Pasquale

Para não haver erros

Havia muitas dificuldades; e não existiam boas soluções. Existem casos em que o verbo haver é pessoal e varia conforme o sujeito. E há casos que não existe sujeito, aí não varia

mendonça

O verbo “haver” ocupa lugar de destaque nas dúvidas dos leitores. “Havia” ou “haviam”, “haverá” ou “haverão”, “houver” ou “houverem” etc. De início, é preciso lembrar que o verbo “haver” tem muitos significados. Nos dicionários, uma das primeiras acepções que aparecem é “ter”, “possuir”, “estar na posse”. O Houaiss dá este exemplo do emprego de “haver” com o sentido de possuir (considerado “antigo”): “Aquelas famílias houveram de tudo e hoje nada mais possuem”. Nas variedades formais da língua, há registros do emprego de “haver” com o sentido de  “obter”, “conseguir” (“Eles não haverão o perdão de suas dívidas”), “sair-se”, “comportar-se” (“Os rapazes se houveram bem na missão que lhes foi delegada”), “considerar”, “julgar” (“Os jurados o houveram por inocente”) etc.

Por falar em “haver” com o sentido de “julgar”, “considerar” (que, por não ser freqüente, talvez cause estranheza), não custa lembrar a conhecida expressão “tido e havido”, que se vê, por exemplo, em “Ele é tido e havido como mágico”. Que significa a expressão “tido e havido”? Por acaso não significa “considerado”? Quando se diz que determinado jogador é tido e havido como “o salvador da pátria”, não se quer dizer que esse jogador é considerado ou julgado “o salvador da pátria”? Bem, não custa lembrar que “havido” é o particípio de “haver”.

Nos exemplos que vimos no segundo parágrafo, o verbo “haver” é pessoal, ou seja, tem sujeito e com ele concorda, por isso é flexionado no singular e no plural. A roda pega quando o bendito verbo “haver” é usado com o sentido de “existir” ou com o de “ocorrer”, “acontecer”, casos em que é impessoal, isto é, não tem sujeito e não sai da terceira pessoa do singular. É sempre bom lembrar que, quando dizemos “Há graves problemas sociais no Brasil”, usamos o verbo “haver” com o sentido de “existir” e o conjugamos na terceira pessoa do singular (do presente do indicativo), ou seja, não o fazemos concordar com a expressão “graves problemas sociais”, que está no plural. Em outras palavras, não dizemos “Hão graves problemas sociais no Brasil”.

Pois bem, se no exemplo do parágrafo anterior o presente do indicativo for substituído por um dos pretéritos ou um dos futuros (do indicativo ou do subjuntivo), o que ocorrerá com o verbo “haver”? Não ocorrerá nada. O verbo “haver” continuará na terceira pessoa do singular: “Havia graves problemas sociais no Brasil”, “Houve graves problemas…”, “Haverá graves problemas…”, “Haveria graves problemas…”, “Caso haja graves problemas…”, “Se houvesse graves problemas…”, “Quando houver graves problemas…” etc. Sempre singular.

Ficou claro para você que, em se tratando do padrão culto da língua, não se aceitam construções como “Haviam graves problemas sociais no Brasil”?

E se trocarmos “haver” por “existir”? A história muda? Muda, sim. Anote aí, por favor: a particularidade é do verbo “haver”, quando ele, “haver”, é usado com o sentido de “existir”, ou com o de “ocorrer”, “acontecer”. Os sinônimos de “haver” não têm nada com o peixe, isto é, são flexionados no singular e no plural: “Existem graves problemas sociais no Brasil”, “Existiam graves problemas…”, “Existirão graves problemas…”, “Caso existam graves problemas…”, “Se existissem graves problemas…”, “Quando existirem graves problemas…”

De uma vez por todas, quando é usado com o sentido de “existir”, “ocorrer” ou “acontecer”, o verbo “haver” não sai da terceira pessoa do singular, em qualquer tempo (presente, pretérito ou futuro) de qualquer modo (indicativo ou subjuntivo). Seus sinônimos não têm nada com a história − são conjugados no singular e no plural. Usado com outros sentidos, o verbo “haver” também tem singular e plural, como vimos no início deste texto.

Pasquale Cipro Neto é professor de Língua Portuguesa, idealizador e apresentador do programa Nossa Língua Portuguesa, da TV Cultura