américa latina

Meio cheio, meio vazio

Resultado do primeiro turno das eleições presidenciais no Uruguai põe coligação de esquerda à frente, mas mantém uma chance de partidos tradicionais sucederem ao governo do bem avaliado socialista Tabaré Vázquez

Gerardo Lazzari

Reta Final: Comício da Frente Ampla em Montevidéu

O primeiro turno da eleição do sucessor de Tabaré Vázquez na presidência do Uruguai pode ser avaliado de maneiras distintas. O candidato José “Pepe” Mujica, da coligação Frente Ampla, de esquerda, apoiada pelo atual presidente (a lei não permite a reeleição de Vázquez), teve 47,5% dos votos, contra 45,2% dos blancos e colorados. Mas terá de enfrentar o segundo turno. O mais votado terá o desafio de não repetir o que ocorreu com Tabaré Vázquez nas eleições perdidas de 1999. Ele liderou o primeiro turno, mas foi derrotado no segundo por Jorge Batlle, beneficiado pela união entre blancos e colorados, que por mais de 170 anos se revezaram no poder até aquele 2004, quando a vitória de Vázquez veio no primeiro turno, com mais de 50% dos votos.

Agora, há algumas diferenças em relação ao ocorrido há dez anos. À época, Tabaré atingiu 40% no primeiro turno, bem menos que os outros partidos somados. Agora, não. Mujica já obteve mais votos que os principais adversários juntos. Em 1999, Tabaré cresceu 6% entre um turno e outro, o que não foi suficiente. Agora, Mujica precisa manter seus votos e aumentar em apenas 1% a 2%. Difícil acreditar que todos os eleitores da oposição, incluído o pequeno Partido Independente, que teve 2,4%, passem para Luis Alberto Lacalle, do Partido Blanco, e que este consiga ainda grande vantagem entre aqueles que anularam votos no primeiro turno.

Outra diferença é que, se com a eleição da Frente Ampla rompeu-se uma tradição secular que impunha restrições a um candidato de esquerda no poder, agora Mujica tenta suceder a um presidente com aprovação próxima de 60% da população, segundo recentes pesquisas. Tabaré trouxe avanços econômicos e sociais em seu mandato, que se estende até março de 2010. A dívida externa, por exemplo, passou de 69% do PIB no fim de 2004 para cerca de 30% atualmente. As reservas internacionais saltaram de US$ 2,5 bilhões para US$ 6,3 bilhões no mesmo período. Ironicamente, uma das acusações feitas à esquerda era que não saberia conduzir a economia. O tempo e a prática derrotaram a tese – e os brasileiros já viram esse filme.

Uma importante mudança nessa área se deu com a reforma tributária, que diminuiu o imposto sobre as mercadorias, IVA, e recriou o imposto de renda, extinto desde 1974. Segundo Tabaré, a ideia foi simplificar o sistema e cobrar mais de quem tem mais. Houve também maior taxação sobre proprietários de terras e imóveis.

No campo social, um dos principais programas do governo da Frente Ampla foi a distribuição de um notebook de baixo custo para cada aluno do ensino fundamental. Batizado de Plano Ceibal, teve sua primeira fase encerrada neste mês de outubro, com a entrega final de máquinas em Montevidéu. Beneficiou mais de 300 mil alunos e 18 mil professores. Foi baseado na ideia de Nicholas Negroponte, de um computador para cada criança. O Uruguai foi o primeiro país do mundo a fazer essa distribuição em massa. Cada computador custou US$ 260, com serviços de manutenção e conexão à internet, o que representou cerca de 5% do orçamento do Ministério da Educação durante sua implementação.

É destaque também na área social a redução da pobreza extrema, de 4% para 1,7%, e da pobreza, de 32% para 21% da população, assim como a diminuição na mortalidade infantil, de 13,2 por mil nascidos vivos, em 2004, para 10,6, atualmente.

Melhora real

A estudante universitária Eliza Lopes, de 20 anos, diz que ainda falta muito para o Uruguai se desenvolver, mas, em sua avaliação, o Plano Ceibal, os investimentos em educação e outras medidas de Tabaré fizeram com que muitas pessoas deixassem de votar nos partidos tradicionais e passassem a apoiar a Frente Ampla, por conta de uma melhora real no país.

Já a florista Laura Raimundes, de 32 anos, eleitora de Lacalle, acha que o governo atual ajudou os mais pobres, mas deveria dar trabalho, e não dinheiro a eles. “Não é justo que aumente meu imposto para que meu vizinho receba para ficar tomando mate em casa”, reclama.

O empregado de supermercado Robert Ramos, de 33 anos, afirma que o país está melhor em todos os sentidos, principalmente para os mais pobres. A dona de casa Beatriz Arias, de 48 anos, reconhece os avanços dos últimos anos, mas avalia como negativo o aumento de impostos. Diz que a definição de seu voto ocorreu pelo fato de “Pepe” Mujica ser um tipo sem ambições financeiras.

O presidente da Frente Ampla, Jorge Brobetto, ao falar do mandato de Tabaré, classifica o governo como revolucionário por conta da busca da equidade social e dos investimentos em saúde e educação. A estratégia da oposição é tentar separar a imagem do atual presidente da do candidato Mujica. Brobetto destaca que em caso de vitória quem vai governar é a Frente Ampla. “O presidente e os parlamentares são muito importantes, mas as decisões são do partido. Foi assim na definição do programa de governo executado por Tabaré, como será com Mujica”, afirma.

Questionado se ocorreriam mudanças nas relações internacionais, Brobetto diz que as relações com o Brasil, com o governo do presidente Lula, são quase “imelhoráveis”, porque existe uma relação de amigos, em que os dois governos trabalham de maneira fraternal.

A oposição, na tentativa de fugir das comparações de governo, tenta desde o primeiro turno usar estratégia que deve se repetir por todo o segundo: centra o foco no passado de Mujica. Em seu comício final, em 22 de outubro, Lacalle afirmou que os eleitores devem tomar “cuidado” porque o problema não é que Mujica não seja Vázquez, mas sim que o atual presidente representa o socialismo europeu, mais socialdemocrata, enquanto o atual candidato está ligado aos mais radicais. O candidato diz que quer um país equilibrado, que trate diferentemente aqueles que precisam sair da pobreza, mas que não destrua quem produz. Enfim, repete lá o discurso do “medo” que já o Brasil já viu. A diferença é que agora os uruguaios têm o resultado prático de um governo de esquerda para avaliar.