história

João de Barro das eternas construções

Pense numa marchinha de Carnaval, numa música tradicional de festa junina, numa canção de estória infantil tão antiga quanto eterna... Com certeza você pensou numa obra de Braguinha

Marco Antônio Cavalcanti/Ag. O Globo

Carinhoso, considerada uma das músicas mais bonitas da MPB, é uma parceria de Braguinha, que fez a letra, e Pixinguinha, que compôs a melodia

Um dos mais importantes nomes da história da música brasileira, Carlos Alberto Ferreira Braga completaria 100 anos no próximo dia 29 de março. Nove entre cada dez marchinhas cantadas nos bailes de Carnaval por todo o país certamente foram compostas por ele, o popular Braguinha – ou João de Barro. Se parece exagero, comece a listar: Linda Lourinha, Vai com Jeito, Pirata da Perna de Pau, Pastorinhas (esta com Noel Rosa), Balancê, Cadê Mimi?, Chiquita Bacana, Touradas de Madri e Yes, Nós Temos Bananas (com Alberto Ribeiro).

“Ele foi um grande compositor/letrista. E a principal, e melhor, característica do Braguinha carnavalesco é o modo como ele trata a mulher, acompanhando sua evolução, inclusive no vestir-se (ou despir-se), a cada nova onda”, conta o crítico musical João Máximo.

Mas não foi só como autor de marchinhas que João de Barro se imortalizou. Canções folclóricas ou da safra que viria a se chamar MPB também estão no seu rico repertório. Quem não se lembra, por exemplo, dos versos de Copacabana, com Alberto Ribeiro, que se tornou praticamente um dos hinos do Rio de Janeiro – “Copacabana princesinha do mar/ pelas manhãs tu és a vida a cantar”. Ou da letra de Carinhoso, música de Pixinguinha? São também suas as letras de Cantores do Rádio, com Alberto Ribeiro e Lamartine Babo; Capelinha de Melão, com Alberto Ribeiro, e Pedido a São João, indispensáveis nas festas juninas; Dama das Camélias, com Alcir Pires Vermelho; A Saudade Mata a Gente, com Antônio Almeida; e Sorri, versão para Smile, de Charles Chaplin, John Turner e Jeoffrey Parsons.

Aluno de Arquitetura da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, virou João de Barro (o pássaro “construtor”) para fazer média com seu pai, que não o desejava em ambientes malvistos como os da música popular. Seus primeiros sucessos vêm do Carnaval de 1933, com Moreninha da Praia e Trem Blindado, quando integrava, ao lado de Noel Rosa, Alvinho e Almirante, o Bando dos Tangarás.

Quando trabalhou como diretor artístico da gravadora Continental, o ex-futuro arquiteto projetou também nomes como Radamés Gnattali, Antonio Carlos Jobim, Lúcio Alves, Dick Farney, Doris Monteiro, Tito Madi, Nora Ney, Jorge Goulart e Jamelão. Ele e seu parceiro Alberto Ribeiro foram ainda contratados pelo norte-americano Wallace Downey para assessorá-lo na direção e no roteiro de filmes como Alô, Alô, Carnaval (1936), Banana da Terra (1938) e Laranja da Terra (1940). Na década de 1940, João de Barro seria o responsável por dublagens e versões brasileiras das trilhas sonoras das animações de Walt Disney – Branca de Neve e os Sete Anões, Pinóquio, Dumbo e Bambi. Agradecido, o próprio Disney deu-lhe um relógio de ouro.

Pela estrada afora

Nessa época, Braguinha encantou-se com o universo infantil, iniciando uma safra de produções que ficaria arquivada na memória de muitas gerações. O selo Disquinho lançou uma série das mais tradicionais estórias e fábulas infantis em versão nacional. As canções das trilhas sonoras entraram para a história: Tem Gato na Tuba (Todo domingo/ Havia banda/ No coreto do jardim… / Pum, pum pum – miau/ Pum, pururum, pum, pum – miau), Pela Estrada Afora (…Eu vou bem sozinha / Levar esses doces para a vovozinha), Quem Tem Medo do Lobo Mau.

Com produção sofisticada, no final da década de 1970 os disquinhos de vinil colorido já tinham alcançado a marca de 5 milhões de cópias vendidas. Já nos anos 90, ao serem relançados 25 títulos da coleção em CD, a euforia foi tão grande que todos os exemplares se esgotaram rapidamente. “As canções para crianças talvez sejam a única parte da obra de Braguinha que vai chegar viva ao fim deste milênio”, acredita João Máximo.

Com mais de 420 músicas de sua autoria, essa maquininha de sucessos foi interpretada pelos mais importantes artistas das mais diferentes fases da música brasileira. Entre tantos outros, estão Orlando Silva, Dalva de Oliveira, Isaurinha Garcia, Ângela Maria, Mario Reis, Elis Regina, Carmen Miranda, João Bosco, Gal Costa, Maria Bethânia. Se inúmeras vezes o prestígio e a fama levam muitos artistas a esquecer as dificuldades de sua classe, Braguinha não faz parte desse time. Com Alberto Ribeiro, Oswaldo Santiago e Vicente Celestino, em oposição à Sociedade de Autores Teatrais, que também controlava as composições musicais, ele fundou a Associação Brasileira de Compositores e Autores, que originaria a União Brasileira dos Compositores, presidida por Alberto Ribeiro durante dez anos.

Sempre que se refletir a respeito de como a música brasileira se tornou uma das mais respeitadas e admiradas do mundo, o nome de Braguinha virá como um de seus principais responsáveis. Pela vastidão de sua obra e também pelo modo como encarava a vida. “Sua frase favorita era: ‘A vida só gosta de quem gosta dela’. Por isso é que quase chegou aos 100”, finaliza João Máximo. Braguinha se foi na véspera do último Natal. Faltou pouco, mesmo, para ele ficar para a festa de seu centenário.