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Nassif e o dossiê Veja

O retrato mais falado na blogosfera nos últimos tempos

divulgação

Nassif: “A Veja abusou de calúnia, injúria, difamação, escatologia, coisa que eu nunca vi”

Em 2003 Luis Nassif lançou O Jornalismo nos Anos 90. Segundo seu prefaciador, o ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, um mergulho no dilema entre liberdade de imprensa e o respeito aos direitos humanos, ao analisar erros da imprensa por antecipar julgamentos e condenações sem direito de defesa. Especialista em assuntos econômicos, Nassif dialoga fluentemente a respeito de qualquer área da informação e foi um dos pioneiros no jornalismo eletrônico. Seu blog, hospedado no IG, inaugurou recentemente uma ácida investida sobre o que chama de “fenômeno do antijornalismo”. A série Veja: um Retrato Falado, iniciada em 30 de janeiro, rendeu muitos capítulos e diagnostica interesses empresariais e pessoais em prejuízo da informação, sempre contando com a impunidade, como relata Nassif nesta entrevista. Longe da mídia, o assunto repercutiu em mais de 700 blogs. Dois dias antes do fechamento desta edição, em 28 de fevereiro, a Revista do Brasil tentou, por telefone e e-mail, obter uma posição da Veja em relação às críticas, mas não obteve resposta.

O que motivou esse retrato falado?
Em toda a minha carreira nunca vi deformação jornalística de tal nível numa grande publicação como a Veja, principalmente nos últimos anos. A revista criou esse álibi do antilulismo como blindagem. Faz carnaval, cria inimigo externo e depois pratica toda sorte de abusos.

A que você atribui essa conduta?
A editora viu no neoconservadorismo, esse modelo neocon americano, uma onda atraente, e a Abril sempre repetiu aqui movimentos do jornalismo americano. Não é ideológico, é mercadológico. E entregou isso nas mãos de pessoas jornalisticamente deficientes e imaturas do ponto de vista da formação da personalidade, cujo poder foi usado para outras reportagens que, certamente, a Abril não estava acompanhando. Então, há uma mistura de interesses pessoais e de interesses da Abril. O que permitiu esse abuso geral foi a perda do referencial jornalístico.

A revista silenciou sobre o caso?
A mídia em geral não tem repercutido. Quem tem repercutido são os blogs, com uma massa apreciável de acessos, dada a questão jornalística. Não adianta você ter veículo grande, pequeno, ou internet. O que eu quis mostrar com a série é que fazer o jornalismo, em si, é a melhor maneira de praticar a informação. Leitor civilizado, independentemente de posição política, com visão crítica, ficou indignado em relação à Veja.

Por isso que a revista perdeu leitores?
A opinião pública tem movimento pendular, e, quanto mais você exagera numa direção, mais rápido o pêndulo volta noutra. A Veja exagerou. Abusou de calúnia, injúria, difamação, escatologia. Então, esse movimento se esgotou. Não publica carta, as ações em que ela é condenada têm valores irrisórios, e parte nem tem condenação. Como houve uma espécie de pacto entre os jornais nos últimos anos, ela achou que estava acima do bem e do mal. Contou com a impunidade. Você tem aí um grupo de jornalistas que passou a criar um sistema de auto-ajuda. Mário Sabino, Eurípedes Alcântara, Diogo Mainardi (Veja), Ali Khamel (Globo), Demétrio Magnoli (Estadão), porque se criou um espaço para surgirem novos personagens de ultradireita que não existiam no universo da imprensa, e no meio desse movimento criou-se um grupo de multiproteção: eu repercuto o que você fala e você repercute o que eu falo…

E a reação da Editora Abril ao dossiê?
Está abrindo processos em nome do Eurípedes, do Sabino, do Lauro Jardim (seção Radar) e dela. São quatro processos voltados para sufocar a pessoa física, financeiramente e no tempo. Eu tenho a agência Dinheiro Vivo, de informações financeiras, toco o Projeto Brasil, de discussão de políticas públicas, escrevo para 18 jornais, além do blog, não tenho departamento jurídico. Então, as ações vão tomar mais tempo ainda. Os leitores têm ajudado com pesquisas, há estudantes fazendo TCC sobre o tema, mas são colunas delicadas, exigem tempo.

Como detectar as imperfeições?
Uma das preocupações grandes que tive com a série foi não dar conotação político-ideológica. Quando se vê uma matéria sob ponto de vista estritamente jornalístico, consegue-se ver a consistência de cada informação. Por exemplo, quando se tem uma gravação e se extrai de lá uma frase que não significa nada, mas ela destacada é tratada como se fosse um grande escândalo; outra jogada primária comum de ver é a indução a associações, como Fulano é amigo de Beltrano, que trabalha com Sicrano, que fez isso e aquilo. A Veja é prego sobre vinil (ação de editores que alteram o teor original do texto do repórter). São óbvias as manipulações. Em 2005, por exemplo, quando o Sabino estava colocando subalternos dele mesmo para fazer resenha favorável a seu livro, sai uma matéria sobre escritores que escrevem para orelhas de livro. A matéria informa que isso é “compadrio”, que há editoras que pagam R$ 1.500 por orelha… Daí, no meio do caminho, citam o Verissimo e o Cony como pessoas que escrevem muitas orelhas. A matéria não tem coragem de dizer que recebem – porque não recebem mesmo –, mas junta maliciosamente as duas informações para dar a entender que eles recebem.

Você ainda toca bandolim?
Isso é o que mantém o equilíbrio, mas só estou conseguindo ir para o choro a cada duas semanas.