ambiente

Longa vida para a reciclagem

Tecnologia desenvolvida no Brasil permite reaproveitamento de todos os materiais das embalagens e vira referência mundial

gerardo lazzari

O Brasil já é o maior reprocessador de latas de alumínio do mundo e tem um dos mais altos desempenhos em reaproveitamento de papelão. Agora, o pioneirismo na reutilização completa das embalagens longa vida faz do país referência mundial em reciclagem. Incorporadas nas últimas décadas ao cotidiano de milhões de pessoas, essas caixinhas compostas de papel, alumínio e plástico trouxeram praticidade ao dia-a-dia e até benefícios sociais – da duradoura possibilidade de estocagem ao aumento no consumo de leite entre as camadas da população que não dispõem de geladeira.

Junto com o progresso vieram os problemas ambientais, materializados no crescente acúmulo dessas embalagens nos lixões das cidades. Graças à ação de quatro empresas e à mobilização de uma longa cadeia de pessoas – desde a dona-de-casa que separa as embalagens para reciclar até o verdadeiro exército de catadores anônimos de papel –, o Brasil passou a dar exemplo ao mundo. Fruto do investimento das empresas Klabin, Tetra Pak, Alcoa e TSL Ambiental, uma fábrica localizada em Piracicaba (SP) faz uso inédito da tecnologia de plasma, que permite a separação total do alumínio e do plástico que compõem a embalagem.

Tecnologicamente, o processo revoluciona o modelo atual de reciclagem das embalagens longa vida, que até então separava o papel, mas mantinha o plástico e o alumínio unidos. Ambientalmente, reduz em 100% o impacto que essas embalagens teriam ao ser descartadas. Para o Brasil, segundo maior consumidor mundial desse tipo de material, significa muito. A iniciativa já atrai a atenção de outros países. Uma planta de reciclagem nos mesmos moldes da brasileira está prestes a ser inaugurada em Valência, na Espanha. Alemanha, Itália, França e Holanda também mostraram interesse pela tecnologia.

divulgaçãoesteira de alimentação
Previamente separadas, as embalagens longa vida seguem para a reciclagem na fábrica de Piracicaba

Recentemente, representantes do governo chinês vieram ao Brasil para conhecer todo o processo de coleta seletiva e reciclagem de embalagens longa vida. A agenda da delegação asiática englobou visitas a uma co-operativa de catadores em São Paulo e a uma empresa fabricante de placas e telhas a partir da mistura de plástico e alumínio das embalagens.

A reciclagem também gera trabalho e renda. Dados do Ministério das Cidades revelam que há no Brasil cerca de 1 milhão de catadores. Em São Paulo, em torno de 200 mil pessoas estão ligadas à coleta. Elas são responsáveis pela produção de 400 mil toneladas por ano de papelão ondulado, o que equivale a 64 milhões de reais. “É um trabalho econômico e ambiental indispensável, com inclusão na cadeia produtiva de uma parcela importante e desfavorecida da sociedade”, afirma Hélio Biagio, gerente de operações de papel reciclado da Klabin.

Estima-se que a nova tecnologia deve elevar o valor da tonelada das embalagens longa vida pós-consumo nos próximos dois anos, com a consolidação das operações. A expectativa é de um aumento de 30% no valor pago pela empresa recicladora às cooperativas de catadores. Hoje a média é de 250 reais por tonelada.

Para André Vilhena, diretor-executivo do Compromisso Empresarial para a Reciclagem (Cempre), a iniciativa deve impulsionar cooperativas de catadores e a participação das prefeituras em programas de coleta seletiva, hoje existentes em apenas 327 dos 5.564 municípios brasileiros. Com essa finalidade, o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou a criação de uma linha de crédito direcionada às cooperativas e instituiu um grupo de trabalho para elaborar políticas públicas para a inclusão social de moradores de rua. A linha de crédito prevê o financiamento de obras e reformas de infra-estrutura física, de assistência técnica e de capacitação de cooperativados em todo o país. Também foi decretada a coleta seletiva de materiais recicláveis em órgãos federais.

“É um marco no reconhecimento da categoria, uma ferramenta poderosa a favor dos catadores, que passarão a ser vistos de outra forma pelos gestores públicos”, observa o presidente da Associação de Catadores de Material Reciclável (Asmare), Luiz Henrique da Silva.

divulgaçãocoleta seletiva
Até chegarem à fábrica de reciclagem, as embalagens passam pela coleta e triagem, feitas por cooperativas de catadores, que contarão com suporte do BNDES

Solução caseira
Todo o processo econômico, ambiental e social envolvido na reciclagem começa dentro de casa. Basta apenas uma mudança de hábito. A dona-de-casa Iolanda Vasconcelos é síndica de um grande condomínio no Butantã, zona oeste de São Paulo, que promove a reciclagem há quatro anos. Além de coletores especiais, são realizadas campanhas de divulgação permanente para que os condôminos e especialmente as empregadas domésticas separem o material que pode ser reprocessado. “É um assunto que precisamos estar sempre lembrando, senão as pessoas esquecem”, diz Iolanda.