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O desafio está só começando

Há um ano a Revista do Brasil é alternativa para quem não gostava do que lia e oportunidade para quem gosta de ler e nem sabia. Seu desafio é ampliar com qualidade seu espaço no meio editorial e consolidar um projeto ousado de democratização do acesso à informação

Marcelo Min/Agência Fotogarrafa

A bancária com formação em Pedagogia Viviane Cristina Assôfra também utiliza os assuntos da pauta da RdB na escola

Com esta edição, a Revista do Brasil supera a marca dos 4 milhões de exemplares. Há 12 meses chega à casa de trabalhadores associados a dezenas de entidades sindicais participantes do projeto. E levou, até aqui, 608 páginas de informação com abordagens pouco vistas nos veículos de comunicação num universo de entrevistas, reportagens sobre a política nacional e internacional, economia, crônicas, dicas de cultura, arte, lazer, viagem, saúde, comportamento, história, meio ambiente, lições e desafios da cidadania.

Sem deixar de produzir os jornais e boletins que tratam de sua luta cotidiana, 23 organizações sindicais decidiram, há um ano, unir forças em torno de uma publicação popular com o objetivo de prestar mais um serviço a seus associados: uma alternativa de informação, para quem não tem acesso à leitura, e também uma informação alternativa, para quem tem acesso mas não se satisfaz com o que vê na mídia convencional.

O experiente jornalista Mauro Santayana, 73 anos, lembra que os grandes veículos de comunicação não têm interesse em apresentar o ponto de vista do trabalhador, mas sim de banqueiros e grandes corporações multinacionais. “Essa é uma tentativa importante de levar a palavra dos trabalhadores para a sociedade. O trabalhador tem uma visão que parte dele mesmo, de sua condição de oprimido. A redenção de sua classe só poderá se dar com solidariedade e informação. E nesse sentido a Revista do Brasil atingiu seu objetivo neste primeiro ano”, opina Santayana, que já trabalhou nos principais jornais do país, viveu alguns anos no exílio após 1964 e hoje mora em Brasília, onde é colunista do Jornal do Brasil e colaborador da RdB.

Na opinião do jornalista Juca Kfouri, que durante 16 anos dirigiu as revistas Placar e Playboy e hoje é conhecido também no meio eletrônico, a maior qualidade da publicação é sua postura editorial: “Gosto da revista e gosto mais ainda que entidades assumam posturas editoriais claras, com suas visões de mundo, e tratem de divulgá-las com veículos como a Revista do Brasil. Aliás, acho que a chamada grande imprensa deveria fazer o mesmo, sem disfarces. Porque o jornalismo tem lado, sim, e é muito salutar que a sociedade conheça o lado de cada veículo. A Revista do Brasil cumpre esse papel e o faz com qualidade e graça”.

Essa honestidade editorial rendeu à publicação uma tentativa de censura logo de seu lançamento, em junho do ano passado, quando a coligação PSDB-PFL entrou com representação no Tribunal Superior Eleitoral contra a CUT-SP. O TSE determinou que a central retirasse o acesso à revista de sua página na internet. Como é comum às tentativas de censura, a medida arbitrária acabou dando maior visibilidade ainda ao projeto e motivou um protesto público em defesa da liberdade de imprensa e da democratização dos meios de informação.

Hoje, este número 12 chega a todas as regiões do país graças ao esforço de 36 entidades parceiras, representantes de profissionais das mais diversas áreas – indústria, comércio, serviços, setor financeiro, educação, saúde, energia.

Projeto maior

O presidente do Sindicato dos Bancários de São Paulo, Osasco e Região, Luiz Cláudio Marcolino, lembra os longos encontros de sindicalistas, intelectuais e profissionais que antecederam o projeto: “A revista é mais um sonho tornado realidade graças à força dos trabalhadores. Um ano depois, o sucesso dessa empreitada nos permite preparar novos passos para ganhar novos espaços, como chegar às bancas e atender a centenas de pedidos de assinatura que recebemos todos os dias”.

Para José Lopez Feijóo, presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, a Revista do Brasil conseguiu criar um padrão de qualidade e pluralidade que conquistou o público. “É uma opção de comunicação que areja os empedernidos espaços editoriais monopolizados que não enxergam o mundo do trabalho. Nós temos uma visão diferente, de dar o espaço devido ao trabalhador e seus problemas. Nossa meta é crescer sempre, chegar à casa de mais pessoas, aumentar o número de páginas, diminuir a periodicidade e cada vez mais consolidá-la como alternativa concreta de comunicação escrita de massa.”

O diretor do Sindicato dos Químicos e Plásticos de São Paulo Renato Carvalho Zulato considera que a revista superou a desconfiança de “quem supunha que ela não passaria de cinco ou seis edições”. Paulo Lage, dos Químicos e Plásticos do ABC, surpreendeu-se ao dar-se conta de que a publicação chegou à 12ª edição. “Mostramos que com a adesão de parceiros é possível, sim, ir mais longe. Ela já contribui de forma definitiva com a democratização da informação. Agora é preciso torná-la comercial.”

Djalma Oliveira, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Energéticos do Estado de São Paulo (Sinergia), lembra a importância de chegar aos cidadãos que recebem informação apenas pelos canais de TV aberta e rádio. “A RdB é uma forma de criar uma massa crítica, e isso tem de continuar. Para tanto, é preciso repensar a estratégia editorial e comercial”, avalia.

O Sindicato dos Trabalhadores em Empresas Editoras de Livros, com aproximadamente 700 associados, acompanha o projeto desde os primeiros números. O tesoureiro da entidade, Neri Emílio Stein, aposta no que chama de “trabalho de formiguinha” para logo conseguir atingir a base toda, cerca de 6 mil trabalhadores de editoras em todo o estado de São Paulo, e acredita que a revista pode estimular até o crescimento do número de associados. “A meta é aumentar em 20% as sindicalizações.”

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Revista compartilhada

Entre os leitores que têm acesso a outros veículos impressos, o conteúdo da RdB é visto como contraponto. O supervisor de manutenção elétrica da Cemig José Luis Pereira, associado ao Sindieletro, em Belo Horizonte, assina O Globo, Época, Superinteressante e Galileu, mas não se dá por satisfeito: “A Revista do Brasil é uma fonte alternativa na qual é possível comparar alguns temas”. Pereira diz gostar da abordagem dos assuntos do dia-a-dia, como na reportagem “A cozinha é deles” (nº 7, dezembro), sobre homens que pilotam o fogão, das matérias de cinema e dicas culturais e das análises de mídia. “Deixo em casa disponível para minha mulher e meu filho lerem, pois tem assuntos que podem interessar a qualquer pessoa, não só a mim.”

Rosana Ribas de Alcântara Grigoleto concorda. Atendente de telemarketing da CPFL Energia, Rosana compartilha a RdB com os colegas e cansa de ouvir a pergunta “como faço para receber?” E sempre responde: “Basta se sindicalizar”. “Ela tem muita aceitação. A edição de fevereiro foi bastante comentada, principalmente pelos mais jovens”, afirma ela, sócia do Sinergia. Rosana mora em Campinas (SP) e divide a leitura de seu exemplar com o marido, metalúrgico. “Ele também é fã, porque a revista é completa, coloca as idéias de forma mais direta para o leitor, sem querer enfiar nada goela abaixo.”

O café-da-manhã e o almoço na fábrica da Ford, em São Bernardo do Campo, são os bons momentos de debates. O metalúrgico Simão Barbosa de Matos Neto garante que, quando um começa a falar sobre uma reportagem, outros opinam e a conversa se espalha. “Assim muitos perceberam, também, como analisar o que a imprensa de modo geral faz”, afirma Soró, como é conhecido. Simão leva ainda a revista para a associação de moradores do bairro onde vive, o Jardim Ipanema. “Eu também deixo alguns exemplares no mercadinho e no açougue, e todo mundo elogia. Sinto orgulho de fazer parte disso”, enfatiza.

O presidente da Apeoesp, o sindicato dos professores da rede estadual paulista, Carlos Ramiro, quer que a revista atenda a parcela da população que não é sindicalizada, que chegue às bancas e amplie ainda mais o público leitor. “Os professores são uma categoria exigente e eles aceitaram a revista muito bem. Queremos continuar o projeto e levá-la para as bancas. Ela é uma importante voz dentro do movimento sindical e no país.”

Gosto pela leitura

Isso resolveria o problema da professora Solanis Regina de Oliveira. Todos os meses ela tem de ficar atenta para não perder seu exemplar. Tudo começou quando um aluno seu, Bruno Resende Domingues, estampou a seção Retrato, na edição de setembro. Vencedor da 1ª Olimpíada Brasileira de Matemática em Escolas Públicas, Bruno virou notícia e a Revista do Brasil também. “Muitos alunos vinham me procurar para saber onde comprar a revista e tivemos de colocá-la no mural.” Depois disso, Solanis passou a levar a publicação às reuniões pedagógicas para debater os vários assuntos. Agora, seu exemplar circula entre as pessoas do grupo. “Todo mundo gosta. Tenho de cobrar para ter minha revista de volta”, brinca.

A bancária com formação em Pedagogia Viviane Cristina Assôfra também utiliza os assuntos da pauta da RdB na escola. Professora voluntária de Cidadania, Técnicas de Redação e Orientação Vocacional no projeto Sementes (SP), um pré-vestibular para afrodescendentes, Viviane passa seus sábados e domingos com cerca de 35 alunos. Para “prender” a atenção da moçada em pleno fim de semana, usa uma técnica quase sempre infalível: o estímulo. “Sempre levo textos leves para estimular o interesse e o gosto pela leitura.” Na abordagem sobre políticas afirmativas, a professora levou para a aula a edição de novembro de 2006, recheada de assuntos relacionados à questão racial. E o resultado, garante, foi muito positivo.

À medida que o projeto conquista adesões, a revista vai se espalhando pelo Brasil. O vendedor Antônio Carlos de Souza, do ramo de eletrodomésticos, em Florianópolis, recebeu a revista em casa pela primeira vez há dois meses. Filiado ao sindicato dos comerciários local, Antônio mal teve tempo de ler sua revista, a edição 10. Logo sua mulher, Marlene, tomou o exemplar emprestado para ler a reportagem “Com M Maiúsculo” e usá-la como material de pesquisa para sua dissertação de mestrado em Serviço Social. Depois, a filha Karine levou a edição para a sala de aula. O debate sobre internet foi feito com base na crônica “Papo cabeça na internet”, de José Roberto Torero, que ilustrava com humor o desconhecimento de alguns jovens em relação à história recente do país. “Mas consegui ler a revista inteira e achei muito boa”, ri.

Nada de pesquisa ou sala de aula. Hoje a diversão do bancário aposentado Moacir Pereira da Costa é reunir os amigos no Bar Picote, no Flamengo, Rio de Janeiro, e conversar. Leitor atento, é daqueles que escrevem carta e mostram sua opinião. No dia 9 de março o carioca enviou um e-mail para a redação afirmando que estendia a RdB aos amigos. “É um veículo de conscientização. Passo para quatro ou cinco amigos e depois discutimos no fim de semana.”

O professor de Jornalismo licenciado da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo Bernardo Kucinski acompanhou desde o início a trajetória da publicação e chegou a participar do núcleo de planejamento editorial. Kucinski considera que a Revista do Brasil tem melhorado a cada edição e, especialmente nas de fevereiro e março, teve um salto de qualidade na temática. “É uma boa revista de leitura. Mostra um Brasil diferente daquele que as revistonas oligárquicas mostram. Mas precisa ousar mais na criatividade editorial e gráfica, além de conseguir desafiar a pauta da grande imprensa”, avalia.

O objetivo de crescer e melhorar a cada edição foi muito bem sintetizado por Mauro Santayana, em carta enviada à redação logo após seu lançamento, na qual apostava na RdB como uma iniciativa para desarticular o virtual monopólio da imprensa conservadora. “Para isso precisa: 1) atrair o interesse da dona de casa e do cidadão comum; 2) estabelecer um projeto comercial vitorioso que garanta sua sobrevivência e expansão; e 3) fazer campanha de assinatura, ultrapassar 1 milhão de exemplares e atrair grandes anunciantes”, defende o veterano jornalista, para quem a revista não precisa assumir pecha de esquerda, “embora sua política editorial esteja comprometida com o que existe de melhor no país”.