homenagem

‘Hoje eu não tô bom’

Jornalista Bernardo Kucinski e Dieese levam prêmio João Ferrador de Cidadania 2010

Raquel Camargo/sm abc

Kucinski e o Ferrador: “Estar na sede do sindicato para receber esse prêmio representa um encontro com minhas origens, me remete às gigantescas assembleias que cobri no final dos anos 1970”

O jornalista Bernardo Kucinski, na categoria Personalidade, e o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), na categoria Entidade, foram os ganhadores do Prêmio João Ferrador de Cidadania 2010. A premiação foi criada pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC no ano passado com o objetivo de divulgar e proporcionar reconhecimento ao trabalho de pessoas e organizações “que contribuem para tornar o Brasil um país justo e mais igual”.

O Dieese é um organismo de pesquisa criado em 1955 e sustentado por entidades sindicais ligadas a todas as centrais. “O prêmio representa um desafio para que todos no Dieese continuem desenvolvendo o trabalho que trouxe esse reconhecimento”, disse Clemente Ganz Lúcio, diretor-técnico do Dieese.

Bernardo Kucinski, de 73 anos, é um dos mais importantes jornalistas, acadêmicos e escritores do Brasil. Participou da criação da Revista do Brasil, em 2006, integrou seu Núcleo de Planejamento Editorial e é colaborador habitual da publicação. Atuou nos principais veículos do país, foi um batalhador da chamada imprensa alternativa nos tempos da ditadura, escreveu uma série de livros e é uma das referências da Escola de Comunicação e Artes, a ECA/USP. “O João Ferrador é o prêmio mais importante que recebo em mais de 40 anos de jornalismo. Estar na sede do sindicato para recebê-lo representa um encontro com minhas origens, me remete às gigantescas assembleias que cobri no final dos anos 1970. Lembro particularmente a do 1º de maio de 1979, quando me avisaram da morte do delegado Sérgio Paranhos Fleury. Aquela morte representou a morte da tortura política no Brasil. E aquele dia representou a morte da ditadura militar. As armas foram as greves, e João Ferrador foi uma de suas munições”, disse o jornalista.

Menções honrosas

A escolha dos premiados se deu por voto direto da categoria a partir de uma lista de indicados, entre eles Ivan Seixas, do Conselho de Defesa da Pessoa Humana, e Lula Ramires, da ONG Corsa, que atua na promoção da igualdade de direitos de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e transgêneros. Na categoria Entidade, foram indicadas também a Sempreviva Organização Feminista (SOF) – atuante desde 1963 na luta por uma democracia baseada na igualdade de relações entre homens e mulheres – e o Movimento da Luta Antimanicomial – que luta contra a forma arcaica de “tratar” a loucura à base de confinamento e violência.

João Ferrador
Idealizado pelo jornalista Antonio Carlos Félix Nunes, o personagem João Ferrador apareceu em 1972 ilustrando e ”assinando“ uma coluna no jornal Tribuna Metalúrgica. Ganhou forma e personalidade nos traços dos cartunistas Otávio, Laerte, Vargas e Cleiton e tornou-se figura popular entre os militantes de esquerda do ABC, que fizeram moda com a camiseta do jovem operário dizendo ”hoje eu não tô bom“. A expressão simbolizava reação ao clima de arrocho salarial, carestia e repressão. João foi ícone de uma estratégia de comunicação de popularização do sindicato e de resistência à ditadura. ”É o símbolo da nossa consciência e da nossa dignidade“, escreveu o então presidente do sindicato, Luiz Inácio da Silva, no prefácio da coletânea Bilhetes do João Ferrador, lançada em 1980.