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Os travesseiros de Sintra

Por trás da imponência das fortalezas de Portugal está o ouro do Brasil. Mas os mistérios sorvidos nos folhados recheados de creme, nos pastéis de Belém ou numa taça de Ginja não estão ali para ser explicados

José Manuel e Junta de Turismo da Costa do Estoril

Palácio da Pena

Com as novíssimas auto-estradas que cruzam Portugal, construídas pelas parcerias público-privadas da União Européia, menos de uma hora separa Lisboa da vila histórica de Sintra, na Estremadura. Calcário branco, terra arenosa e vegetação rasteira, predominantes no país, ali dão lugar às florestas abundantes e preservadas do Parque de Sintra. A estrada cruza Cascais, beira o Autódromo do Estoril, insinua-se até o sopé das enormes colinas. Um pouco mais à frente ficam o ponto mais ocidental da Europa e o Atlântico, de frente para o Novo Mundo.

Os cobiçados travesseiros, compostos de um misterioso creme açucarado envolto em massa folhada, já justificariam aquele passeio a Sintra. Mas o lugarejo ainda guarda uma das fortalezas estampadas na bandeira portuguesa, símbolos das vitórias contra os invasores mouros. Por uma estreita e íngreme estrada de paralelepípedos, sem calçadas, cercada de árvores frondosas, chega-se ao conjunto de parque e palácio da Pena – por séculos, a residência de verão da família imperial, refúgio perfeito para amenizar aqueles 42 graus de uma tarde de julho. Um quilômetro acima fica o castelo, encravado no cume. Suas paredes, que deslizam pelas escarpas para garantir segurança contra qualquer ataque, dão a noção do enorme trabalho que os operários tiveram para erguê-las.

Como centenas de outras edificações medievais que se espalham pela Europa, fortalezas voltadas para a proteção de seus habitantes, dezenas de aposentos, passeios, varandas e vistas espetaculares, com muitos, muitos objetos mitológicos, adornos rupestres, brasões, armas, peças chinesas, imagens indianas e muita cruz, pouco erotismo, tudo representa poder e conquista. O comentário de um turista português leva a visita a uma viagem pela História. “Foi Pedro II que construiu este palácio.” Percebendo a dúvida sobre qual Pedro, corrige: “É outro Pedro, o Pedro I no Brasil, aqui Pedro IV”. E emendou um comentário sobre o nosso Pedro, de mulheres e cachaça, como o da minissérie O Quinto dos Infernos. Foi nessa hora que a ficha caiu: ali estava o ouro do Brasil!

Em 1427, Portugal chega aos Açores e inicia um passeio de conquistas pelo mundo. A primeira parte daquele palácio foi construída naquele ano. Seguem-se Terra Nova, Cabo Verde, incursões pelo Marrocos, tomada de Tanger, Congo, Groenlândia, até que aparecem Colombo, Vasco da Gama, Bartolomeu Dias e Américo Vespúcio e Cabral e a História dos bancos escolares.

Na virada para o século 16, Portugal vive a idade do ouro e é possível alinhar cada nova construção a cada nova conquista além-mar. As riquezas extraídas da África, da Ásia e da América do Sul financiam um generoso desenvolvimento arquitetônico. O Palácio da Pena e o Convento da Ordem de Cristo, em Tomar, são ampliados, constroem-se o hoje imponente Mosteiro dos Jerónimos e a Torre de Belém à beira do Tejo, em Lisboa. O gosto pelo azulejo, a imponência e a sofisticação das obras marcam o estilo manuelino.

Ao final do século 18, Pedro II, ele, o sujeito citado pelo português, torna-se rei absoluto apoiado nas minas de ouro e diamantes do Brasil, que o transformam em um dos monarcas mais ricos da Europa. Enquanto isso, o Brasil segue estagnado. Vive outras tentativas de ocupação por europeus e a implantação das usinas de açúcar, que puxaram a vergonhosa escravidão. Durante três séculos, Portugal deitou-se em berço esplêndido, até que em 1755 um terremoto destrói Lisboa e sua reconstrução, pelo marquês de Pombal, consome riquezas e leva a um crescente endividamento.

Historiadores descrevem o período como de enorme atraso, cidades sujas, com uma multidão de monges e freires e uma nobreza sem escrúpulos, vivendo acima de suas posses; a cada três dias do ano um é feriado. Em Portugal não há, como na França, uma burguesia que busca o poder. Aponta-se como sendo desse período o surgimento da tristeza dos fados, que, segundos pesquisas atuais, ainda dominam os sentimentos lusitanos. O desfecho desse período é a fuga tresloucada da família imperial para o Brasil, há 200 anos. O Brasil deixa três séculos de atraso e ganha mais importância com a abertura dos portos, faculdades, bibliotecas etc. Porém, antes de retornar a Portugal, em 1821, mais um saque: João VI leva o cofre do Banco do Brasil.

Ao provar o delicioso travesseiro da doçaria Piriquita, numa viela em frente ao Palácio Nacional, o mergulho na História chega ao seu último capítulo: apenas 27 anos separam essas veleidades dos levantes de 1848 em Paris, Madri, Berlim, Munique, Viena e outras cidades, quando trabalhadores, estudantes e libertários ousaram enfrentar príncipes, duques e condes para sonhar uma nova história.

Azenhas do Mar, litoral de Sintra

Vá além
Em Portugal, além dos travesseiros de Sintra, experimente o pastel de Belém e a Ginja, um delicioso licor de cereja