ciência

Haja coração

A terapia com células-tronco é aguardada ansiosamente por quem sofre de problemas cardíacos e pesquisas em andamento permitem muita esperança. Mas é cedo para euforia

andréa graiz

Walkíria: qualidade de vida depende de novos tratamentos

O infarto sofrido pela professora aposentada Walkíria Duarte de Farias, de Porto Alegre, deixou como seqüela um quadro de insuficiência cardíaca. A irrigação no lado esquerdo do coração foi seriamente prejudicada. O músculo não recebe sangue e oxigênio o bastante para trabalhar. Bombeia menos sangue para o corpo, e este se cansa com o mínimo esforço. Sem os medicamentos que ela toma – cada caixa com 28 comprimidos custa 256 reais e nem dá para um mês –, seria impossível caminhar mais que do quarto à sala. “Antes de começar a me tratar, não agüentava subir escada nem andar ligeiro”, conta Walkíria. “Parecia que o coração ia saltar pela boca.” O remédio ajuda, mas a qualidade de vida fica a desejar: ela vive de olho nos ponteiros da balança e aos menores sinais de inchaço nas pernas e nos tornozelos.

Walkíria está entre os cerca de 10 milhões de brasileiros que sofrem de insuficiência cardíaca. Felizmente, está fora dos 4 milhões com quadro grave. Em casos assim, medicamentos e terapias tradicionais, como a angioplastia – introdução de um cateter com um balão na ponta, que esmaga as placas de gordura –, não surtem efeito. Nem o implante de ponte de safena ou mamária, aquele desvio para a passagem do sangue que os cirurgiões fazem usando veias retiradas da perna ou da região peitoral. Nos graus mais avançados, em que só o transplante de coração pode funcionar, a complicação mata metade dos doentes em menos de um ano. Nos Estados Unidos, pelo menos 3 milhões de americanos têm a doença, surgem anualmente 400 mil novos casos e mais de 200 mil morrem.

Diante do quadro preocupante, cientistas de várias partes do mundo vivem em busca de alternativas para revertê-lo. As terapias mais promissoras são as com células-tronco. O assunto, palpitante para médicos e pacientes, foi um dos temas de um evento internacional realizado entre os dias 14 e 16 de setembro, em Salvador, e foco principal do simpósio internacional realizado dois dias depois em São Paulo, no Instituto do Coração (Incor).
O cardiologista italiano Piero Anversa, radicado nos Estados Unidos e pesquisador do New York Medical College, esteve nos dois encontros. Um dos grandes expoentes do tema em todo o planeta, ele atualmente faz experiências com ratos que, depois de submetidos a um infarto, recebem células-tronco do próprio sangue diretamente no coração. “Nossa expectativa é que haja reparação do músculo cardíaco desses animais”, disse o especialista à Revista do Brasil. “Daí a garantir que haja recuperação em humanos infartados, é outra história. Muitos estudos ainda são necessários.”

Jailton Garciapesquisadora
Manipulação de células-tronco no Incor: alternativa para os transplantes num futuro próximo

Um dos maiores especialistas na área, o fisiologista José Eduardo Krieger, do laboratório de genética e cardiologia molecular do Incor, coordena pesquisas com cobaias e seres humanos. Os estudos com animais visam à formação de novos vasos sanguíneos e à reparação dos tecidos musculares cardíacos a partir de células-tronco extraídas dos próprios tecidos gordurosos, onde há muita irrigação sanguínea. “A idéia é que, no futuro, pacientes com insuficiência cardíaca grave não dependam mais do transplante de coração”, diz.

Os testes com cobaias mostram a formação de capilares, tubos de pequeníssimo calibre que recolhem sangue das células. Nas pesquisas com humanos são injetadas células em regiões do coração nas quais é impossível fazer uma ponte de safena. Iniciadas há quatro anos, com dez pacientes, seus resultados não revelam problemas. Se os pesquisadores do Incor já sabem que o procedimento não causa mal, ainda não sabem se faz algum bem. A Comissão Nacional de Ética em Pesquisa os autorizou a ampliar o grupo para 90 pessoas. O instituto integra ainda um grande estudo financiado pelos ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia com 1.200 pacientes que tiveram infarto agudo do miocárdio, doença isquêmica crônica, cardiomiopatia dilatada e cardiopatia chagásica.

Considerado a maior pesquisa já feita no mundo, envolvendo 33 instituições em nove estados e no Distrito Federal, o estudo tem por objetivo comprovar a eficácia do uso de células-tronco adultas (e do próprio paciente) na reconstituição dos músculos e de outras partes do coração. Os pacientes incluídos no trabalho estão sendo divididos em quatro grupos de 300, conforme a doença. Em cada um deles, metade receberá o tratamento tradicional (medicamentos ou cirurgia) e a outra parte será submetida à terapia celular com células-tronco de sua medula óssea. Se a terapia celular se mostrar eficaz, o Ministério da Saúde estima uma economia de 500 milhões de reais por ano com transplantes, internação, cirurgias e reinternações. E melhor: 200 mil vidas poderão ser salvas num período de três anos. Um benefício e tanto para a saúde dos cofres públicos e de brasileiros com insuficiência cardíaca.