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Lições para o ano novo

A imprensa gosta de notícia ruim e o governante, de notícia boa. Mas a relação entre ambos tem de ser franca e ética. Se há guerra entre eles, a verdade é a primeira vítima

Rickey Rogers/Reuters
Rickey Rogers/Reuters

Encerrei meu trabalho como secretário de Imprensa e Divulgação no Palácio do Planalto há dois anos. Muita coisa mudou, mas o relacionamento beligerante com a mídia continua sendo, na minha opinião, um dos principais problemas do governo. Trabalhar em governo nunca tinha feito parte dos meus planos de vida, de quase 40 anos pelas redações. Mas a ida a Brasília foi quase conseqüência natural da vida. Era a oportunidade de tentar pôr em prática o que a minha geração sempre sonhara: participar de um governo a serviço da maioria. Pela primeira vez desde Cabral, o poder mudava de mãos.

Durante o período de transição, constatamos estar à beira da insolvência, e que a diferença entre as demandas represadas no Brasil e a capacidade de atendê-las seria grande. O primeiro desafio era não deixar o país quebrar. Na minha praia, a relação entre o presidente eleito e a imprensa, também havia um descompasso entre demanda e procura. Lula vinha de uma relação não diria amigável, mas aberta e franca com os jornalistas. Suas responsabilidades cresceram e cada palavra dita por ele passou a ter outro peso.

Os tempos da imprensa e do poder são diferentes. A imprensa tem pressa; o governo tem de ser ponderado. A imprensa vive do que é anormal, das polêmicas; aos governantes cabe zelar pela tranqüilidade das instituições. Os primeiros gostam de notícia ruim; o governante, de notícia boa. Nessa disputa, a verdade pode ser a primeira vítima. Não se pode fornecer informação errada, tampouco desmentir notícia verdadeira. Caso contrário, sua credibilidade não servirá mais – nem para o governo, nem para os jornalistas.

Se dependesse de mim – como disse o próprio Lula na minha despedida –, ele passaria o dia todo só atendendo a imprensa. Como não é possível, a tensão é permanente. É preciso separar os jornalistas e veículos que têm como objetivo a informação e os que adotam postura preconcebida de oposição. Sempre ouvi que a imprensa é o quarto Poder. Mas certos colunistas, e alguns veículos, se consideram o primeiro – e único –, como se seu papel fosse o de eleger ou derrubar governos. Em períodos de crise, a beligerância se agrava.

A mídia age em manada para atacar – e o governo, ao se defender, culpa a imprensa pela crise. Sempre alertei que só teríamos a perder com esse ambiente. É da essência do jornalismo fiscalizar e criticar ações do governo, mas não deve ser função dos governantes analisar o comportamento da imprensa.

Equiparo as relações do governo com a mídia às relações do governo com o Congresso Nacional. É preciso conviver com a diferença. Às vezes até embrulha o estômago, mas não tem outro jeito. O diálogo com o mundo da mídia deve ser uma tarefa cotidiana de qualquer dirigente, público ou privado. A informação – interesse de ambas as partes – é moeda de troca, e a relação deve ser franca. O importante é ter a atenção voltada para a notícia que ainda vai sair – e não ficar se martirizando com alguma notícia negativa. Desmentidos e retificações nunca têm o mesmo destaque da informação original.

Muitos dos nossos problemas na área de comunicação começavam dentro do próprio governo e às vezes eram amplificados por gestos infelizes dos seus membros. Um episódio emblemático foi o caso do jornalista Larry Rother, do New York Times. Quando o assunto já estava morrendo no noticiário, com o governo recebendo solidariedade da mídia, e até dos partidos de oposição, a decisão de expulsá-lo do país transformou um anônimo correspondente num herói da “liberdade de imprensa”, causando desnecessários prejuízos à imagem do governo. Tudo o que você tem de explicar depois já é prejuízo. Conto isso para mostrar que consertar um fato negativo no dia seguinte é muito mais difícil do que trabalhar para evitá-lo.

Outro poder

De nada adianta reclamar que, em crises de governos anteriores, a mídia não bateu tanto nem se empenhou com tanta fúria em julgar e condenar pessoas, antes da Justiça – o que é verdade. São ossos do ofício de quem contraria os interesses dos eternos donos do poder de que falava Raimundo Faoro. De outro lado, por tudo que vimos de junho do ano passado para cá, chego à conclusão de que o poder da mídia já não é tão grande assim.

Engana-se quem imaginar que opinião da imprensa é sinônimo de opinião pública. A maioria dos grandes colunistas simplesmente não se conforma com o resultado das urnas porque vive fechada em suas redomas e não conhece a vida real. Dizer que as populações das periferias e dos grotões apóiam o governo porque são pobres e ignorantes é simplificar as coisas, alimentar o preconceito e fugir da realidade. O que move a opinião das pessoas são fatos concretos que interferem na sua vida. A vida de largas camadas da população melhorou nos últimos anos pelas mais variadas razões, e não por causa de um único programa social nem da publicidade do governo, como boa parte da mídia e a oposição procuram desqualificar.

Diminuiu o desemprego, aumentaram a renda e o consumo, há menos gente passando fome e mais gente comprando comida, houve melhora em todos os setores sociais. Jornalistas de oposição e seus leitores que se atribuem inteligência superior debocham quando alguém diz essas coisas. Mas o que decide eleição hoje é a resposta que as pessoas se dão a uma pergunta muito singela: minha vida melhorou ou piorou nos últimos quatro anos? Isso vale tanto para ricos como para pobres. E é fato que, para uma ampla maioria da população, a vida melhorou. E isso explica a força de Lula e o desespero dos setores que não se conformam com a perda de poder após cinco séculos de dominação, e sem perspectivas de tão cedo recuperá-lo.

O poder não pode tudo e boas intenções não transformam água em vinho. Há e haverá sempre muitos interesses em jogo que atrasam e dificultam as reformas necessárias, a começar pela reforma política, sem a qual vamos estar sempre procurando culpados para os nossos males sem nunca atacar suas causas. Ninguém quer abrir mão de privilégios e, mesmo aqueles que atacam o tamanho do Estado, nunca deixam de tentar tirar uma casquinha, incluindo as grandes empresas de mídia. Há mais interesses em jogo numa manchete de jornal ou numa capa de revista do que os indefesos leitores podem imaginar.