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Dizer não não é pecado

Mudanças hormonais, novas sensações e pressões do grupo de amigos seduzem o adolescente para a primeira experiência sexual, que pode trazer prazer, maturidade ou conseqüências indesejáveis

Regina de Grammont

Alana com a mãe: depois do susto, medidas para lidar com a gravidez precoce

Fidinésio Mendes ri de sua primeira transa, aos 15 anos. “Eu vivia me gabando, contando histórias de namoradas que já havia tido, mas na verdade era virgem.” Na época, uma colega mais velha, atraída pela conversa, resolveu “se dar” de presente de aniversário. “Fiz uma brincadeira com ela de dia e, à noite, ela me procurou. Quando entrei no carro não deu tempo nem de trocar um beijo: ela mandou ver. Foi muito rápido e só no dia seguinte consegui revelar que tinha sido minha primeira vez. Ela riu, e ficamos juntos por mais um ano”, conta Fid, como é chamado em Cordeirópolis (SP). A sensação, que ele acreditava que um dia teria com alguém especial e na hora certa, foi de medo. “Na correria, não entendi nada.” Cinco anos depois ele diz que o panorama mudou. “Meninas com 15 anos já transaram com vários caras. Quando eu tinha 15, não tinha essa moleza”, brinca.

A brincadeira não está tão longe do real. Numa pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) para o Ministério da Saúde, um em cada três entrevistados entre 15 e 19 anos disse ter relações sexuais por volta dos 15 anos – há uma década era um em cada nove. Outra pesquisa, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco), revela que a queda na faixa etária ocorreu sobretudo entre as meninas: nos primeiros quatro anos deste século, baixou de 19 para 15 anos, em média, a idade de “estréia” das garotas.

Os números mostram mais uma pequena revolução no comportamento da população – e revoluções sempre trazem ganhos e perdas. “Os pais estão mais permissivos. Por exemplo, entre 2001 e 2004 dobrou, de 25% para 50%, o índice de adultos entrevistados que diziam permitir que seus filhos levassem parceiros para casa”, afirma Andrea Hercowitz, pediatra e especialista em hebiatria (a medicina direcionada ao adolescente). “E, quando se adota essa postura, é preciso antes de tudo orientar responsavelmente o jovem, com diálogo e transparência.” Andrea é médica do hospital Albert Einstein, onde atende jovens da classe média e alta; dá cursos para adolescentes no Sistema Único de Saúde (SUS); e é professora no hospital-escola do Instituto de Hebiatria da Faculdade de Medicina do ABC.

Rodrigo ZanottoElaine
Elaine: “Fico triste quando vejo uma amiga transando sem estar segura, só por medo de perder o namorado

Pais ligados

Para que haja confiança e diálogo, o sexo não pode ser visto como tabu. “Pai e mãe têm papel preponderante e, se existe diálogo e percepção da naturalidade sobre a iniciação sexual, o jovem estará bem-assessorado. Pais que não se sentem confortáveis para conversar devem pedir ajuda profissional, em clínicas particulares ou postos públicos de atendimento”, defende Soraya Azzi, psicóloga da Pediatria do Hospital Albert Einstein.

Maria Julia Baltar Paim Panessa, que iniciou sua vida sexual com 13 anos, garante que sempre teve informação em casa e na escola. “Minha mãe começou a falar sobre sexo quando eu tinha 11 anos e sempre disse que fazia questão que, quando acontecesse, fosse em casa. Ela até propunha levar café na cama”, brinca. Mesmo assim, a história só chegou aos ouvidos da mãe depois. “Namorava havia meses e ele era mais velho que eu. Uma hora iria rolar. Certa vez fomos a um churrasco com uns amigos, em uma chácara, e aconteceu. Contar pra minha mãe não foi fácil – foi ela quem viu anticoncepcionais na minha bolsa e veio conversar. Depois ficou tranqüilo. Quando eu tinha 18 anos, meu pai me ajudou a bolar um aniversário ‘especial’ para um namorado meu em um motel”, conta. Hoje, aos 21 anos, acha que se precipitou. “Aos 14 anos eu já tinha preocupações de mulheres adultas. Medo de engravidar, de pegar doenças. Se eu tivesse contraído uma doença sexualmente transmissível, teria de passar a vida me cuidando e me preocupando em não transmiti-la”, raciocina.

É consenso entre os médicos que o apelo da mídia e o volume de informações disponíveis em canais diversos, como a internet, influenciam a precocidade da atividade sexual. Para o psicólogo especialista em sexologia Carlos Boechat Filho, a diminuição da repressão política, educacional e religiosa trouxe mudanças positivas: “Especialmente do ponto de vista do acesso a informação e quebra de tabus”.

Andrea Hercowitz concorda: “Ao se tornarem adultos, esses jovens estão mais conscientes de si e do que querem. Têm chances de ser mais felizes”. Mas não se trata de uma regra, e sim de uma possibilidade. “Se a sexualidade for exercida de forma inteligente e segura, a atual adolescente e futura mulher provavelmente poderá ser mais feliz e não será submissa, como foram as das gerações anteriores”, avalia.

Rodrigo ZanottoMurilo
Murilo: “Querendo ou não, sempre tem aquela pressão dos amigos”

Aspectos físicos

Fatores fisiológicos também estão se precipitando. A menarca, primeira menstruação da mulher, que acontece por volta dos 12 anos, já não é considerada anormal a partir dos 8. O aparecimento do broto mamário, que dá início ao desenvolvimento dos seios, também está adiantado. Andrea já atendeu meninas de 7 anos nesse estágio. “Dentes também estão começando a cair mais cedo. Não é possível dizer se é positivo ou não. Só sabemos que tudo isso indica uma tendência genética.” Sabe-se, por exemplo, que no século 19 não era raro as adolescentes passarem pela menarca por volta dos 17 anos.

Os meninos não vivenciam essas alterações físicas no mesmo ritmo das meninas. Mais marcante, neles, é a mudança comportamental e social, em grande parte resultado das mudanças vividas pelas garotas. No Brasil de décadas atrás, muitas vezes era o pai do adolescente quem o induzia à iniciação sexual. Hoje os garotos encontram seus pares dentro de seus grupos. E as mudanças hormonais da puberdade, neles e nelas, despertam o interesse pelo sexo, sensações que antes não existiam e a segurança – muitas vezes equivocada – de que “se tornaram grandes”. Quando a vida sexual acontece “cedo”, pode representar uma passagem precoce para a vida adulta, segundo a classe médica. Com seus malefícios e benefícios.

Em seus atendimentos, a psicóloga Soraya Azzi, do Albert Einstein, percebeu motivações diferentes entre meninos e meninas. Em geral, eles têm a primeira relação “pela experiência” e elas “por afetividade”. Mas, para ambos, uma das principais características é o natural afastamento dos pais e a busca por um grupo social com o qual se identifiquem. Se colegas já tiveram experiências sexuais, o jovem fatalmente se sentirá estimulado a ter também, o que não é uma boa forma de começar. “Querendo ou não, sempre tem aquela pressão dos amigos, ‘nossa, já estão juntos há oito meses e nada…’”, relata Murilo Chaguri, de 16 anos, que teve sua primeira relação aos 15.

A estudante Elaine Luque, que transou aos 13 anos com o namorado de 19, tenta sempre “aconselhar” amigos. “Para mim, o dia em que rolou foi o mais feliz da minha vida, com direito a rosas sobre a cama dele e tudo o mais. Foi tudo bonito. Fico triste quando vejo uma amiga transando sem estar segura, só por medo de perder o namorado: ‘Se eu não fizer, outra fará’. Já para os amigos, aconselho sempre não forçar a barra, fazer disso um momento especial. A primeira transa marca a gente pra sempre”, acredita.

As meninas, quando têm acesso a atendimento e informação, preocupam-se em saber sobre anticoncepcionais e menstruação. Já os garotos se mostram preocupados com temas como masturbação, tamanho do pênis, mudanças do corpo e quando vai “rolar”. Mas não é incomum o tripé formado por orientação familiar, sistema educacional e de saúde falhar. Alana Koveroff Kusminsky, de 16 anos, está entre os quase 6% das meninas de 15 anos que engravidam, segundo a Unesco. Sua mãe, Luciana Vinchevichi Koveroff, de 38 anos, sempre foi aberta e tratou com as duas filhas sobre o tema. Levou Alana ao ginecologista quando soube que ela havia iniciado a vida sexual, mas a gravidez já estava em curso, fruto de um namoro terminado dois meses antes.

“Fiquei sem chão, comecei a tremer sem parar”, conta a futura avó. “E, como deve acontecer com todas as mães que passam por isso, fiquei semanas me questionando sobre o que havia feito de errado. Constatei que ela, com a arrogância típica da adolescência, pensou: ‘Não, comigo isso não vai acontecer’.” Passado o susto, agora tratam de ser práticas. Alana fez um acordo com a unidade do Sesi em que estuda e cumprirá o currículo em casa, quando necessário. Com informação disponível, abertura em casa e tudo o que manda o figurino, como acontece uma gravidez indesejada? Alana explica em parte. “Sempre é mais confortável falar com as amigas do que com os pais, mesmo que eles estejam abertos ao assunto. E decidi adotar o método da tabelinha”, a prevenção mais inadequada e ineficaz que existe.

Alana conta que no grupo de amigas quem ainda é virgem fica sem graça nas conversas. “Mas, entre as meninas, não ter transado não é um pecado como é entre os meninos.” Ela, aliás, dá sinais de que já se “distanciou” de seu grupo por força da gravidez. “Todo mundo acha um horror quando falo sobre assuntos como o parto, quando digo que quero que seja normal…”

Frustração precoce
Muitas escolas têm em seus currículos a matéria Educação Sexual. Mas as questões biológicas predominam. Emoções, auto-estima, preservação do corpo, limites pessoais são pouco ou nada debatidos. “Adultos precisam ensinar a seus filhos que eles têm direito a dizer ‘não’ e que a sexualidade não diz respeito apenas à libido, mas também a afeto e afinidade”, afirma a hebiatra Andrea Hercowitz. “Todo jovem tem seus anseios e sabe sobre contracepção, seja ele rico ou pobre. A diferença está nas conseqüências. Atendo meninas mais pobres que já estão casadas em função da gravidez, o que é difícil de encontrar nas classes mais altas.” No Brasil, nos últimos anos, a taxa de filhos por mulheres adultas caiu. A única faixa etária em que a porcentagem cresceu foi das adolescentes.

Uma pesquisa realizada pela Secretaria da Saúde do Espírito Santo constatou que o maior crescimento no número de mulheres com aids no estado se deu entre jovens com, em média, 15 anos. E 25% dos partos realizados pelo SUS em 2006 foram em meninas com menos de 19 anos. “Meninas com 13 ou 14 anos ainda não se conhecem, não fizeram escolhas nem sabem de seus limites. Não estarão atentas às prevenções”, constata Andrea. No entanto, segundo ela, é preciso fugir de generalizações. “É difícil dizer em qual idade se está preparado para o início da vida sexual. Às vezes pode-se estar aos 15, e aos 25 não estar.”