Fala com a gente, Dilma

Presidenta surfa na popularidade. Economia esboça reação. Movimentos sociais querem ver pautas atendidas. Mercado quer a subida dos juros. E 2014 adianta o calendário

Manifestações trabalhistas tem menos visibilidade na mídia tradicional. A Marcha das Centrais, apesar de reunir milhares de pessoas, não apareceu no noticiário (Foto: Marcello Casal Jr/ABr)

Nos cinco quilômetros que separam o estádio Mané Garrincha do Congresso, em Brasília, a marcha das centrais sindicais teve um imprevisto que interrompeu o protesto durante meia hora: o principal carro de som, que levava a maioria dos dirigentes, não passava por um viaduto, pouco antes da Esplanada dos Ministérios. Os sindicalistas tiveram de driblar ainda o obstáculo da pouca visibilidade dada pela maior parte da imprensa ao ato de 6 de março, que reuniu algumas dezenas de milhares de pessoas. Já à noite, foram recebidos pela presidenta Dilma Rousseff, para pedir mais atenção a uma pauta trabalhista elaborada em 2010. Involuntariamente, a discussão tornou-se mais ampla e envolve, desde já, a eleição de 2014.

Duas semanas depois da marcha, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) divulgou pesquisa encomendada ao Ibope que apontava recorde de 63% de aprovação ao governo, com a aprovação ao “estilo Dilma” atingindo 79%. O gerente executivo Renato da Fonseca, da CNI, listou três fatores básicos para a avaliação positiva: baixa taxa de desemprego aliada à manutenção da renda familiar, foco em políticas sociais e o carisma pessoal da presidente da República como administradora. “Ela tem conseguido construir uma imagem de competência e segurança na gestão”, afirmou.

Os sindicalistas foram reclamar por serem menos ouvidos pelo governo, em comparação com os empresários, já afagados com desonerações de tributos em vários setores e na folha de pagamentos, políticas que deverão continuar, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. O fraco desempenho da economia em 2012 (crescimento de 0,9%) acendeu um sinal amarelo e deu algum combustível à oposição, ainda em busca de um candidato para chamar de seu. No meio do caminho, Câmara e Senado renovaram as mesas diretoras e a própria Dilma promoveu uma minirreforma ministerial.

Momentos

O analista político Antônio Augusto de Queiroz, diretor do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap), identifica quatro movimentos do governo. O primeiro se tratava de “acalmar” mídia e classe média. Em seguida, a preocupação foi o enfrentamento da crise – e vieram diminuição de juros, redução das tarifas de energia e as tais desonerações, a última das quais atingindo os produtos da cesta básica. O governo também passou a defender uma política de transferência de atividades no setor de transportes para a iniciativa privada. Por fim, vem o que o analista considera mais preocupante, as relações de trabalho. “Se não houvesse essa reação (marcha), certamente correria riscos”, diz, referindo-se a constantes ofensivas empresariais pela alteração na legislação trabalhista, sempre em nome da competitividade.

Entre os novos comandantes do Congresso, Queiroz vê uma relação mais independente em relação ao governo. Especialmente com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), que estava à frente da Comissão de Trabalho na época do projeto do governo Fernando Henrique Cardoso que flexibilizava a CLT. “Ele tem fortes relações com os meios de comunicação, com a bancada ruralista e com o meio empresarial”, observa. Alves também foi relator do projeto do Código Florestal.

Bancada ameaçada

gráfico

Como 2014 já entrou com antecedência inesperada até mesmo para o calendário político, é preciso não apenas se preocupar com a sucessão do Executivo, mas também cuidar da renovação de cadeiras do Congresso, como alerta o Diap. “Se não houver reposição de quadros, a bancada sindical cai pela metade na próxima legislatura”, afirma o analista Antônio Augusto de Queiroz. 

Segundo o órgão, a bancada dos trabalhadores no Congresso é de 91 parlamentares, em um universo de 594 deputados e senadores – 15% do total. No Senado, não chega a 10% (sete de 81). 

Isso ajuda a explicar, por exemplo, a dificuldade que temas ligados ao trabalho enfrentam para avançar no Parlamento. Redução da jornada e extinção do fator previdenciário são questões empacadas, por mais que o governo sinalize alguma intenção de negociar. “Tudo depende da pressão”, diz o senador Paulo Paim (PT-RS). Para Queiroz, a questão da redução da jornada só avança se o Planalto se envolver, e mesmo assim com redução gradual. 

Alguns itens reivindicados viraram lei nos últimos anos. Foram os casos da política de aumento real para o salário mínimo, da correção anual da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física (ambos até 2014), da ampliação do aviso prévio para até 90 dias (conforme o tempo de serviço) e da formação profissional por meio do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e ao Emprego (Pronatec), além da isenção de imposto de renda em pagamentos de participação nos lucros ou resultados no valor de até R$ 6 mil. Esta última questão está em medida provisória avaliada em comissão mista no Congresso.

O que parece mais próximo de acontecer no Parlamento, pela agenda atual, é a discussão da reforma política. Para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, se o Congresso não conseguir votar as propostas, é o caso de pensar em uma Constituinte. Segundo ele, é urgente implementar o financiamento público de campanhas e transformar o financiamento privado em crime inafiançável. “Só não pode continuar do jeito que está.” 

Divisão

A marcha era unitária, mas os presidentes das duas maiores centrais sindicais saíram em direções opostas após a reunião com a presidenta. Para Vagner Freitas, da CUT, foi aberto um espaço de negociação que permitiria avançar em temas como a redução da jornada de trabalho e o fim do fator previdenciário. De imediato, o governo assinou o decreto que visa regulamentar, no Brasil, a Convenção 151 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), sobre o direito a negociação coletiva dos trabalhadores do setor público. Até então, segundo o dirigente, faltava “um olhar mais prioritário para as questões referentes ao mundo do trabalho”.

Já o deputado Paulo Pereira da Silva, o Paulinho (PDT-SP), disse ter saído com visão “bastante crítica” do encontro no Palácio do Planalto. “O governo está com pouco crédito com a Força Sindical”, reclamou. Durante o dia, na marcha, ele já havia se queixado ao comentar o encontro na véspera com o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), sempre cotado na bolsa de apostas presidencial: “O governo recebe a CUT, a UGT, e não recebe a gente. Cada um faz o que pode”. O dirigente chegou a afirmar que poderia apoiar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas não Dilma, em 2014.

“O governo não estava falando com o movimento sindical”, disse o presidente da UGT, Ricardo Patah, recebido em audiência poucos dias antes da marcha. “Hoje está restabelecido, está tudo bem.” O presidente da CTB, Wagner Gomes, via um diálogo ainda “truncado” com os movimentos sociais. E também cobrou prioridade, lembrando que esses movimentos ajudaram a garantir a eleição de Dilma em 2010. “Nosso campo de atuação continua sendo o da presidenta.”

reunião

No encontro das centrais com Dilma, na noite de 6 de março, estava presente ainda o ministro do Trabalho e Emprego, Brizola Neto, já na berlinda, segundo insistentes comentários que circulavam por todos os lados. Um dirigente do mesmo partido (PDT) chegou a dizer: “Não dou 15 dias (para a queda)”. Nove dias depois, Brizola Neto caiu. Perdeu uma batalha interna no PDT e foi substituído por Manoel Dias, ligado a Carlos Lupi, presidente da legenda e ex-ministro do Trabalho.

Dilma, os ministros Brizola Neto (que seria substituído nove dias depois) e Gilberto Carvalho recebem sindicalistas (Foto: Roberto Stuckert Filho/PR)

Neoliberais

Durante o congresso da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), na mesma semana, o normalmente moderado ministro Gilberto Carvalho, da Secretaria-Geral da Presidência da República, atacou outro presidenciável, o senador Aécio Neves (PSDB-MG), sem citá-lo. Dias antes, o tucano comentara que o governo pretendia eliminar a miséria “por decreto”.

Além de considerar a declaração “irresponsável”, Carvalho afirmou que os movimentos sociais têm boa relação com o governo, mas sem submissão. “Ao contrário de governos anteriores, tivemos a coragem de ouvir esse povo, de receber esse povo no Palácio do Planalto. Este governo é solidário ao povo, ao contrário de governos neoliberais que o senador representa e querem voltar, mas o povo não vai deixar.”

Como nem só de PIB vive a economia, um dado mostra que 2012 também produziu boas notícias. Segundo o Dieese, que acompanha sistematicamente as negociações salariais desde 1996, no ano passado 95% dos reajustes superaram a inflação medida pelo INPC. Outros 4% tiveram índices equivalentes. Assim, apenas 1% perdeu para o índice do IBGE, no melhor resultado da série. O instituto ressalva que os resultados foram piores no segundo semestre, quando a inflação – ainda uma preocupação real – ameaçou desgarrar e as expectativas positivas do início do ano se frustraram.

As demandas dos trabalhadores:

– Reforma agrária
– 10% do orçamento da União para a saúde
– 10% do PIB para a educação
– Valorização das aposentadorias (ampliação do teto e fim do fator previdenciário)
– Salário igual para trabalho igual entre homens e mulheres
– Ratificação das Convenções 151 (direito de organização no setor público) e 158 (coibição a demissões arbitrárias)

O aumento da renda foi importante para o próprio PIB. O consumo das famílias cresceu (3,1%) pelo nono ano seguido, impulsionado pela elevação de 6,7% da massa salarial e também pela alta (14%) do crédito para pessoas físicas. Outro dado positivo de 2012 foi a menor taxa anual média de desemprego (5,5%) na série histórica do IBGE, iniciada em 2003. Mas também exagera quem fala que o país vive em pleno emprego.

Nestes primeiros meses de 2013, os dados ainda são contraditórios, mas mostram indícios animadores. O IBGE informou que a produção industrial subiu 2,5% em janeiro (5,7% na comparação com igual mês de 2012). Em 12 meses, a variação ainda é negativa (-1,9%). A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) também divulgou indicadores mais favoráveis, , com 20.500 vagas abertas em janeiro e fevereiro. A atividade industrial cresceu 2,8% no primeiro bimestre, mas ainda cai 2,7% em 12 meses. A CNI observou redução da capacidade ociosa e fala em “recuperação moderada” do setor.

Há, também, a sempre presente batalha dos juros. Com o aumento da inflação nos últimos meses, aumentou a voz do que clamam pela volta do ciclo de altas da taxa básica, a pretexto de controlar os preços. O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central reduziu os juros em dez reuniões seguidos, mantendo a taxa nas três seguintes. Em 16 e 17 de abril, a discussão voltaria à pauta. No final de março, a presidenta declarou que o combate à inflação é “um valor em si mesmo e permanente do meu governo”, mas isso não significa abrir mão do crescimento. E questionou a receita pregada por parte do chamado mercado: “Tivemos um baixo crescimento no ano passado e um aumento da inflação, porque houve um choque de oferta devido à crise e a fatores externos”.

É uma visão semelhante à do diretor-técnico do Dieese, Clemente Ganz Lúcio. Segundo ele, o equilíbrio econômico deve buscar não apenas o controle da inflação, mas o crescimento – e não se pode “cair no conto” de que aumentar juros é o melhor mecanismo para enfrentar a inflação no curto prazo. E é sempre tempo de desfazer mitos, observa o economista em um dos seus comentários diários na Rádio Brasil Atual. “Nos anos 90, diziam que se o salário mínimo crescesse íamos ter desemprego, inflação e informalidade. O salário mínimo teve aumento real nos últimos anos e o desemprego e a informalidade diminuíram.”

centrais

A popularidade do governo é retrato do momento. Desemprego menor e rendimento em alta favorecem a avaliação, mas ainda há problemas sociais sérios – desigualdade, má distribuição da renda – e infraestrutura deficiente. Algumas críticas vindas da oposição, porém, passam a um observador mais atento a impressão de que faltou combinar antes com os russos.

(Foto: Dino Santos/CUT)

Colaborou Tadeu Breda