Carta ao Leitor

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André Ramiro, em Tropa de Elite: confusão de valores numa trama em que ficção brinca de realidade

Quando a Constituição de 1988 começou a ser escrita, uma das dívidas sociais que o país se dispunha a quitar era a que tem com os negros, os descendentes dos 6 milhões para cá importados e escravizados durante três séculos. Todos os partidos, da esquerda à direita, apoiaram as poucas linhas do artigo 68 que compunham o princípio da reparação: “Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos”. Os consensos em torno desse artigo basearam-se em estudos segundo os quais haveria pouco mais de cinco dezenas dessas comunidades. Ao se descobrir, hoje, que não se trata de poucas dezenas, mas de 3.500 comunidades, os conservadores rapidamente mudaram de opinião. A questão da posse passou a incomodar gente poderosa, e essa modalidade reparadora de titulação de terras virou “racismo” – além de mexer com quem estava quieto.

Aos poucos, o Brasil começou a descobrir pedaços de si mesmo que estavam ocultos há séculos. E as descobertas de hoje perturbam os eternamente deitados em berço esplêndido. Os incluídos começam a descobrir os sem-rolex, e para eles não há outro jeito, só o Capitão Nascimento, do filme Tropa de Elite. O realismo que assombra e fascina a classe média, porém, não é novidade na quebrada. “O cara daqui assistiu ao barato como se assiste a Malhação. Eles já sabem qual que é a realidade”, diz o escritor Ferréz.

Uma das frases mais repetidas pelo rapper na entrevista nesta edição é “vou lá e leio para eles”. Esse diálogo que mantém com os jovens nas comunidades parte da constatação de que aquela periferia a mídia não reflete de jeito nenhum. Assim, se boa parte do sucesso de Tropa de Elite se deve à qualidade cinematográfica, suas unanimidades violentas devem ser vistas com desconfiança.

Ao abordar esses tantos brasis que vêm sendo redescobertos, a Revista do Brasil busca refletir sobre as feridas abertas e, como defende Ferréz, “espalhar a palavra”, procurar suas curas.

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