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Deslizamento à direita

Socialistas e socialdemocratas europeus, ao largar bandeiras históricas, perdem identidade e abrem espaço para o conservadorismo e a xenofobia

Bob Strong/Reuters

O desempenho do Partido Pirata foi um alento ante o avanço da extrema direita

O Parlamento Europeu, com sede em Estrasburgo, França, é um dos dois órgãos legislativos máximos da União Europeia (UE). É composto por 736 integrantes de 27 países e reúne-se cerca de 12 vezes por ano. Na reunião deste mês de julho, elegerá seu novo presidente e constituirá suas 20 comissões temáticas, como de meio ambiente, agricultura, relações de trabalho, política externa, entre outras. Espera-se que os temas privilegiados nesse início de novo mandato, que vai até 2014, sejam a regulamentação dos mercados financeiros e as alterações climáticas.

Na prática, o Parlamento exerce mais função de arena de debates, termômetro político e órgão consultivo obrigatório da Comissão Europeia, formada por ministros de Estado dos países-membros, que se reúne em Bruxelas, capital da Bélgica. A comissão é o órgão forte da UE. Outro fórum político importante do continente é o Conselho Europeu, em que se reúnem diretamente os chefes de Estado, cerca de quatro vezes por ano.

As forças hegemônicas na UE têm estado do lado conservador, refletindo a situação dominante nos países-membros de maior peso, como Alemanha, França e Itália. A última eleição, no início de junho, registrou uma caminhada ainda mais acentuada para a direita – embora todas as forças políticas mais tradicionais tenham sofrido baixas, exceto os Verdes, para onde migrou parte dos votos da esquerda.

As recentes eleições ressaltam que a maior débâcle ficou por conta dos socialdemocratas e socialistas, grupo que compreende também o Partido Trabalhista britânico. Os líderes desse agrupamento atribuíram o mau desempenho ao não comparecimento de seu eleitorado (na maioria dos países o voto é facultativo). Dos 375 milhões de eleitores potenciais, compareceram 43%. Muitos analistas apontam, porém, a própria história desse agrupamento nos países de origem como responsável por essa situação. De tradicionais defensores das políticas sociais, os socialistas, trabalhistas e socialdemocratas, depois do fim do comunismo europeu, passaram a ser defensores das políticas de desregulamentação laboral promovidas pelo neo­liberalismo hegemônico. Deixaram de ser uma referência para os trabalhadores.

Hoje em dia, as políticas sociais reclamadas pela crise financeira estão nas mãos de governos conservadores, como o de Sarkozy na França e o de Angela Merkel na Alemanha: proteção e criação de empregos, investimento público, ampliação da seguridade social, e assim por diante. Os socialdemocratas perderam suas bandeiras, e com elas sua identidade, aproximando-se cada vez mais de uma crise sem precedentes na sua história.

O lado conservador, com a liderança dos democrata-cristãos, manteve sua hegemonia no Parlamento, mas também nesse campo houve mudanças significativas. Todos os grupos tradicionais perderam cadeiras, embora não em proporção como a dos socialdemocratas ou socialistas. O crescimento do grupo Outros/Independentes significou em geral um aumento da votação em muitos paí­ses de partidos da extrema direita, com pregação xenófoba e anti-imigrantes. Foi esse o caso dramático da Holanda, onde os direitistas radicais fizeram uma campanha baseada na recusa da candidatura da Turquia para entrar na UE, alegando que é um país “muçulmano” e isso é incompatível com “europeu”.

Foi também o caso da Áustria, onde a extrema direita vem ganhando terreno ante o eleitorado jovem entre 16 (idade mínima para o voto) e 18 anos, e o da Hungria, duramente atingida pela crise e onde a extrema direita é favorita nas próximas eleições. Exceção curiosa dentro desse quadro desalentador foi a Suécia, onde pela primeira vez um membro do Partido Pirata conseguiu uma cadeira no Parlamento Europeu. Não, não é um representante dos Piratas da Somália, ou do Caribe; vem dos grupos que defendem a completa liberação de direitos autorais ou de propriedade na internet. Quando mais não seja, é um tímido consolo nesse quadro desolador de maré conservadora que sobe nas praias, terras e urnas da Europa.