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Injeção de ânimo

Nas últimas décadas, com o Estado diminuído em benefício do mercado e do capital privado, o país ficou anêmico. Agora, o governo busca equilíbrio para vitaminar, com recursos públicos, a economia e o ritmo do crescimento

banco de imagens petrobras

Energia do campo – Mais da metade dos investimentos previstos para o PAC, 54,4%, está na área de energia e será realizado pelas estatais federais, entre elas a Petrobras, que investe na produção de novas fontes de energia

Cristovão Colombo saiu do porto de Palos, na Espanha, com três navios. O Santa Maria, capitaneado por Colombo; Pinta, sob o comando de Martin Alonso Pinzón; e Nina, dirigido por Vicente Yañes Pinzón. Depois de vários conflitos com a tripulação, em 12 de outubro de 1492, o vigia do Pinta, Rodrigo de Triana, gritou: “Terra!” Desembarcaram na ilha de Guanahani, nas Antilhas, que Colombo batizou de São Salvador. A expedição foi patrocinada pelo Estado – a coroa espanhola. Enfim, o mundo descobriu sua geografia redonda com dinheiro e investimentos públicos.

Criada em 1958 pelo governo dos Estados Unidos, a estatal Nasa investiu 20 bilhões de dólares e coordenou o trabalho de 20 mil companhias privadas e 300 mil trabalhadores, que desenvolveram e fabricaram componentes e peças, antes de o astronauta Neil Armstrong pisar na Lua, em 1969. Em 20 de julho, às 23h56min (hora de Brasília), o mundo parou diante da televisão para assistir à primeira transmissão ao vivo, via satélite. “Um pequeno passo para um homem, um salto gigantesco para a humanidade”, disse Armstrong, entrando na História. Do vestuário às telecomunicações, as novas tecnologias desenvolvidas a partir da exploração espacial deixaram um legado realmente gigantesco – financiado com dinheiro público – de utilidades hoje indispensáveis ao dia-a-dia na Terra.

“O papel das estatais na economia é historicamente datado”, acredita o economista Jorge Simino, da MS Consult. “O que fazia sentido em uma época pode não fazer hoje.” É o caso, por exemplo, das siderúrgicas no passado, construídas com dinheiro público; ou o caso atual do setor de energia – como o país aprendeu da pior maneira, em 2001, com o apagão, exemplo da importância da atuação do Estado (e das estatais). A falta de investimentos redundou na escassez da oferta de energia. E os empréstimos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para o setor elétrico na ocasião impediram a falência completa das empresas. Algum banco privado emprestaria recursos para manter distribuidoras de energia com o nariz fora d’água?

Não é por acaso que 54,5% dos investimentos previstos no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) sejam na área de energia e realizados por estatais federais (Petrobras, Eletrobrás e Furnas). Segundo estudo do BNDES, o volume de investimentos do PAC para o período 2007-2010 é bastante expressivo, quando comparado ao realizado em 2002-2005: aumento de 362% em geração de energia elétrica e de 110% na transmissão; de 215% em habitação; 145% em saneamento; 80% em petróleo e gás. O governo calcula que o efeito direto do programa será um crescimento de 2,2 pontos percentuais do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas geradas no país; já para este ano, o PAC deve responder por 0,5 ponto percentual dos 4,5% de crescimento previstos.

Estado na veia

Mas o que é melhor para o Brasil? Ampliar a influência do Estado na economia, com os governos respondendo pelos investimentos em infra-estrutura e conduzindo, de forma mais hegemônica, os esforços para que o país cresça com vigor? Ou delegar a responsabilidade pelos investimentos necessários ao setor privado? Esse debate voltou a esquentar no Brasil após o lançamento do PAC. O plano prevê investimentos de 503,9 bilhões de reais em diversos segmentos da infra-estrutura, dos quais 384 bilhões virão do Orçamento da União e das estatais. A ministra-chefe da Casa Civil e gerente do plano, Dilma Rousseff, disse em entrevista ao jornal Folha de S. Paulo: “É dinheiro público direto na veia”.

A declaração mexeu com os brios dos críticos a uma maior participação do Estado nos investimentos. Em artigo publicado no jornal Valor Econômico, Edward Amadeo, ex-ministro do Trabalho do governo Fernando Henrique Cardoso, escreveu que “está implícito no PAC que não se pode confiar no investidor privado e nos mercados para produzir crescimento”. Para o ex-ministro, setores como os de energia e de transporte rodoviário, dois dos principais focos de investimentos do plano, poderiam contar com maior participação dos investidores privados em sua necessária expansão.

É unânime, porém, que o aumento dos investimentos é chave para tornar o crescimento da economia mais robusto, saudável e sustentável. Para alguns analistas do mercado financeiro, o PAC, só por prever investimento estatal, tem ineficiência de berço. Mas esse viés ideológico do debate não resiste aos números.

Conforme estudo feito pelo BNDES, quando se compara o custo médio da máquina pública nos períodos 2000-2002 e 2003-2005, os gastos com pessoal e encargos sociais da folha registram queda de 6,8% no período – de 5,6% do PIB para 5,22%. No mesmo período, os recursos destinados aos gastos previdenciários e assistenciais e os realizados em educação, saúde e no combate à pobreza cresceram 13,1% – passando de 9,26% do PIB para 10,48%. Ou seja, os “gastos da máquina” que cresceram, conforme o BNDES, visam à redução das desigualdades. O governo Lula está, portanto, gastando mais com os mais pobres, mas não gastando mais do que arrecada. Ao contrário.

O governo FHC teve como meta “economizar” o equivalente a 3,75% do PIB. Neste segundo mandato, o governo Lula pretende fazer uma economia maior, de 4,25% do PIB (a meta obtida em todo o primeiro mandato), mas se compromete a gastar o equivalente a 0,5% do PIB “economizado” em investimentos. Ou seja, a ousadia do governo Lula consiste em obter, ao mesmo tempo, a redução da relação dívida e PIB – o que FHC nunca conseguiu – e o aumento dos investimentos.

Paulo Santos/divulgaçãotucurui
TucuruÍ com força total – O físico Luiz Pinguelli Rosa acredita num modelo de Estado mais agressivo nos investimentos. Para o ex-presidente da Eletrobrás, a estatal, que é superavitária, poderia captar recursos no exterior

Ferramentas

Essa “economia” (para pagar a dívida) pode ser feita de várias formas. Uma delas é aumentar os dividendos pagos pelas estatais financeiras, como o Banco do Brasil, Caixa e BNDES. Esses três foram responsáveis por 44% dos dividendos recebidos pela União de 2002 a 2006, em média, tendência que deve se manter.

Muito além do PAC e dos dividendos que geram, esses bancos públicos são ferramentas vitais para que o Estado interfira no desempenho da economia. O Banco do Brasil, por exemplo, responde por 57% do financiamento agrícola do país. São 33 bilhões de reais, dos quais 6 bilhões em refinanciamentos, 27 bilhões em dinheiro novo e um terço dos recursos para a agricultura familiar. “O Banco do Brasil assume, de fato, o papel de um banco público”, afirma André Pessoa, sócio-diretor da Agroconsult. Para Pessoa, não é possível imaginar o sucesso do setor de agronegócio no Brasil sem a participação do Banco do Brasil.

No ano passado, a Caixa Econômica Federal aplicou 18,1 bilhões de reais em desenvolvimento urbano, dos quais 13,8 bilhões em habitação e 4,2 bilhões em saneamento e infra-estrutura. “O resultado está aí: recorde na aplicação de recursos do FGTS, recorde nos investimentos de recursos da Caixa e no atendimento às famílias de baixa renda”, afirma Maria Fernanda Ramos Coelho, presidente da instituição. Os recursos em habitação atenderam 600 mil famílias, das quais 73% têm renda mensal bruta de até cinco salários mínimos. Apenas com recursos do FGTS foram aplicados 7,3 bilhões de reais. Os demais bancos emprestaram 6,2 bilhões.

O papel dos investimentos em construção civil é tão importante para a economia e a geração de empregos que o PAC prevê investimentos de 106 bilhões de reais em habitação até 2010. Os 40 bilhões de reais para obras de saneamento previstos no plano equivalem a um incremento de 150% na comparação com o que foi investido entre 2002 e 2005. A meta é aumentar para 55% o número de domicílios ligados diretamente à rede coletora de esgotos, o que beneficiaria 7,3 milhões de moradias e 25,4 milhões de pessoas. No ano passado, 48% dos domicílios brasileiros eram ligados diretamente à rede de esgotos. A média nacional é puxada para cima graças aos números da Região Sudeste, 84%. No Nordeste, o percentual é de 30%; Centro-Oeste, 35%; Norte, 8%; e Sul, 55%.

biodiesel

Refluxo

Desde meados da década de 90 o setor de energia tem sido foco de polêmicas. O governo Fernando Henrique Cardoso implementou um modelo baseado na privatização. A gestão Lula concebeu um novo modelo, com regras que impuseram maior controle do Estado. “Nos últimos 30 anos, os investimentos públicos diminuíram cinco vezes, correspondendo atualmente a 0,5% do PIB”, diz Cláudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil. “Isso mostra que a capacidade de investimentos do Estado é limitadíssima.” Edmílson Moutinho dos Santos, professor do Instituto de Eletrotécnica e Energia (IEE) da Universidade de São Paulo, observa que a América Latina vive uma onda de “refluxo do neoliberalismo” e destaca que não é só a capacidade de investir do Estado que é limitada. “Existe uma tendência, em momentos de insegurança em relação a suprimento de energia, de o capital privado se ausentar”, observa, acrescentando que esse capital não aparece sem garantia de retorno rápido.

O economista Fábio Silveira, da RC Consultoria, insiste que o Estado nunca foi um “empresário eficiente”. Para ele, reduzir o superávit primário para alavancar investimentos “é uma escolha que trará resultados positivos no curto prazo, mas que pode deixar desequilíbrios que prejudicarão o país mais à frente”. Silveira acredita que o ideal seria a redução dos juros como forma de indução ao crescimento. Para isso, é necessário alterar a estrutura tributária, “tarefa espinhosa”, diz.

A redução do superávit com o objetivo de permitir maior nível de investimentos das estatais foi a principal bandeira do físico Luiz Pinguelli Rosa quando esteve no comando da Eletrobrás, em 2003. A postura de confronto com a área econômica contribuiu para que deixasse o governo. Hoje professor de Planejamento Energético na Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rosa não está contente com o PAC, mas não pelas mesmas razões do mercado. Ao contrário. O físico acredita que as estatais deveriam atuar diretamente nos empreendimentos, sem parcerias com empresas privadas. “A Eletrobrás tem receita de 20 bilhões a 30 bilhões de reais, tem boa engenharia, está no azul e pode captar recursos no exterior”, afirma. “A ministra Dilma tem visão desenvolvimentista de esquerda, mas não suficientemente à esquerda.”

O diretor de Gás e Energia da Petrobras, Ildo Sauer, considera que o Brasil necessita promover um plano de investimentos compartilhado com a iniciativa privada, embora, pessoalmente, prefira uma atuação estatal mais forte. Ele acrescenta que existe uma bolha de capital disponível no mundo, da qual empresas como a Petrobras ou a Vale do Rio Doce podem captar recursos com juro mais baixo e contribuir para a construção de uma infra-estrutura com baixo custo. “Se o Brasil souber captar esses investimentos, não poderá discriminar quem irá fazê-los”, observa Sauer.