Ponto de Vista

O Senado e a República

O modelo republicano encontra-se em crise no mundo inteiro porque os atos de governo se tornaram mais conhecidos com a multiplicação dos meios de informação e de opinião

No passado, a corrupção era protegida pelo silêncio. Os cidadãos comuns nunca sabiam o que se passava nos gabinetes. Os poderes só se prestavam mutuamente contas formais, e incompletas. Tal como hoje, todos procuravam proteger para ser protegidos. Mesmo assim, alguns casos, pela sua dimensão, não puderam ser ocultados. Como o da companhia organizada na França para a construção do Canal do Panamá, que subornou parlamentares e membros do governo, todos tidos como respeitáveis. O escândalo eclodido em 1889 acabou em 1893, depois de investigações que envolveram mais de 50 pessoas, sem a punição de ninguém.

O fato de a crise de confiança nos parlamentos ser universal não nos traz consolo, porque – até onde podemos saber – o Brasil se encontra no nível mais baixo de credibilidade do Poder Legislativo. E, com todos os desvios da Câmara dos Deputados, o Senado exagera na violação da ética. É fácil apontar os culpados pelos desvios morais, mas o mais importante é identificar a anemia ética da instituição como um todo. Os senadores são, em conjunto, responsáveis pelo que se passa na Casa, mas ao corpo permanente de servidores cabe a responsabilidade prática, e direta, pelo que ocorre.

O primeiro e mais grave problema do Senado é a escassa cultura política da maioria de seus membros. Poucos sabem o que significa pertencer a uma câmara federativa, eleita pelo voto majoritário em cada um dos estados. Para muitos, ser senador significa ocupar um mandato de deputado de primeira classe, com direito a gabinete mais amplo, maior número de assessores e carro oficial, com seu respectivo motorista. Não percebem que são representantes de seu estado, e não de seu partido.

O Senado de modelo norte-americano que temos no Brasil foi expediente democrático dos Estados Unidos, ao nivelar estados maiores e estados menores, no conjunto da União, a fim de impedir a hipertrofia de poder nos mais populosos. Como a representação na Câmara dos Deputados é relativa à população dos estados, os de maior número de eleitores acabavam dispondo de maior poder na União. Assim, criou-se o Senado, com representação paritária, a fim de diminuir a predominância política de alguns estados sobre os outros. O sistema foi adotado no Brasil desde a Constituição Republicana de 1891.

A primeira grande violação do princípio federativo do Senado ocorreu em 1977, quando o governo militar instituiu os senadores biônicos, nomeados ditatorialmente pelo governo federal. Os cidadãos não os elegeram diretamente, como determinava o texto constitucional. Amparado no AI-5, o governo Geisel os criou a fim de impedir a maioria oposicionista naquela casa do Congresso.

Outra violação foi a instituição dos suplentes de senadores. Nos Estados Unidos não há suplentes. Quando há a vacância de um cargo, cada um dos estados decide, conforme a própria Constituição (as leis variam de estado para estado), como suprir a vaga até as eleições seguintes. Em alguns, há nova eleição; em outros, cabe à Assembleia Legislativa indicar o novo senador; e em outros, ainda, o governador pode indicá-lo, ad referendum do parlamento estadual.

Uma medida a ser tomada no Senado brasileiro deveria ser a extinção, por emenda constitucional, do cargo de suplente. A outra, que se encontra em andamento, é tornar da responsabilidade do plenário aprovar os nomes dos principais diretores executivos da instituição. Os candidatos devem ser servidores estáveis e seu mandato será temporário. Eles terão de apresentar sua candidatura e expor programa de trabalho. O sistema poderá, em benefício da democracia, ser adotado também pela Câmara dos Deputados e pelas assembleias estaduais.

Essas medidas não excluem outras, exigidas a fim de que se reduzam os excessivos privilégios de todos os membros dos poderes republicanos.

Para muitos, ser senador é como ser deputado de primeira classe, com gabinete mais amplo, mais assessores e regalias. Não percebem que são representantes de seu estado, e não de seu partido.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros a partir de 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 1980