Ponto de Vista

O que o império teme

O surgimento de um novo pólo de influência mundial reunindo os emergentes incomoda os EUA

Ricardo Stuckert/PR

Lula, Thabo Mbeki (África do Sul), e Manmohan Singh (Índia)

As negociações entre os países ricos, liderados por Estados Unidos, França e Alemanha, e os países em desenvolvimento, iniciadas em Doha, em 2001, se encontravam, no fim de outubro, em seu momento crucial. Os ricos acusavam o Brasil de “intransigência”, que ameaça o acordo que vem sendo tecido há seis anos “por nossa iniciativa”. Os Estados Unidos temem a liderança do Brasil entre as nações emergentes, junto com Índia e África do Sul, para a criação de outro pólo de influência mundial e de resistência contra a hegemonia norte-americana, já ameaçada pelo retorno do nacionalismo russo e pela ascensão da China.

Para muitos intelectuais norte-americanos, o ciclo de domínio dos EUA chega ao fim. A partir do fracasso no Vietnã, viriam novos golpes, como a alta do petróleo. Seguiram-se as derrota em El Salvador, no Irã, na Nicarágua e na Somália. O declínio foi adiado com chantagem militar, asfixia ao Terceiro Mundo e ajudas de Gorbachev e do papa João Paulo II na erosão do sistema socialista, culminando com a queda do Muro de Berlim e o fim da URSS.

É nesse período que Washington inicia a destruição sistemática do Iraque, com bombardeios ordenados pelo primeiro Bush, para assegurar o fornecimento de petróleo. Mesmo sob Clinton os iraquianos continuaram a sofrer bloqueio comercial e ataques aéreos. A fraude eleitoral na Flórida, em 2000, foi novo retrocesso na democracia americana. O projeto do segundo Bush era criar fato emocional que unisse o povo para novas conquistas e a continuação de seu domínio, mediante a guerra sem fim. O atentado de 11 de setembro de 2001 pôs em xeque a invulnerabilidade do território norte-americano. A opinião pública, liderada por personalidades influentes da sociedade, cerrou fileiras em torno do presidente. Em editorial, o New York Times, diante do que considerou um momento dramático, resumiu a precária legitimidade do republicano, sua personalidade frágil, seu despreparo e sua eleição duvidosa à condição de fatalidades, em hora dramática como aquela. Bush foi à guerra e manipulou a mídia mundial. Desqualificou a ONU e ignorou os protestos do mundo: invadiu o Iraque sob a desculpa de que Saddam dispunha de armas de destruição em massa e estaria envolvido no atentado – o que se provou ser mentira.

A globalização acabou sendo outra armadilha contra os próprios EUA. O desenvolvimento industrial da China foi favorecido pela entrada maciça de capitais externos, em busca de mão-de-obra barata. Mas a China manteve nas mãos do Estado o controle da economia e a maioria acionária das empresas, e trata de modernizar o seu exército e desenvolver os foguetes e as armas nucleares. O mesmo ocorre com a Rússia, que, sob Putin, iniciou a reorganização da produção industrial e o rearmamento de seus exércitos.

Nesse quadro, o Brasil corajosamente assumiu a resistência econômica, organizando o grupo dos 20 para exigir equilíbrio comercial entre ricos e pobres, a fim de diminuir as tensões internacionais. Essa articulação dos emergentes, de acordo com Lula, terá a provável adesão da gigante Indonésia – uma vitória da diplomacia brasileira –, o que assusta agora os donos do mundo.

Também aumentam a miséria e o desemprego nos EUA. A renda dos trabalhadores cresceu 1,9% nos últimos seis anos, e os lucros das empresas cresceram sete vezes mais no mesmo período. A desigualdade entre ricos e pobres é a maior desde a Grande Depressão dos anos 30. As famílias de quatro pessoas que ganham menos de 10 mil dólares ao ano (menos de 400 reais por pessoa ao mês) são pobres, e as que ganham a metade são miseráveis. O poder de compra do real no Brasil é pelo menos duas vezes maior do que o do dólar nos EUA.

A História mostra que todos os impérios desabam quando a desigualdade interna atinge níveis insuportáveis, como ocorre hoje nos Estados Unidos.

Mauro Santayana trabalhou nos principais jornais brasileiros desde 1954. Foi colaborador de Tancredo Neves e adido cultural do Brasil em Roma nos anos 80. É colunista do Jornal do Brasil e articulista de diversas publicações