Deslizamento à direita
Socialistas e socialdemocratas europeus, ao largar bandeiras históricas, perdem identidade e abrem espaço para o conservadorismo e a xenofobia
Publicado 04/04/2013 - 12h26
O desempenho do Partido Pirata foi um alento ante o avanço da extrema direita
O Parlamento Europeu, com sede em Estrasburgo, França, é um dos dois órgãos legislativos máximos da União Europeia (UE). É composto por 736 integrantes de 27 países e reúne-se cerca de 12 vezes por ano. Na reunião deste mês de julho, elegerá seu novo presidente e constituirá suas 20 comissões temáticas, como de meio ambiente, agricultura, relações de trabalho, política externa, entre outras. Espera-se que os temas privilegiados nesse início de novo mandato, que vai até 2014, sejam a regulamentação dos mercados financeiros e as alterações climáticas.
Na prática, o Parlamento exerce mais função de arena de debates, termômetro político e órgão consultivo obrigatório da Comissão Europeia, formada por ministros de Estado dos países-membros, que se reúne em Bruxelas, capital da Bélgica. A comissão é o órgão forte da UE. Outro fórum político importante do continente é o Conselho Europeu, em que se reúnem diretamente os chefes de Estado, cerca de quatro vezes por ano.
As forças hegemônicas na UE têm estado do lado conservador, refletindo a situação dominante nos países-membros de maior peso, como Alemanha, França e Itália. A última eleição, no início de junho, registrou uma caminhada ainda mais acentuada para a direita – embora todas as forças políticas mais tradicionais tenham sofrido baixas, exceto os Verdes, para onde migrou parte dos votos da esquerda.
As recentes eleições ressaltam que a maior débâcle ficou por conta dos socialdemocratas e socialistas, grupo que compreende também o Partido Trabalhista britânico. Os líderes desse agrupamento atribuíram o mau desempenho ao não comparecimento de seu eleitorado (na maioria dos países o voto é facultativo). Dos 375 milhões de eleitores potenciais, compareceram 43%. Muitos analistas apontam, porém, a própria história desse agrupamento nos países de origem como responsável por essa situação. De tradicionais defensores das políticas sociais, os socialistas, trabalhistas e socialdemocratas, depois do fim do comunismo europeu, passaram a ser defensores das políticas de desregulamentação laboral promovidas pelo neoliberalismo hegemônico. Deixaram de ser uma referência para os trabalhadores.
Hoje em dia, as políticas sociais reclamadas pela crise financeira estão nas mãos de governos conservadores, como o de Sarkozy na França e o de Angela Merkel na Alemanha: proteção e criação de empregos, investimento público, ampliação da seguridade social, e assim por diante. Os socialdemocratas perderam suas bandeiras, e com elas sua identidade, aproximando-se cada vez mais de uma crise sem precedentes na sua história.
O lado conservador, com a liderança dos democrata-cristãos, manteve sua hegemonia no Parlamento, mas também nesse campo houve mudanças significativas. Todos os grupos tradicionais perderam cadeiras, embora não em proporção como a dos socialdemocratas ou socialistas. O crescimento do grupo Outros/Independentes significou em geral um aumento da votação em muitos países de partidos da extrema direita, com pregação xenófoba e anti-imigrantes. Foi esse o caso dramático da Holanda, onde os direitistas radicais fizeram uma campanha baseada na recusa da candidatura da Turquia para entrar na UE, alegando que é um país “muçulmano” e isso é incompatível com “europeu”.
Foi também o caso da Áustria, onde a extrema direita vem ganhando terreno ante o eleitorado jovem entre 16 (idade mínima para o voto) e 18 anos, e o da Hungria, duramente atingida pela crise e onde a extrema direita é favorita nas próximas eleições. Exceção curiosa dentro desse quadro desalentador foi a Suécia, onde pela primeira vez um membro do Partido Pirata conseguiu uma cadeira no Parlamento Europeu. Não, não é um representante dos Piratas da Somália, ou do Caribe; vem dos grupos que defendem a completa liberação de direitos autorais ou de propriedade na internet. Quando mais não seja, é um tímido consolo nesse quadro desolador de maré conservadora que sobe nas praias, terras e urnas da Europa.