Ponto de Vista

O desafio do quatriênio

Com a queda do socialismo e o predomínio da economia neoliberal, o mundo andou cem anos para trás. Está na hora de os trabalhadores prepararem-se para a reconquista das posições perdidas

paulo pepe

Com a queda do socialismo e o predomínio da economia neoliberal, o mundo andou cem anos para trás. Está na hora de os trabalhadores prepararem-se para a reconquista das posições perdidas

O novo mandato presidencial e a nova legislatura se iniciam em um ano que está sendo anunciado, na Europa, como crucial para o futuro do homem. Não se trata apenas do problema ecológico – esse, por si só, dramático –, mas também do novo quadro político mundial. Os Estados Unidos caíram em uma armadilha, ao criar a globalização neoliberal, crendo que ela garantiria (ao lado do poder militar) a continuidade de sua hegemonia, em seqüência à derrocada do sistema soviético. Quem realmente se aproveitou dessa manobra foi a China e, com ela, alguns países asiáticos e seus vizinhos, como a Índia.

Conforme a análise de observadores internacionais, a unipolaridade do mundo, com os Estados Unidos no comando, durou pouco. A ascensão da China e a reação política de parte da União Européia trouxeram a multipolaridade. E como não pode, em uma esfera, haver mais de dois pólos, deixou de haver pólo, ou, como diz outro observador norte-americano, o mundo deixou de ser esférico: ficou plano – ou chato.

A direção política do Brasil, em seus Três Poderes, tem de levar em conta essa circunstância histórica, a fim de assegurar a defesa de nossos interesses no mundo. E, como estamos no mesmo mundo, alguns de nossos problemas internos em pouco se diferenciam dos problemas advindos da decadência dos Estados nacionais, em favor do Mercado, a partir da queda do Muro de Berlim.

A existência do sistema socialista soviético pode ser hoje contestada, em razão das deformações do stalinismo. Mas os trabalhadores do mundo inteiro devem ao regime alguns decênios de alívio na exploração sistemática a que estavam submetidos. A adoção, na maioria dos países ocidentais, de normas como oito horas diárias de trabalho, descanso semanal remunerado, férias anuais e garantia de emprego se deve ao temor de que o movimento sindical se organizasse revolucionariamente para a tomada do poder nos países capitalistas.

Tanto é assim que, logo depois da defecção de Mikhail Gorbachev (presidente da ex-União Soviética de 1985 a 1991), todos os direitos trabalhistas começaram a ser reduzidos nos países que os respeitavam, como é o caso do Brasil. Os governos nacionais, em nome de uma eficiência que só interessa aos empresários, passaram a flexibilizar as relações trabalhistas, com os resultados que conhecemos. Com a queda do socialismo e o predomínio da economia neoliberal, o mundo andou cem anos para trás.

A situação começa a mudar. A derrota militar norte-americana no Iraque pode levar o governo de Washington ao bom senso de uma retirada com o mínimo de honra, ou – o que parece mais provável – a uma ampliação da guerra ao Irã e à Síria, o que pode retardar o desastre militar, mas não o evitará. A ascensão da China, não apenas econômica como militar, como comprovam seus recentes êxitos espaciais, também contribui para o esmaecimento da arrogância norte-americana. Todos os movimentos geopolíticos terão de se subordinar a essa nova realidade. Sendo assim, poderemos dispor de maior espaço para as reivindicações sociais na América Latina.

Os trabalhadores sabem, por sua penosa experiência, que só na luta conseguem melhorar pouco a pouco suas condições. Os últimos anos foram de forçado recuo. A “modernização” do parque industrial brasileiro, com a robotização e a dispensa de milhares e milhares de pessoas, levou os trabalhadores à prioridade da luta pela preservação do emprego. Mas já é hora de se prepararem para a reconquista das posições perdidas. E a oportunidade é única, quando ocupa a Presidência da República um trabalhador manual, o torneiro mecânico Luiz Inácio da Silva.

Mauro Santayana é jornalista, colunista do Jornal do Brasil e da Carta Maior