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Elixir da juventude

Enquanto as mulheres têm maior capacidade de se adaptar aos percalços da idade, os homens acima de 60 encontram no amor, mais que um grande aliado da saúde, uma causa que rejuvenesce o espírito

augusto coelho

Emanuel e Célia resolveram viver juntos em Brasília 17 anos depois de se conhecerem

Embora a Organização Mundial de Saúde considere idosas as pessoas a partir dos 60 anos, essa classificação já parece beirar o equívoco. Livre-se dos estereótipos e olhe à sua volta. Os sessentões estão por todo lado, produzindo como nunca, iniciando novos negócios e carreiras, curtindo a vida em todos os seus aspectos. E mais: estão amando. Amam a mulher que conheceram há 40, 50 anos; amam pela segunda vez, depois de um casamento desfeito ou da viuvez; amam pela terceira vez, na esperança convicta de que desta vez acertarão no alvo; ou amam mais uma vez como se fosse a última e infinitamente enquanto dure. Longe da improvisação, os homens brasileiros buscam o amor com maturidade e romantismo, e não por convenção, vontade de rachar as despesas nem de viver antes mal-acompanhados do que sós.

Trata-se, com o perdão do trocadilho, de um senhor romântico, que dá aulas sobre as maravilhas do amor. Uma atitude, aliás, que faz bem ao corpo e à alma. “Embora não haja estudos consolidados, não há dúvidas de que a manutenção da vida amorosa ao longo dos anos protege a saúde e está diretamente relacionada com a diminuição da mortalidade”, afirma José Antonio Curiati, geriatra do Hospital Sírio-Libanês e médico supervisor do serviço de geriatria do Hospital das Clínicas, em São Paulo. Nos Estados Unidos, foram realizadas pesquisas que ofereceram um dado concreto: quando há um relacionamento fixo, a quantidade de relações sexuais é muito maior do que entre os solitários – e já está documentado que o grau de atividade sexual está diretamente ligado à boa saúde cardiovascular.

“O bom dessa fase é justamente a capacidade de internalização da relação, do erotismo e até dos prazeres materiais. Acredito que estou vivendo agora meu melhor momento, um momento de encantamento. É o sagrado entrando no meu coração”, descreve, quase recitando, Emanuel Tadeu Medeiros Vieira, jornalista que, aos 62 anos, declara-se apaixonado pela médica Célia de Souza, com quem vive desde maio deste ano. O casal se conheceu em 1990, na Bahia, onde Célia morava antes de se mudar para Brasília, para unir-se ao namorado – e lá se foram quase 17 anos de idas e vindas. “As pessoas estão mais preocupadas com seus carros e casas, perderam o sentido doméstico e do encontro. Célia foi uma bênção na minha vida”, descreve, destacando a segurança afetiva e a maturidade do romance. “Não temos rotina, reinventamos o encanto a cada momento.”

O dia-a-dia do casal é de causar inveja a qualquer dupla adolescente: passeios de mãos dadas, conversas transparentes e sem artifícios, o prazer assumido de dividir as coisas da vida. “Minha impressão é de que dá mais vontade de ser autêntico. O amor dá uma espécie de fortalecimento interior para lidar com os pedregulhos da vida. Rejuvenesce o espírito.”

Estímulo do tempo

O bem proporcionado à saúde física, emocional e mental pelo amor ajuda também na prevenção a muitas doenças comuns aos que avançam nas fases dos “enta”. O homem que tem uma companheira vive mais e é menos suscetível à depressão e ao estresse. “O amor sempre traz repercussões positivas, em qualquer idade. Mas para os homens depois dos 60 anos representa uma nova perspectiva, um novo direcionamento. É um elemento revitalizador, pois lança novos objetivos e comprometimentos”, afirma o professor e doutor Ailton Amélio da Silva, psicólogo formado pela Universidade de São Paulo e autor dos livros Mapa do Amor e Para Viver um Grande Amor, assinalando o que chama de vantagens predominantemente masculinas. “As mulheres raramente se casam quando chegam a essa idade solteiras. E quando sozinhas, por viuvez ou separação, têm capacidade de adaptação maior que a dos homens. Por isso acredito que seja o homem o mais beneficiado pelo amor nessa época da vida.”

Que o diga Flávio Aguiar. Romântico convicto, ele vive, aos 60 anos, um relacionamento que revoluciona sua vida: para estar perto da amada, que reencontrou neste ano, Flávio mudou-se para a Alemanha. Vai viver ao lado de Zinka Ziebell, uma brasileira há 20 anos radicada naquele país. Flávio é pai e avô, tem uma vida familiar ativa e não lhe faltam amigos e atividades – é professor recém-aposentado de Literatura Brasileira da Universidade de São Paulo (USP), editor-chefe da agência Carta Maior e colaborador da RdB. Mas não pensou duas vezes ao ter certeza do que sente por Zinka, que conhece há mais de dez anos. É uma paixão de primeira qualidade – e está abraçando a causa com toda a força de seus braços.

“Reencontramo-nos depois de muitos anos distanciados, mas desta vez tivemos certeza de que queremos, e merecemos, viver esse amor com toda a intensidade”, descreve o professor. Amigos o encontram e elogiam sua jovialidade. “Alguns estranham e consideram minha atitude um gesto adolescente, ainda têm a antiga perspectiva de que o amor não foi feito para quem tem 60.” É o terceiro casamento de Flávio, que promete para breve uma festa com bolo e tudo o mais. “Acho que a idade é um fator positivo para a paixão, pois me faz querer vivê-la ainda mais intensamente. Na verdade, o tempo nos impulsiona para o amor, pois a gente já sabe, a essa altura, que ele é curto e temos pressa”, brinca.

gerardo lazzariPaulo e Fátima
Prazer intenso pelas coisas boas da vida – Paulo e a namorada, Fátima, conquistada há oito meses, vão a todos os bailes que aparecem

Novos sentimentos

O médico Curiati não aceita que uma pessoa de 60 anos possa hoje ser enquadrada na terceira idade – a menos que a OMS admita que exista uma quarta, quinta ou sexta idade. “Do ponto de vista funcional, o homem nessa fase está absolutamente inteiro. E, quando se vê apaixonado, a jovialidade e a saúde ficam ainda mais evidentes, embora não existam estudos que atestem esse fato”, ressalva Curiati. A energia também se expressa nos dias agitados desses apaixonados. Normalmente com filhos criados, netos apenas nos fins de semana, aposentados ou com a carreira estabelecida, a palavra de ordem é se divertir.

Paulo Luiz Melloni, separado há três anos, não aparenta seus 71 enquanto dança colado à namorada, a viúva Fátima Teodoro Pereira, em todos os bailes que encontra pela frente. Ainda que às vezes um pouco perturbada pelo ciúme das filhas dela – evento comum entre os novos relacionamentos “maduros”, segundo os especialistas –, a sintonia entre os dois não deixa dúvida de que o sentimento que os une é o amor, recheado por um prazer intenso pelas coisas boas da vida. “Não acho que somos feitos para ficar sozinhos. Não importa a idade: o gostoso é ter com quem curtir novos sentimentos”, diz Paulo, abraçado à namorada conquistada há oito meses.

Vanda de Moura e Armando Santos saem diariamente para dançar e têm muita coisa em comum – são sorridentes, ótimos dançarinos e aposentados, o que garante tempo para o namoro, iniciado há quatro anos. Eles se conheceram em um baile no Sesc Pompéia, em São Paulo. “Sempre nos víamos e, quando percebemos, estávamos acertando nossos passos”, brinca Armando. “Nosso amor, talvez pela maturidade que já conquistamos, é muito espontâneo, pontuado pela sinceridade, pela lealdade e pelo respeito. A Vanda é leal, grande confidente e, puxa!, como gosto da personalidade dela”, enumera o namorado.

De primeira

E nem sempre é necessária mais de uma tentativa para encontrar a “cara-metade”. Ao contrário do que se imagina, não só existem casamentos duradouros como também os que são duradouros e apaixonados. João Vicente Júnior, de 70 anos, celebrará suas bodas de ouro com Luiza no ano que vem. Todas as tardes os dois saem para passear. Sentam-se quietos, abraçados, observam o que acontece. Trocam cochichos, as mãos sempre dadas. Na hora de falar sobre o que os mantém cúmplices há tanto tempo, ambos sorriem encabulados. “Talvez seja o fato de sempre termos feito tudo juntos. Muitos casais da nossa idade já não toleram ficar sozinhos um com o outro. Nós não: adoramos viajar a dois. Não sei se há uma fórmula do amor, mas, se existir, podemos dizer que a nossa foi manter sempre a serenidade e a compreensão um com o outro”, descreve João. “Continuamos nos amando, mas depois de tantos anos o que sentimos deve ser diferente do que os que se conhecem há menos tempo. Em primeiro lugar, a opinião de ambos é sempre decisiva para qualquer ação. Nem saberíamos viver separados.”

Essa é exatamente uma das frases preferidas do administrador de empresas Reynaldo Danilo Vernice, de 77 anos, há 52 anos casado com Ruth. “Sempre brinco com ela: ‘Espero que eu morra primeiro, pois sem você não vou conseguir nem encontrar minhas camisas!’” Se a frase não parece nada romântica, Reynaldo tem muitos argumentos para consertá-la. “Quando tomamos a decisão de noivar, decidimos que cada um faria aquilo que achava que devia fazer. Ela, por exemplo, resolveu ir estudar, numa época em que as amigas dela viravam donas-de-casa. Em segundo lugar, prometemos cumplicidade eterna. E, terceiro, respeito. Tenho uma foto dela em minha mesa de trabalho, ela aos 25 anos. Vejo Ruth até hoje assim”, descreve o administrador. E ambos concordam: o amor é fundamental. “Gosto de tudo o que ela é e só vejo um defeito: casou-se comigo.”