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Entre a pechincha e a pesquisa

Estudo da UnB aponta que negociar preços é tática predominantemente masculina. Mas será que pesquisar, como fazem as mulheres, não é mais econômico?

jailton garcia

“Nesta vida só não se pede anos de cadeia; de resto, o que você conseguir é lucro.” A frase, que o comerciante Michele Pizzani aprendeu com o pai, resume a mania que ele tem de pechinchar: “O consumidor precisa aprender a pedir descontos. Todo preço é supervalorizado e, por isso, sempre dá para baixar um pouco. Se o vendedor está cobrando 20 reais, é porque com 15 já está ganhando”.

O empresário Carlos Orlando pensa da mesma maneira e garante que quem vende um produto guarda alguma coisinha para oferecer e agradar ao cliente: “Se a gente não pedir, não leva”. Esse prazer que os homens têm de pechinchar é uma das constatações de uma pesquisa sobre padrões de consumo que está sendo feita pelo psicólogo Everson Meire-lles, da Universidade de Brasília (UnB), e que pode até mudar a relação entre empresas e consumidores – tanto que ganhou prêmio do 2º Congresso Brasileiro de Psicologia Organizacional e do Trabalho, no final do mês de julho, no Distrito Federal.

Meirelles, que também é professor universitário, descobriu que os homens se empenham mais que as mulheres em levar vantagem nas compras com a negociação, principalmente nos produtos e serviços que trazem a eles experiências inovadoras de consumo. Nesses casos, eles têm mais prazer em pechinchar. Como essas constatações surgiram numa pesquisa, não são regras, mas tendências. Nem todo homem se dá ao trabalho.

Roberto Brienza, que também é professor e faz compras regularmente no Mercado Municipal de São Paulo, é um dos que não brigam por preços menores. “Eu faço uma pesquisa e compro o produto que estiver mais barato, não negocio com os comerciantes.”

A pesquisa do professor Everson Meirelles ainda está em andamento e pretende ouvir 1.800 pessoas. Por enquanto, estão concluídas 1.002 entrevistas com moradores do Distrito Federal. A idéia é identificar razões que determinam o consumo e orientar não só as campanhas de marketing como também as empresas sobre meios de agradar aos consumidores. “Além de acertar na hora de oferecer um produto, as indústrias podem economizar com matérias-primas se souberem o que os consumidores não querem”, explica o pesquisador.

A constatação de que os homens pechincham mais que as mulheres surpreendeu Flavia Coutinho. “Eu achava o contrário, que a mulher brigava mais pelo preço que os homens. Mas, pensando bem, não sou mesmo de pechinchar. Eu procuro ver onde está o melhor preço e compro onde estiver mais adequado.” A mãe de Flavia, Maria das Graças, garante que sempre procura reduzir o preço dos produtos na hora da compra: “Não tenho nem um pouco de vergonha”.

O motorista Messias Bacha Filho acredita que as mulheres sempre vão a mais lugares para saber onde está o melhor preço. “Os homens fazem a compra mais rapidamente e talvez por isso briguem mais – e, mesmo brigando, geralmente pagam mais que a mulher, pois não fazem tantas pesquisas de preços.”

O estudo também aponta que o sexo masculino quer levar vantagem principalmente ao adquirir novidades, como um carro, computadores e equipamentos que incorporem novas tecnologias. Idade, renda e escolaridade pouco importam neste caso. As informações da amostragem induzem a constatações de como o padrão social, a cultura e a formação das pessoas influenciam na hora da compra: o homem gosta mais de barganhar nas compras que considera mais desafiadoras – o desafio do provedor, papel que há séculos faz parte do universo masculino.

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Comerciante da 25 de Março, Vagner revela: homem gosta mais de negociar no atacado

Na loja de tecidos em que trabalha na região da Rua 25 de Março, em São Paulo, o gerente Vagner Coimbra dos Santos usa seus 32 anos de experiência em vendas para afirmar que os homens negociam mais e melhor na hora de comprar no atacado. “Choram pelo melhor preço e brigam por melhores condições de pagamento. Mas quando a compra é no varejo a mulher dá as cartas. É imbatível”, afirma.

Outra revelação importante da pesquisa é que as mulheres estão mais preocupadas que os homens com as responsabilidades sociais das empresas. Na hora de comprar, se tiverem informações, podem rejeitar produtos que porventura tenham prejudicado pessoas ou grupos – por exemplo, os feitos por indústrias que exploram mão-de-obra infantil.

Meirelles assinala que a preocupação social dos consumidores é menor entre os mais jovens, os mais ricos e com menor escolaridade. Isso indica que, quanto mais a pessoa sobe degraus na escala social, menos se preocupa com as questões humanitárias. Dessa forma, dá para aferir a influência da formação na hora da compra. As mulheres se valem da carga cultural que trazem através dos séculos. São mais protetoras – dos filhos, da família e, por conseqüência, da sociedade.

Indicadores
A amostra inicial da pesquisa do psicólogo Everson Meirelles, da UnB, reúne pessoas entre 14 e 57 anos, a maioria estudantes universitários. Nesse universo, 79,3% são moradores do Plano Piloto e das cidades-satélites de Brasília e 20,7% das cidades do Entorno. As mulheres são 59,4% dos entrevistados e os homens, 40,6%. O pesquisador alerta que essa amostra não representa a população brasileira e, portanto, os resultados têm de ser vistos apenas como indicadores.