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Diabetes: evite surpresas

Distúrbio que reduz a expectativa e a qualidade de vida ameaça cada vez mais gente, de crianças a idosos. Alimentação adequada e atividade física custam pouco e são eficazes para prevenir esse mal, caro ao bolso e aos cofres públicos

Jr. Panela

Clécio só pôde ver o filho caçula, Igor, quatro meses depois de nascido. O diabetes havia lhe tirado a visão

“Criança não tem essa doença”, disse a pediatra. A resposta – errada – foi dada há três anos à dona-de-casa Eliane Ferreira, que investigava se o excesso de peso e a sede freqüente do filho Denis da Silva Ferreira, com 11 anos, seriam sinais de diabetes. Como havia muitos casos na família – avó, tio, bisavô –, era prudente consultar outros médicos. Exames revelaram o diabetes melito tipo 2, ou simplesmente DM2. “Pela história familiar, a gente sabe, o problema é sério“, conta Eliane. Hoje com 14 anos, Denis precisa de medicamentos, exercícios e dieta para controlar os níveis de açúcar no sangue (glicemia). “Se eu emagrecer e diminuir a glicemia, não vou precisar mais de remédios”, diz. O sacrifício é ficar longe dos quindins. “Se não me cuidar, posso ter de tomar até insulina.”

Denis está entre as 1.250 crianças e adolescentes atendidos no Instituto da Criança com Diabetes (ICD), de Porto Alegre. De acordo com o endocrinologista Balduíno Tschiedel, diretor da entidade e vice-presidente da Sociedade Brasileira de Diabetes (SBD), 2% deles têm DM2. Mas a taxa pode estar subestimada. “O instituto é referência para tratar o tipo 1, e não o 2”, diz.

Se faltam dados no Brasil, nos Estados Unidos não. Lá, um em três desses diabéticos ainda não passou da adolescência. A causa? “Cardápio engordurado e vida sedentária, com brincadeiras que se limitam ao computador e ao videogame”, alerta Josivan de Lima, professor de endocrinologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Norte.

Há pouco mais de dez anos a doença atingia só gente com mais de 40 anos e excesso de peso. A chegada precoce do distúrbio preocupa porque suas complicações podem reduzir de 17 a 27 anos a expectativa de vida de quem o adquire antes dos 15.

Por isso a Federação Internacional de Diabetes pautou o tema nas atividades de conscientização das cerca de 190 entidades de mais de 150 países marcadas para 14 de novembro, dia internacional do diabetes. Segundo a Organização Mundial de Saúde, existem hoje no planeta 240 milhões de diabéticos, de todas as idades, 90% deles do tipo 2. Há 20 anos não passavam de 30 milhões.

A Associação Nacional de Assistência ao Diabético estima em 12 milhões o número de brasileiros diabéticos. Nem os índios escapam. Um trabalho da Universidade Federal de São Paulo mostrou que a doença já ameaça as aldeias do Xingu. Para complicar, o número duplicará em 25 anos se as pessoas continuarem engordando. Democrático, o problema atinge homens e mulheres de todas as classes sociais.

Vida abalada

O DM2 chega de fininho e, quando se deixa notar, já fez muitos estragos. Para não ficar cego aos 35 anos por causa de uma retinopatia, o bancário Clécio Morse de Sousa, de Fortaleza, passou por cirurgias caras e complexas. Vendeu carro e precisou da ajuda financeira de familiares e amigos. O pós-operatório difícil incluiu um período sem enxergar. “Só vi meu filho caçula quatro meses depois de nascido”, diz. A complicação, causada pelo DM2, foi percebida há quatro anos, com a redução progressiva da visão. Em 2005, durante uma viagem, seus olhos começaram a sangrar. Por meses, Clécio dependeu de outras pessoas até para comer. Hoje já toma táxi sozinho, opera o caixa eletrônico usando uma lupa e enxerga o teclado do computador, não as letras. Crê que conseguirá ler e escrever com fisioterapia e poderá contar em livro sua experiência. “Se tivesse seguido à risca as recomendações médicas desde os 19 anos, não teria passado pelo que passei”, diz.

Questão de saúde pública, a doença é crônica e afeta em cheio a qualidade de vida. Muitos portadores, quando diagnosticados, estão em fase tão avançada que mal produzem insulina. O jeito é apelar para o hormônio sintético. Depois de notar nos olhos da filha Francieli, de 12 anos, uma coloração amarelada, a dona-de-casa Edi Cristina De Col, de Igrejinha (RS), procurou um médico. Os exames revelaram glicemia e colesterol elevados. Encaminhada para tratamento no ICD, a menina começou a insulinoterapia imediatamente, com três injeções diárias, mais medicamento oral, dieta e exercícios. Há quatro meses baixou para uma aplicação. Se perder peso, tem mais chances de controlar a glicose e, quem sabe, reduzir ou ficar sem os remédios.

A saúde financeira também é abalada. Estudo recente de um grande laboratório suíço revelou que um diabético gasta na farmácia 1.900 reais por ano, três vezes mais que uma pessoa que não tem a doença. Os cofres públicos destinam anualmente 2,5 bilhões de reais para pagar o tratamento das complicações, conforme pesquisa sobre o custo das hospitalizações por diabetes na rede pública brasileira, feita por Roger dos Santos Rosa, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul e analista do Banco Central. Os números são alarmantes: 2,2% de todo o orçamento anual do Ministério da Saúde vai só para isso. O valor médio, calculado em 292 dólares, é 36% maior que o de outras internações. O diabético interna cerca de seis vezes mais que a população em geral, segundo o ministério.

Coma bem
Refeição equilibrada não quer dizer comida fora do comum. É o bom e velho arroz-com-feijão que, infelizmente, está sendo substituído por frituras e sanduíches. Os pratos devem incluir nutrientes básicos: carboidratos (arroz, massas, batata), proteínas (carnes magras, queijos magros, feijão, leite desnatado), lipídios (óleos de canola, girassol, milho, soja) e fibras (frutas, verduras, legumes).

Cardápio desejável pela manhã: café com leite desnatado, pão sem miolo com margarina ou queijo magro e fruta. No almoço, arroz, feijão, carne magra, legumes, verduras; no jantar, sopa ou salada de legumes cozidos. E frutas ou sucos nos lanches intermediários. As frutas têm substâncias antioxidantes que retardam o envelhecimento e morte das células e suas fibras prolongam a digestão dos carboidratos e a saciedade (fazendo a fome demorar a voltar), além de reduzir a absorção de gorduras.

Gorduras benéficas?
Sim, elas existem. São as mono e poliinsaturadas, como azeite de oliva, nozes, castanha-de-caju e castanha-do-pará, capazes de aumentar os níveis de HDL, o colesterol bom, ajudando a retirar das artérias o excesso de colesterol mau, o LDL. Muito calóricos, esses alimentos devem ser consumidos em pequenas quantidades ao longo da semana.

Evitar ao máximo
Gorduras saturadas (dispense carnes gordas e reduza as vermelhas). Troque leite integral e derivados por desnatados. Gorduras trans (presentes em margarinas, sorvetes, biscoitos recheados, frituras e fast-foods).

Controle
Refrigerantes diet não têm valor nutritivo. A gema do ovo é rica em colesterol e seu consumo deve ser moderado. Alimentos açucarados não são proibidos, mas engordam.

Largue
Caldos prontos (carne, legumes, frango); bolachas recheadas; enlatados; pães recheados com bacon, calabresa, torresmo, salame; embutidos (mortadela, salame, lingüiça); produtos industrializados congelados (lasanha, batata frita, lanches, nuggets); macarrão instantâneo; salgadinhos fritos tipo chips.

Fontes: Cemenutri/Unesp) e FSP/USP

É simples evitar

mauricio moraisPedro
Na Unesp de Botucatu, Pedro reaprendeu a se alimentar

Depois de tantas notícias ruins, uma boa. É simples e barato evitar um mal tão nefasto. O professor Roberto Carlos Burini, da Faculdade de Medicina de Botucatu, da Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Unesp), é rápido na calculadora: “Com mudanças no estilo de vida é possível, em seis meses, normalizar taxas de glicose dos diabéticos brasileiros e economizar 700 milhões de reais ao ano”.

Coordenador do Centro de Metabolismo em Exercício e Nutrição (Cemenutri) da Unesp, Burini está desde 1991 à frente de um projeto pioneiro. A mão-de-obra vem de pós-graduandos em Medicina, Enfermagem, Nutrição, Bioquímica e Educação Física financiados por agências como a Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo, atualmente ligada à Secretaria de Ensino Superior, e o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, do Ministério da Ciência e Tecnologia. O espaço para as atividades físicas e para a orientação nutricional e psicológica pertence a clubes, escolas e associações parceiras. E os equipamentos para ensino e assistência são da Unesp. “O modelo pode ser adotado em unidades de saúde e de ensino público. Basta vontade”, provoca Burini.

A costureira aposentada Nadir Guimarães, de 58 anos, é atendida no projeto com orientação nutricional e aulas de ginástica aeróbia. Emagreceu dez quilos de março para cá e viu cair a glicose, o colesterol e outros fatores de risco. As doses dos antidiabéticos são hoje bem menores do que quando começou a ser medicada. “Depois que saio da ginástica, cuido da casa, dos netos e dos meus pais diabéticos”, diz Nadir. “Antes não tinha disposição nem para cuidar de mim.”

Mesmo sedentária e com pais diabéticos, a professora aposentada Maria Amélia Nogueira, de 61 anos, também de Botucatu, não se sentia ameaçada. Como diz, não fumava e se alimentava bem. Um problema familiar muito estressante disparou sua glicemia. Como os medicamentos não surtiam efeito, procurou o Cemenutri, caprichou mais na alimentação e passou a se exercitar três vezes por semana. “Estou mais disposta e alegre.”

Confiante também está o gráfico Marcelo Ferreira, de 36 anos. Há oito meses não conseguia caminhar nem 15 minutos ininterruptos. O excesso de peso, o sedentarismo e a fraqueza muscular causaram um desvio na coluna responsável por fortes dores. Com histórias de diabetes entre os parentes, tinha a glicemia alterada, a pressão alta e estava com sete quilos a mais do que tem hoje. “Já estive bem perto do diabetes”, reconhece. Com a ajuda de nutricionistas está aprendendo a se alimentar corretamente. A fisioterapeuta Marina Nicola o acompanha na rotina diária de exercícios sob medida. Com a correção postural, Marcelo já consegue caminhar por mais de 40 minutos sem parar. As chances de continuar perdendo peso só com a mudança no estilo de vida são bem maiores. E os riscos do diabetes e de problemas cardiovasculares, bem menores.

O grupo da Unesp mantém parcerias com o programa municipal de saúde da família e com escolas. Pedro de Medeiros Rocha, de 8 anos, conta que aprendeu muito nessas aulas. “Tem frutas que eu não gostava porque nunca tinha comido. Comecei a gostar depois que experimentei”, diz. “Meu amigo não comia goiaba.” O biólogo Guaracy Tadeu Rocha, pai de Pedro, apóia. Depois que descobriu que sua glicemia está no limite da normalidade, passou a caminhar e entrou na hidroginástica. “Minha mãe é diabética, o pai dela era. Precisamos ser cautelosos.”

Educação para a saúde é também a estratégia do Floripa Saudável 2040, parceria entre Universidade Federal de Santa Catarina, Sociedade Brasileira de Pediatria, Secretarias da Educação e da Saúde de Florianópolis e alguns setores da iniciativa privada. O programa se baseia em aulas sobre nutrição, atividade física e saúde em geral por meio de brincadeiras, teatro e oficinas para crianças entre 2 e 6 anos e seus pais.

Trocas inteligentes: ensine a criança a comer direito

Em vez dePrefiraPorque
  • Comer muito
    2 vezes ao dia
  • Comer com moderação
    4 ou 5 vezes ao dia
  • Equilibra o gasto energético, a fome diminui e evita as beliscadas
  • Ficar muito tempo
    sem se alimentar
  • Coma a cada 3 ou 4 horas
  • Não falta glicose no sangue e
    não há ataques de fome
  • Comer em horários irregulares
  • Comer sempre na mesma hora
  • Se “souber” a hora da comida, o corpo não pedirá antes
  • Comer depressa,
    na frente da TV
  • Comer devagar,
    em local tranqüilo
  • Há mais prazer com menos comida
  • Alimentação monótona
  • Comida variada, colorida e enfeitada
  • Além do bom astral do visual, a refeiçãoé mais vitaminada e nutritiva
  • Tomar pouca água
    e muito refrigerante
  • Beber muita água, chás
    e sucos
  • Além de ter mais fibras e vitaminas, sucos são menos calóricos e provocam menos cáries
  • Dieta de fome
  • Alimentação balanceada
  • Ajuda a manter um programa alimentar por mais tempo sem sofrer
  • Estocar salgadinhos
    e doces
  • Ter sempre frutas e verduras
  • Se a fome atacar, come-se
    o que faz bem
  • Molhos brancos
    e com queijo
  • Molho de tomate
  • Tem menos calorias e gorduras saturadas e contém antioxidantes

Incentive também
Se possível, a criança deve ir a pé ou de bicicleta para a escola ou à casa de amigos.

Estimule práticas com sua aprovação, mostre seu orgulho com a prática.

Planeje fins de semana ou férias que permitam atividades como trilhas, passeios de bicicleta, esportes.

Não utilize expressões como “esporte de menino” ou “de menina”. A opção é da criança, especialmente entre as meninas, que correm maior risco de sedentarismo.

Evite comentar o desempenho dela durante a prática desportiva, especialmente se estiver acima do peso.

Fontes: Cemenutri/Unesp, Projeto Floripa Saudável 2040

Corpo em movimento

  • mauricio moraisAmélia
    Aos 61 anos, Amélia “malha” e faz dieta para controlar a glicemia
  • Exercícios trazem benefícios imediatos, a médio e a longo prazo. Logo no primeiro dia já melhoram a ação da insulina, a captação de glicose pelo músculo e a redução de seus níveis no sangue, além de diminuir a resistência das células à insulina. Com o passar do tempo, beneficiam as funções cardiorrespiratórias, a força, a resistência e mais ainda a ação insulínica.
  • Todos os dias, entre caminhar, correr, nadar, pedalar, dançar, pular, escolha o que mais lhe dá prazer. São atividades de baixo ou nenhum custo. Sempre que puder, ande a pé. Em caso de transporte coletivo, desça um ponto ou estação antes e caminhe até o destino. Prefira a escada em vez do elevador.
  • Nem pensar em: ficar mais de 3 horas na frente da TV, videogame ou computador; só andar de carro; fazer exercícios físicos com a saúde debilitada; usar roupas quentes ou sacos plásticos em volta do corpo achando que ajudam a queimar calorias e a perder peso; começar um programa de atividade física sem antes consultar um médico.

    Fontes: Cemenutri/Unesp, Projeto Floripa Saudável 2040 e Sociedade Brasileira de Diabetes

 

Diferenças entre diabetes do tipo 1 e 2

corpoTipo 1
Como é
As células beta do pâncreas morrem e a insulina – hormônio que leva a glicose sanguínea para dentro de todas as células do corpo – deixa de ser produzida

Sintomas
Vontade freqüente de urinar, de beber água e de comer, perda de peso, fraqueza, fadiga, nervosismo, mudanças de humor, náusea

Tratamento
Injeções diárias de insulina sintética, além de dieta e exercícios para aumentar o consumo de glicose pelos músculos

Complicações
Os danos aos vasos sanguíneos causam pressão alta, infarto, derrame, retinopatia (que pode levar à cegueira), falência dos rins, exigindo hemodiálise e até transplante. A má circulação nas pernas facilita infecções que muitas vezes acabam em amputação

Fatores de risco
Predisposição genética e fatores emocionais. Mas pode ser causada por vírus

Tipo 2
Como é
Há produção de insulina, mas as células resistem à sua ação e a glicose não entra para alimentá-las. Com isso, sobra açúcar no sangue

Sintomas
Infecções freqüentes, vista embaçada, dificuldade na cicatrização de feridas, formigamento nos pés, muitos furúnculos

Tratamento
Dieta e exercício físico resolvem em muitos casos. Em outros se acrescentam medicamentos orais; há os que exigem insulina sintética

Complicações
As mesmas do tipo 1

Fatores de risco
Histórico familiar, obesidade (60% a 90% desses diabéticos são obesos) e sedentarismo. A idade (mais de 40) ainda é tida como fator de risco

Fonte: Sociedade Brasileira de Diabetes

O fim da picada

Para receber glicose – necessária para seu funcionamento –, as células precisam da insulina. E, para produzi-la, o organismo depende das ilhotas de Langherans, localizadas no pâncreas. No diabetes 1, o sistema imunológico as destrói. O resultado é a deficiência absoluta na produção insulínica. O transplante de pâncreas acaba sendo a solução para muitos desses doentes 100% dependentes da insulina artificial. O problema é a alta taxa de rejeição e de mortalidade nesses procedimentos cirúrgicos complexos. Há dez anos o Núcleo de Terapia Celular e Molecular (Nucel), da USP, busca uma técnica alternativa. Em vez de transplantar todo o órgão, aproveitar apenas as ilhotas do doador. Os pesquisadores trabalham para isolar ilhotas pancreáticas humanas e criar condições para que sobrevivam e se proliferem em laboratório. As células são retiradas do pâncreas de doadores e injetadas na região abdominal do paciente para, então, se dirigir ao fígado – que passará a produzir também insulina. O órgão foi escolhido por apresentar menor rejeição. Mesmo assim, a pessoa deverá tomar drogas imunossupressoras por toda a vida para que o sistema imunológico não ataque as células transplantadas. A técnica, ainda em fase experimental, é uma esperança. A pesquisa foi apresentada no Congresso Europeu de Diabetes, em Amsterdã, em setembro.