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Discussão empatada

O Fórum da Previdência teve o mérito de reunir governo, empresas, trabalhadores da ativa e aposentados e de construir consensos importantes. Mas restam ainda divergências que indicam: o jogo está longe de terminar

José Cruz/ABr

Marinho: “Precisamos planejar, olhar pra frente”

No futebol, costuma-se dizer que um empate, muitas vezes, é bom para os dois times. Em 31 de outubro, o ministro da Previdência, Luiz Marinho, divulgou os resultados do Fórum Nacional da Previdência Social, que consumiu oito meses e 12 reuniões – e atingiu 31 itens de consenso. Mas algumas decisões consideradas fundamentais ficaram de fora, o que deixou parte dos integrantes do fórum questionando se o empate foi bom. Entre os principais impasses estão as formas de financiamento do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), as regras sobre idade mínima e tempo de contribuição e uma possível reavaliação de normas da pensão por morte.

Para Marinho, a preocupação de propor uma reforma mais profunda agora era garantir um novo sistema para a próxima geração. “Precisamos planejar, olhar para a frente. Porque, se fizermos uma reforma daqui a 30 anos, vai ser uma reforma dolorida, com mudanças fortes para quem está trabalhando há 30 anos. A idéia é dar previsibilidade para as pessoas”, afirmou o ministro.

O secretário de Políticas de Previdência Social, Helmut Schwarzer, ressalta a importância de adaptar as regras à nova realidade demográfica. “Se você não faz isso, está aumentando o ônus da geração futura. Precisamos nos preocupar com o efeito dessa transição sobre as políticas públicas”, afirma. “À medida que o tempo for passando, vamos ter de fazer ajustes cada vez mais duros.”

Schwarzer não se sente frustrado com o resultado final. “Claro que gostaríamos que o fórum tivesse avançado mais. Mas ele foi inovador em vários aspectos. Mesmo na América Latina, a realização de um fórum com empresários e trabalhadores sobre a sustentabilidade do sistema é uma novidade”, diz. “Como toda novidade, o diálogo social nesse campo não é fácil de conduzir nem gera resultados imediatos. Um desses resultados pode ser a cultura da negociação”, pondera o secretário.

O diretor executivo da Confederação Nacional da Indústria (CNI), José Augusto Fernandes, declarou-se frustrado. “Estamos criando um grande problema para as futuras gerações”, afirma. “O crescimento econômico tende a superar alguns problemas, mas não é suficiente. A curva etária da população brasileira é totalmente diferente da dos anos 80, e será mais ainda no ano 2030”, lembra. “Isso cria uma demanda muito forte por revisão.” Para ele, as centrais “não quiseram enfrentar o ônus” das reformas.

O presidente da CUT, Artur Henrique da Silva Santos, ressalta a importância da própria realização do fórum. “Pela primeira vez, os atores discutiram um assunto dessa complexidade. Historicamente, isso nunca aconteceu. Os trabalhadores nem eram ouvidos”, observa. Em seguida lembra que a central conseguiu abrir a discussão sob um novo ponto de vista. “Era preciso participar e apontar uma visão diferente. Havia um diagnóstico, por setores do governo, de que a Previdência está falida e vai chegar a um ponto insustentável; uma visão apenas de custos”, diz Artur. “Conseguimos inverter essa lógica de pensamento. É preciso trabalhar pela inclusão, via formalização. A Previdência é um instrumento importante de proteção social.”

Por que emperrou

Segundo Artur, o governo enfatizou a preocupação com o fato de que, em algumas décadas, a população estará muito mais velha e vivendo mais tempo. Já os empresários estariam defendendo a necessidade de mudanças imediatas. “E nós queríamos discutir o fator previdenciário, que é uma arma contra os trabalhadores, postergando ainda mais a aposentadoria”, explica.

Ele relativiza a ênfase do governo no aumento da expectativa de vida da população. “Se houver crescimento econômico, gestão eficiente e controle social, você pode chegar à conclusão de que não precisa ter reforma”, explica. Por isso, o presidente da central destaca, como um dos itens de consenso, a recriação do Conselho Nacional da Seguridade Social, a fim de fortalecer a gestão quadripartite do sistema. Outro item importante, de acordo com Artur, foi a possibilidade de o período em que o trabalhador fica coberto pelo seguro-desemprego ser considerado para efeito de aposentadoria.

A discussão também teria travado na visão do Executivo sobre uma nova contabilidade para a Previdência. O governo tem adotado um novo critério de cálculo, que considera repasses da CPMF e renúncias fiscais. Com isso, o déficit – que a Previdência prefere chamar de “necessidade de financiamento” – de outubro, por exemplo, cairia de 2,694 bilhões de reais para 836,2 milhões.

“Os números demonstram que o maior desequilíbrio entre receitas e despesas está na previdência dos trabalhadores rurais, mesmo no conceito tradicional de contabilidade”, diz o Ministério da Previdência. “Por esse conceito, a necessidade de financiamento na área rural foi de 2,457 bilhões de reais em outubro, enquanto no mesmo mês do ano passado ficou em 2,378 bilhões.”

Conforme dados divulgados no final de novembro, em outubro a Previdência teve receita de 11,711 bilhões de reais, crescimento de 8,4% sobre o mesmo mês do ano passado, enquanto a despesa foi de 14,406 bilhões, alta de 2,9%. De janeiro a outubro deste ano, a arrecadação líquida cresceu 9,4%, atingindo um total de 110,452 bilhões de reais, enquanto a despesa subiu 6,6%, para 149,437 bilhões – com isso, o déficit em 2007 está em 38,985 bilhões, queda de 0,5% na comparação com o mesmo período do ano passado.

Entre os consensos, o secretário Helmut Schwarzer destaca ainda o desafio de universalizar a cobertura. “É um imperativo ético, uma obrigação da sociedade brasileira.” Ele também ressalta a preocupação com políticas de saúde e segurança no trabalho. “A política de prevenção vai ser cada vez mais importante. Enfrentar essas questões vai ajudar substancialmente na manutenção do sistema.”

Uma questão que ficou de ser detalhada é a desoneração da folha de pagamentos. A alíquota dos empregadores para contribuição ao INSS é hoje de 20% – a perspectiva é de que haja redução gradual.

O ministro Luiz Marinho encaminhará as conclusões parciais do fórum ao presidente Lula. “Se o governo decidir mandar um projeto completo ao Congresso, vamos ter de decidir sobre todas essas questões que não tiveram consenso”, observa. Ou seja, se e quando haverá um projeto concreto de reforma é uma decisão política tão importante como um pênalti a ser cobrado pelo presidente. E nem assim o jogo estará perto de terminar.