Há dez anos, um vazio

Ícone do jornalismo crítico e analítico, Aloysio Biondi se foi sem deixar substitutos

Biondi foi uma das poucas vozes críticas às políticas do governo FHC (Foto: Arquivo/Diário da Manhã/Divulgação)

“Embrutecemos. A sociedade brasileira embruteceu. Os meios de comunicação embruteceram. Nós, jornalistas, embrutecemos. (…) Os governantes atuais não se importam mais com o povo, o ser humano. Mas todos somos culpados. Por silenciar. Por ficar de braços cruzados. Embrutecemos, sim.”

O texto acima foi publicado no jornal paulista Diário Popular em 19 de julho de 2000. Eram comentários a respeito de um incêndio em uma favela. Foi um dos últimos escritos de Aloysio Biondi, que morreria dois dias depois, aos 64 anos, dos quais 44 dedicados ao jornalismo. Passados dez anos, as análises e comentários de Biondi, sempre baseados em dados e números, não em palpites, ainda fazem falta.

Especialmente quando se lembra de que, aliado ao rigor técnico, eram textos acessíveis, sem a praga do economês, escritos por alguém que não ficou de braços cruzados.
Em setembro do ano passado, o acervo do jornalista foi doado ao Centro de Documentação Alexandre Eulálio (Cedae), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Eram 15 estantes de seis prateleiras cada uma, ou mais ou menos 150 caixas de documentos, segundo Antonio Biondi, 32 anos, seu filho do meio, que não resistiu à influência do pai e também trabalha na área de comunicação.

“Ele era muito amigo nosso. E influenciou tanto a gente que eu e o Pedro fomos ser jornalistas, e a Bia pendeu para uma outra faceta dele, que era a música”, conta Antonio, referindo-se aos irmãos, de 34 e 31 anos, respectivamente. O pai gostava de contar anedotas, mas “quando era para dar uma cobrada, vinha uma mais dura”, lembra.

Apreciador da obra do russo Tchaikovsky,­ Aloysio quase virou pianista. Na música brasileira, gostava de Chico Buarque e Maria Bethânia. Acima de tudo, amava e defendia o país, o que ficou claro no livro O Brasil Privatizado, lançado em 1999. Naquele período dos anos 90, Biondi foi uma das poucas vozes críticas às políticas do governo, apoiado em peso pela imprensa. “Foi uma fase muito dura, com o desmonte da pequena base que o país tinha”, comenta Antonio. “Ele (Biondi) passou a década de 90 buscando alternativas para estabelecer uma trincheira contra esse processo.”

Encontrou na Revista dos Bancários, publicação do Sindicato dos Bancários de São Paulo que existiu de 1993 a 2006 – e que deixou de circular com a criação da Revista do Brasil. Seguiu-se um périplo pelo Diário da Manhã, de Goiânia, pelo DCI, Shopping News, Folha de S. Paulo e, finalmente, o Diário Popular, atual Diário de S. Paulo. “Ele passou a década buscando construir espaço para um projeto de país. Em vários momentos, se chocou com alguns fatores, desde a falta de recursos até a falta de espaço”, diz Antonio.

É difícil imaginar – ou nem tanto – que tenha havido, entre os donos da imprensa, quem não se interessasse em dar mais espaço para o padrão de qualidade de Biondi. Aliás, houve quem desejasse reduzir seu espaço. Pouco antes de trocar a Folha pelo Diário, o articulista que escrevia às terças e quintas-feiras passou a contar com apenas uma coluna semanal, no auge do programa de privatizações do governo Fernando Henrique.

“É de se lamentar que o grande cidadão e jornalista Aloysio Biondi não possa estar assistindo ao fim do mito neoliberal”, escreveu em 2008, no Jornal do Brasil, o jornalista Mauro Santayana, colaborador desta RdB. Como provavelmente, se aqui estivesse, Biondi também seguiria desafiando mitos e verdades consagradas por observadores não habituados a se guiar pela ciência dos fatos, mas pelos editorialistas.