em transe

O presente da música

Este é o século do digital, da internet e da morte do CD. Não há mais necessidade de uma cápsula para fazer a música circular, e tudo o que era sólido se desmancha na banda larga

divulgação

Dados da Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD) de 2007 mostram que de 2004 àquele ano a venda de CDs caiu pela metade – de 66 milhões de unidades para 31,3 milhões. Nesse período, em que todas as áreas da economia brasileira cresceram, a indústria fonográfica ruiu, acompanhando uma tendência mundial. Esses dados abrem o livro O Futuro da Música Depois da Morte do CD, organizado pelo sociólogo Sérgio Amadeu da Silveira e pelo jornalista e crítico musical Irineu Franco Perpétuo. Lançada durante o Campus Party, realizado em janeiro, em São Paulo, e disponível para download em www.futurodamusica.com.br, a obra reúne músicos, produtores, pesquisadores e comunicadores no debate sobre o que será de nós depois desse colapso.

Trata-se de um fenômeno com muitas implicações. O cenário, evidentemente, ainda não é claro. A questão começa, no mínimo, dois séculos atrás. Desde o surgimento dos aparelhos de tocar música a humanidade se acostumou a vinculá-la a algo físico – um disco, um rádio, uma fita, um CD. Antes disso tudo, só ao vivo, até na sala de exibição do cinema, quando este era mudo. Da vitrola em diante, a música e seu suporte de reprodução eram indissociáveis. Agora não são mais.

O digital acabou com isso, encerrou modelos de negócio, fechou gravadoras e lojas, forçou a uma revisão na lógica dos direitos autorais, deixou artistas conservadores em desespero. E nunca foi tão fácil para um ouvinte encontrar o que sempre quis – e carregar no bolso o que há muito pouco tempo exigia compartimentos para armazenar pilhas de CDs. Essa mudança, em alguma coisa vai dar. É bom acompanhar.

Toda essa revolução começou em junho de 1999, quando Shawn Fanning, então com 19 anos, criou o Napster, primeiro software de compartilhamento de arquivos de MP3 em rede. O Napster utilizava a tecnologia Peer to Peer (ponto a ponto), que faz com que qualquer máquina seja um cliente e também um servidor. O que isso significa? Pela internet, eu posso buscar em todas as máquinas plugadas no mesmo software as músicas que eu quero. Passamos a ter acesso à discoteca pessoal de todos os usuários do Napster sem precisar pagar.

Durante dois anos, a indústria do entretenimento e bandas como o Metallica fizeram campanha pesada para acabar com o Napster. Conseguiram. Mas foi tarde demais. Versões melhoradas do Napster pipocaram. Atualmente, de acordo com a revista Wired, a mais importante publicação de cultura digital do mundo, 70% da banda do planeta é consumida em trocas de arquivos. E, se você ainda não utiliza softwares como o E-Mule (www.emule-project.net) ou o Lime Wire (www.limewire.com), é só baixar. É justo.

Um lado ruim
Na virada deste ano, os resistentes consumidores dos produtos culturais da gravadora Kuarup – responsável por editar o bardo sertanejo Elomar, o popular Xangai e um dos grandes sucessos de seu catálogo, o álbum inesquecível de Pena Branca, Xavantinho e Renato Teixeira (Ao Vivo em Tatuí) – foram surpreendidos com o anúncio do encerramento das atividades da gravadora independente: “Depois de 31 anos dedicados à melhor música brasileira, a gravadora independente carioca Kuarup Discos decidiu encerrar suas atividades. Ao longo dos últimos anos, as vendas de produtos físicos sofreram queda vertiginosa, nem de longe compensada pelas vendas por download. A crise do CD é irreversível e tornou inviável nosso modelo de negócio, inteiramente calcado na produção e comercialização de música de qualidade”. A morte do CD matou a Kuarup. Quem não conseguir se adaptar à nova realidade, vai ficar de fora. É o lado ruim da história.

E vários lados bons

A oferta de artistas, gêneros e canções cresceu exponencialmente. Ganha a diversidade. Essa nova tendência foi bem diagnosticada pelo jornalista e escritor Cris Anderson no livro A Cauda Longa. Em sua tese, o mercado de música mudou porque nos sites que negociam faixas para download, onde o “estoque é ilimitado”, os grandes continuam vendendo bem, mas a soma da venda dos pequenos já os alcança. O negócio não é mais investir em poucos artistas de sucesso. É possível investir em muitos artistas que vendem pouco.

Outro aspecto positivo dessa revolução é que os novos artistas já não precisam submeter seus trabalhos a um “intermediário”. Simplesmente vão à internet e postam suas músicas em algum site dedicado a isso. Tornando-se populares, são chamados para shows, eventos, ganham projeção e dinheiro. Como diz o ex-ministro Gilberto Gil, a renda principal do artista nunca veio da venda de discos. Quanto mais a música circular, melhor.

Sem culpa
O site Trama Virtual, criado pela gravadora paulista Trama, é uma rede social e um dos bons caminhos para encontrar música de primeira, para ouvir ou baixar. Nele, quem paga o seu download são algumas empresas, que “patrocinam” o site. Toda vez que você baixa uma música, uma dessas marcas deposita uma grana, como se estivesse comprando por você. Parte do dinheiro vai para o autor, parte para a gravadora. As melhores bandas de música jovem brasileira estão por lá.

O Jamendo já é um banco de discos virtuais. Os artistas têm de, necessariamente, colocar uma obra completa no site, não pode ser só uma música. O conteúdo é licenciado em Creative Commons, a licença que propõe flexibilizar o direito autoral. Um disco pode ser reproduzido, copiado, alterado, modificado de acordo com o desejo do autor. É um jeito de obter, sem culpa, uma trilha para aquele vídeo feito para registrar um momento especial.