Crônica

O primeiro Brasileiro

Ele foi o legítimo vencedor na época em que o campeonato brasileiro dava seus primeiros passos. Na falta do reconhecimento da CBF, fica aqui essa modesta homenagem

mendonça

Quando cheguei à casa de Zé Cabala, o grande vidente, o supino telefonista dos espíritos, ele roncava estirado numa rede:

– Mestre?

– Anh? O quê? Eu vou pagar, eu vou pagar!

– Sou eu, mestre.

– Ah… sei… Quem você quer entrevistar hoje?

– O pessoal da Revista do Brasil me pediu um texto sobre o primeiro campeão brasileiro.

– Já lhe falei que o preço da consulta aumentou?

– De novo?

– Sabe como é, essa política cambial…

– Tudo bem, vamos lá.

Sem sair da rede, o supino MSN das almas deu uns tremeliques. Eu sabia que aquilo significava que algum jogador estava baixando. Esperava que o espírito tivesse um sotaque mineiro, mas o que ouvi foi um cumprimento assim:

– Diga aí, meu rei!

– É… O senhor jogou no Atlético?

– Afe!, só se foi no de Alagoinhas!

– Deve ter havido um engano, eu preciso escrever sobre o primeiro campeão nacional, e qualquer um sabe que esse time foi o Atlético Mineiro em 1971.

– Não, senhor, foi o Bahia em 1959!

– Perdão, mas aquilo era a Taça Brasil.

– E a Taça Brasil era o quê, meu bom? Campeonato regional?

– Não, era nacional.

– Pois então. Olhe, a edição de 1959 teve 16 participantes. E não era timinho, não, meu nego, era Santos, era Grêmio, era Vasco, era briga de cachorro grande!

– Desculpe, estou falando com quem?

– Com o grande Biriba. Quer dizer, grande como jogador, porque eu era baixinho.

– O senhor era ponta-esquerda, não era?

– Era. Fiz 113 gols pelo Bahia. E olhe que comecei tarde no futebol. Eu jogava lá na areia de Itapuã, mas aí o pessoal insistiu tanto que fui fazer teste no Bahia. E passei. Isso foi em 54. Eu já tinha 26 anos. Em compensação joguei até os 40.

– Pois não, senhor… Biriba. Então o Bahia precisou enfrentar grandes esquadrões para ser campeão?

– Primeiro a gente passou pelo CSA, depois pelo Ceará e aí decidiu a vaga do Grupo Norte contra o Sport. Ganhamos por 3 a 2 em casa, mas tomamos uma piaba de 6 a 0 no Recife.

– E onde foi a negra?

– Foi comprar pão e já volta. Eh! Eh! Eh! Desculpe a piada, velho, baiano é assim mesmo. Mas, falando sério, a negra foi na Ilha do Retiro. Aí nós lavamos a jega: 2 a 0.

– Depois veio quem?

– O Vasco, todo cheio de gueriguéri. Ganhamos a primeira lá no Rio, perdemos a segunda na Fonte Nova e aí, na Fonte Nova de novo, ganhamos o desempate por 1 a 0.

– A final foi contra o Santos, não foi?

– Santos, não, demônios! Aquele foi um dos maiores times de todos os tempos: Manga; Getúlio, Urubatão, Formiga e Dalmo; Zito e Jair da Rosa Pinto; Dorval, Coutinho, Pelé e Pepe.

– Foram três jogos de novo?

– Claro, meu rei. A glória para ser gloriosa tem que ser dificultosa. Metemos 3 a 2 na Vila Belmiro, perdemos por 2 a 0 na Fonte Nova e aí, no desempate, em casa, metemos 3 a 1.

– Caramba!

– Olhe, eu respeito o Atlético Mineiro, mas os primeiros campeões brasileiros não foram eles, não, foram Nadinho; Leone, Henrique, Vicente e Beto; Flávio e Bombeiro; Marito, Alencar, Léo e euzinho, o Biriba.

– Realmente foi uma grande vitória!

– Menino, prefiro dizer que foi um triunfo, um grande êxito.

– O senhor não gosta da palavra vitória?

– Não muito.

– Agora me diga uma coisa: o que o senhor acha do Bahia atualmente?

Naquele momento Zé Cabala começou a emitir os famosos zumbidos, como óóóin, bzzz e tu-tu-tu… Com tantos anos de visitas eu já sabia que aquilo significava a perda do contato e o fim da entrevista. Pois bem, cara leitora e barato leitor, eis aí a verdade: pensei que ia escrever uma matéria sobre o Atlético Mineiro e acabei falando do Bahia. Tudo bem, o tricolor merece.

José Roberto Torero é escritor, roteirista de cinema e TV (Pequeno Dicionário Amoroso, Retrato Falado), colunista de Esporte na Folha de S.Paulo e blogueiro (blogdotorero.blog.uol.com.br)