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Fui!

Mais que passar o ano todo sonhando com as férias, planejamento e atitude ajudam a saborear melhor esse direito sagrado e levam a descobertas que comprovam: existe vida além do trabalho

Paulo Pepe

Assim que termina um passeio, Renê e sua família já começam a planejar o próximo. A rotina já dura 13 anos

Experimente dizer a palavra férias: ela desliza do f ao s, e até a dureza do r no meio vira banquinho para se ver o mar, a serra, o relógio parado e nenhuma pressa para ir embora se a tarde cai ou o dia amanhece… Agora, se você fizer o teste a dois, ou seja, pedir para que alguém diga “férias”, vai ver que a pessoa ganhará de repente uma expressão nova no olhar, mistura de lembrança com expectativa. Férias são direito garantido de quem trabalha duro (está lá, no artigo 129 da CLT) e, quase sempre, são elas que asseguram o pique necessário para mais um ano de labuta.

“Programar férias é um hábito que já dura 13 anos. Tanto que tenho três planos de viagem, como se fossem clubes, que garantem uma cadeia de hotéis disponíveis e melhores preços”, conta o administrador Renê Nascimento, de 37 anos e há 19 na mesma empresa. Ao terminar um passeio, Renê começa logo a pensar no próximo. Já escalou os do final deste ano e o de julho de 2007. “Vou voltar para Fortaleza e depois programar a viagem de julho à Espanha”, explica. O administrador viaja com a mulher e a filha de 13 anos. É nas férias que a família fica plenamente integrada. “A gente deixa tudo para trás. É como se estivesse zerando o que passou e iniciando uma nova fase”, avalia.

Porto Seguro, Guarapari, a Disney e o Chile já fizeram parte de seus roteiros. Das lembranças que colecionou, Renê aponta como a mais impressionante a do vulcão localizado na cidade chilena de Pucón, ao pé da Cordilheira dos Andes. Ali está o Villarica, um dos vulcões mais ativos da América do Sul.

Asas à imaginação

“Há os que passam todo o ano pensando nas férias e todo o ano seguinte se recuperando delas – ou pensando como pagá-las. Muitas vezes, mais importante do que as férias são o antes e o depois”, descreve no bem-humorado Antes e Depois o escritor Luiz Fernando Verissimo – que estava em férias quando essa matéria foi feita. Mesmo para quem não arruma malas, férias são viagens de imaginação.

Tem gente que as aproveita para fazer um curso rápido, conferir os filmes da temporada, dormir em frente à TV. “O que mais me agrada é esquecer que existe o relógio. Não ter hora para dormir, para sair. É a sensação de liberdade”, afirma a professora da rede pública Aparecida Sasso, a Cidinha, 54 anos, diariamente às voltas com a criançada do ensino fundamental. Às vésperas do recesso escolar do meio do ano, ela só lamenta que esse período seja tão curto atualmente. “Antes se podia dizer que o professor tinha duas férias por ano; agora não, pois em julho são apenas alguns dias”, explica. Neste recesso, Cidinha tem planos muito bem elaborados: não fazer absolutamente nada, vai relaxar curtindo os quatro netos, o mais novo nascido em março.

Enquanto você lê essa reportagem, é bem provável que a jornalista Clarissa de Oliveira Mangueira, de 28 anos, já tenha passado por aventuras inesquecíveis na Cidade do México, para onde viajaria no início de junho ao lado do namorado Everton Florêncio. “Sonho com as férias o ano todo”, afirmou, às vésperas do embarque. Clarissa já esteve nos Estados Unidos, em Buenos Aires e já fez viagens nacionais. Escolheu o México, há seis meses, pela facilidade de hospedagem (na casa de uma amiga) e a curiosidade em conhecer a cultura do país. “Comecei a planejar em dezembro passado, visitei sites, li cadernos de turismo dos jornais. Fui a livrarias, mas não consegui um guia do país em português, só em inglês”, explica.

Entre os locais que pretendia visitar estão Vera Cruz e Acapulco, além das pirâmides (Teotihuacan, por exemplo, fica a 50 quilômetros da Cidade do México) e Oaxaca, cidade considerada patrimônio da humanidade pela Unesco. Com a experiência adquirida na programação de férias, a esta altura Clarissa já deve ter passado também por São Simão, no interior de São Paulo, onde descansaria de seu descanso na América do Norte. “Dividimos as férias e reservamos um tempo para ficar ali, porque dá para descansar mais, comer melhor; enfim, relaxar mesmo, sem preocupação”, planejou ela.
O chamado estresse de férias – pois é, isso existe até nessa hora – costuma perturbar tanto no início quanto no final do período, quando é preciso desacelerar ou voltar ao ritmo, e quem já viajou em dupla ou excursão, principalmente na condição de estrangeiro, sabe bem o que é isso. “Meu namorado mora em Santos e eu em São Paulo, e trabalho de madrugada. Temos pouquíssimo tempo para ficar juntos, e até brincamos que as férias são um teste para a convivência”, conta Clarissa. O resultado tem sido dos mais positivos. O único senão fica mesmo por conta da duração. “A gente deveria ter mais tempo de férias. Uns dois, três meses. Ou, pelo menos, uma no meio do ano e outra no final”, propõe.

Direito a férias é de 1925
Seja para conhecer outras culturas, namorar, passear com os netos, pescar ou simplesmente ficar em casa – e há até aqueles que resolvem botar a mão na massa no período e mudar o visual da casa, pintando paredes, consertando, cuidando do jardim –, férias são oportunidades únicas para o descanso dos trabalhadores assalariados e, como quase tudo que é bom, duram pouco. Mas já foi pior. O direito a elas no Brasil é anterior à CLT: a Lei de Férias (4.982) foi promulgada em 24 de dezembro de 1925 e obrigava os empresários a concederem 15 dias de descanso anuais a seus trabalhadores, sem prejuízo do ordenado.

A lei atingia apenas os empregados em estabelecimentos comerciais, industriais e bancários e, mesmo assim, era sistematicamente desrespeitada. Só as categorias mais organizadas, em geral dos grandes centros urbanos, conseguiam fazê-la valer, até que o direito se tornou garantia e ganhou abrangência nacional, estabelecendo os 30 dias de descanso remunerado a cada ano.

Passados mais de 60 anos da promulgação da CLT (em maio de 1943), os defensores da ampliação deste período lembram que os processos produtivos são hoje muito mais acelerados, bem como o nível de tensão nas empresas. Uma pausa maior ou pausas mais freqüentes no trabalho seriam assim perfeitamente justificáveis, inclusive em prol do rendimento do trabalhador e da própria produtividade da empresa.

Namoro e autonomia

Hélio Marin, 52 anos, há três décadas no mesmo emprego, aproveita as férias também para namorar. A diferença é que só agora, com o casal de filhos crescido, ele pode finalmente planejar a programação com a mulher Rose. “A gente viajava quando eles eram crianças, mas eram aquelas viagens mais curtas, em geral para a praia, diferente de quando éramos só nós dois”, conta. Nos últimos cinco anos, Hélio e a mulher, pedagoga aposentada, aproveitam a liberdade concedida pelas “crianças”, que já têm outros interesses.

Foram juntos à Argentina, Fortaleza, Maceió, Natal e Aracaju, para onde pretendem retornar no próximo período de descanso. “Volto de uma viagem já pensando onde será a próxima, e vou fixando data, recursos, programação. É um ano inteiro planejando a seguinte”, afirma. Sem o condicionamento às férias escolares, o casal também consegue aproveitar períodos mais vantajosos para as viagens, como no mês de março, já considerado de baixa temporada, com menos agitação e ainda com bom clima em todo o país.

“Não são novas luas-de-mel, mas de vinagre, pois somos casados há 31 anos”, brinca Hélio. No mesmo espírito brincalhão, explica que não se preocupa tanto com o preço dos pacotes turísticos. “É a parte mais barata, se comparar com as compras da minha mulher”. Os comerciantes de Aracaju, portanto, que se preparem: eles voltam para a capital do Sergipe em março de 2007. “Estivemos lá há quatro anos e gostei muito da beleza e hospitalidade, tanto do povo quanto dos guias que nos receberam. Embora não seja tão divulgada como outras capitais, há muita receptividade, mais do que em outros estados que visitamos”, explica.

A estagiária em administração Vanessa Moreno Henriques, de 21 anos, faz o caminho inverso. Em seu primeiro emprego desde fevereiro passado, ela começa finalmente a pensar, lógico, em suas primeiras férias, após longos anos viajando com os pais. “Como ainda não sei se vou ser efetivada, como é que vai ficar, penso em fazer uma viagem curta, talvez até a praia, apenas”, programa.

Assim como os filhos de Marin, que já têm planos diferentes dos da família, Vanessa vai pelo mesmo caminho da autonomia. E já lembra com saudade das muitas viagens que fez com os pais. “Desde criança viajei com eles no período das férias escolares, e era muito bom ficar juntinho. A exceção foi na minha formatura, quando todo o pessoal da escola escolheu ir para Ilhéus, na Bahia, um passeio inesquecível”, lembra. Em janeiro passado, Vanessa e os pais novamente embarcaram juntos, dessa vez para Porto de Galinhas, em Pernambuco. “Creio que foi uma das últimas oportunidades que tivemos para nos reunir e viajar, pois agora tenho o trabalho e, pela própria diferença de idade, outros interesses”, revela, sinalizando que, a partir de agora, se depender da filhota, também o casal Henriques terá direito a nova lua-de-mel nas próximas férias.