Crônica

José Roberto Torero: Entrevista com a amarelinha

Camisa da seleção revela: por não ter bolso, a grana que arrecada acaba em outros paletós

mendonça

Simpático leitor, querida, linda e maravilhosa leitora, eu vos pergunto: a bandeira é o principal símbolo do nosso país, certo? E eu vos respondo: errado! Temos outro símbolo muito mais conhecido que o “lindo pendão da esperança”. Na Alemanha, em meio à Copa, consegui entrevistar para esta nobre página ninguém menos do que este símbolo, essa representação máxima da pátria: a camisa da seleção brasileira! Veja os principais trechos.

Então, como a senhora tem passado?
Geralmente, me passam a ferro mesmo.

Desculpe, perguntei como a senhora está.
Ah, fico um pouco tensa com essa coisa de Copa.

Mas este é o seu maior momento de glória, não é?
Se ganharmos, é. Mas, se perdermos, o pessoal vai me rasgar, me atirar pela janela, me usar como pano de chão!

Mas pelas ruas do Brasil todas as pessoas estão usando camisas amarelas.
É verdade. Vi crianças, adultos, pobres e ricos me usando com orgulho. Sabe?, na Copa a gente parece mais uma nação. Todo mundo tem opiniões e é bem informado.

Se fosse assim com a política…
Política é assunto meio chato. Acho até que fazem ficar chato de propósito, só para ninguém querer falar nisso.

Seu preço é um pouco salgado, não é?
Nada que um camelô não resolva.

Como? A senhora está pregando a pirataria?
Claro que não. O que eu quis dizer é que esse problema de preços abusivos pode ser solucionado com a prestação de serviços de mão-de-obra informal que busque reproduzir um simulacro dos produtos manufaturados estrangeiros.

Ah, entendi… acho.
Viu? Tudo é apenas uma questão de usar as palavras certas.

Mas me diga, quantos anos a senhora tem?
Essa não é uma pergunta que se faça a uma dama.

Mil perdões…
Mas tudo bem, agora você já perguntou mesmo. Tenho 52.

Não parece.
Mas é a pura verdade. Eu nasci na Copa de 1954.

A sua antecessora era branca, não é?
É. E passou em branco. E depois da terrível derrota na de Copa de 50 mandaram a coitada embora. Aí teve um concurso e um estudante gaúcho ganhou, o Aldyr Schlee. Ele que inventou isso de eu ser amarela.

É uma cor meio berrante, não?
Eu gosto. É imponente. E ainda tem poder de impedir muitos atropelamentos. A não ser na Argentina, é claro.

A senhora fez umas plásticas de 1954 para cá, não é?
Os tempos mudam, preciso mudar também. Uma hora a gola, outra é o desenho… Em época de Copa, então…

Por quê?
Ué?  Porque cada vez que eu mudo as pessoas me compram de novo.

Marketing, né?
Claro. Hoje em dia são feitos contratos milionários para ver quem fica comigo. Sou um símbolo de sucesso.

E a senhora gosta de ter esta importância toda?
Adoro. Só não gosto quando me ligam com um produto qualquer, ainda mais se for cerveja. Acho que isso é um desrespeito com um símbolo do país.

E a senhora ganha dinheiro com esse marketing?
Nadica. O dinheiro vai para o bolso dos outros. Eu nem tenho bolso. Por outro lado, você já viu quantos bolsos tem um terno?  É para lá que o dinheiro vai. As camisas esportivas suam, mas os ternos é que ficam com a bufunfa.

A senhora está dizendo que tem gente que usa o futebol para enriquecer desonestamente?
Olha, tudo é apenas uma questão de usar as palavras certas. E nesse caso as certas são essas mesmo.

José Roberto Torero é escritor, roteirista de cinema e TV (Pequeno Dicionário Amoroso, Retrato Falado)