ser agressivo, ser pró-ativo mas respeitar limites, ser flexível mas seguir diretrizes, ser competitivo mas saber trabalhar em equipe. E tudo isso sob um nível de competição aterrador”, diz. Ela cita outro causador de ansiedade: a deficiência de comunicação. “Os meios melhoraram – hoje há secretárias eletrônicas pessoais, e-mails, MSN. Mas a qualidade está péssima, pois se trata de uma comunicação apressada e fria.” E, para quem está entrando no mercado de trabalho agora, a situação é ainda mais perturbadora. “Os jovens estão ansiosos para saber se conseguirão emprego antes mesmo de definir a carreira. Depois, ficam ansiosos caso precisem mudar de trabalho. E, quando mudam, têm medo de perder o próximo.” Haja coração.

Muita calma nessa hora
Se algo o preocupa, procure sempre localizar os fatores para poder administrá-los.
Antes de chegar a seu limite psíquico, retome atividades prazerosas para repor suas energias.
Elimine, se possível, os fatores de estresse: mude de emprego, de apartamento etc.
Faça planejamentos diários para não encerrar o dia com a sensação de que não cumpriu todas as suas tarefas.
Pratique atividades físicas para descarregar a tensão.
Use a tecnologia a seu favor, não consultando e-mails fora do trabalho, por exemplo.
Tenha atitudes positivas e procure manter o bom humor.

Saiba mais:
www.ansiedade.com.br
www.aporta.org.br
www.ambam.org.br