comportamento

De calças curtas

Gravidez na adolescência também afeta os meninos, mas a atenção dos especialistas é desigual. Informação, cumplicidade e afeto podem evitar ou superar o inesperado

gerardo lazzari

Augusto Estanislau “Fumaça”, 25 anos, e sua filha Beatriz, 7

Elida Tomazelli Capelassi tinha 15 anos quando nasceu Eliton, seu primeiro filho. Estava na 8ª série ao engravidar. Seu pai ficou furioso. Exigia que se casasse ou fosse embora. O casamento com o namorado, Hércules Capelassi Júnior, chegou a ser marcado. Ela porque queria, ele, à base de pressão. Na hora, o jovem deu o cano. “Eu tinha 16 anos, ainda fazia curso profissionalizante no Senai, estava no meio do colégio, pensava com cabeça de moleque, não tinha a menor condição de assumir um casamento”, justifica o fujão, que passaria os quatro anos seguintes rompido com a mãe de seu filho e sem poder vê-lo. O nascimento do bebê desencadeou o perdão. O avô de Eliton adotou-o como filho. Com o apoio da família, Elida continuou trabalhando – sim, sua adolescência já estava comprometida, antes, com ter de trabalhar –, concluiu o ensino médio e hoje vive situa­ção estável como corretora de imóveis. No último dia 20 de setembro, ela e Hércules, mecânico de manutenção numa fábrica de Santo André, no ABC paulista, completaram 20 anos de casamento. Além de Eliton – metalúrgico em São Bernardo do Campo, que tinha quase 4 anos quando os pais reataram –, têm Bruno, com 16 anos. 

Os casos de gravidez na adolescência multiplicaram-se nas últimas décadas e ganharam espaço na agenda de organizações não-governamentais, pesquisadores, meio acadêmico e setor público. Levantamento do Ministério da Saúde aponta que nascem no país, a cada ano, 485 mil crianças filhas de mães com menos de 19 anos. Mas, quando o foco é o pai adolescente, as estatísticas são escassas. Nem o IBGE se ocupou, ainda, em saber se os meninos da casa já são pai. De acordo com estimativas do Instituto Papai (Programa de Apoio ao Pai Jovem e Adolescente), do Recife, cerca de 300 mil dessas crianças têm pais adolescentes. 

Essa baixa visibilidade reflete na falta de políticas públicas de amparo ou orientação, no preconceito da família da companheira e de sua própria. “A paternidade precoce é assunto de saúde pública e muitas vezes provocada por desinformações sobre planejamento familiar, doenças sexualmente transmissíveis, sexualidade e vida reprodutiva. Esses temas são abordados só com meninas. Os meninos são pouco incluídos nessa etapa”, afirma a médica Maria do Socorro Tavares Gomes, tocoginecologista formada pela Universidade Federal da Bahia e coordenadora do Programa Ação Mulher, da Fundação José Silveira, de Salvador. 

Quando se descobre “grávido”, o jovem geralmente vira o “monstro”, para a família da menina, ou o “idiota”, para a própria família. A descrição é do jornalista Gilberto Amendola, autor do recém-lançado Meninos Grávidos – o Drama de Ser Pai Adolescente (Ed. Albatroz, Loqüie Terceiro Nome): “Tão importante quanto o acesso à informação sobre formas de prevenção é a desmistificação do sexo, para que o adolescente tenha tranqüilidade na hora H. 

“Difícil é assumir a responsa. No começo quase passamos fome.”
“A Elaine tava com 16 e eu tinha 18 quando veio a Beatriz. Não tinha ninguém pra correr por mim. Eu disse: ‘Ou isso vai me endireitar, ou me entortar de vez’. Endireitou. Quando ela engravidou, aluguei um cômodo. Comecei a viver do skate, só ganhando campeonato, arrumei patrocínio, colocava comida em casa. Hoje sou profissional e ganho salário das marcas. E meus filhos tão tudo certinho, na creche, estudando.

Antes deles, eu era muito loucão, todo dia no rolê, nada me preocupava. No meu meio, é fácil ver menino engravidando menina. Difícil é assumir a responsa. No começo quase passamos fome. Eu já tava acostumado, ela, não. Meus pais morreram, e todos os meus irmãos morreram no crime. A família dela caiu matando: ‘O moleque não tem futuro’. Mostrei que tenho.

Hoje tenho certo que, se não tivesse sido pai, não taria vivo. Quando tinha 12 anos, já tava na Febem por assalto a mão armada. Agora, sou exemplo na minha comunidade. A molecada pede autógrafo. Na MTV, falaram até que eu sou guerreiro. Eu posso dizer pros outros que tão esperando nenê: fica junto. Quando ela engravida, engorda e pensa que tá feia. Você tem que dizer que ama ela, senão ela entra em depressão.”

Augusto Estanislau “Fumaça”, 25 anos, skatista profissional em São Paulo, companheiro de Elaine, 23. Pai de Beatriz, 7, Marcelo, 4, Brian, 3 anos, e Murilo, 5 meses.

“Fiquei feliz”
“A gente já morava junto, mas a Camile veio no susto. Fiquei preocupado e feliz. Tenho sete irmãos e a Fernanda, três. Minha irmã gêmea já tem filho de 3 anos.
luiz camile
Na gravidez, eu ia junto nos exames. Vi palestras e tudo, só não vi o parto. Não deixaram. Me mandaram ir pra casa buscar roupa e, quando voltei… Na rua as pessoas falam muito: ‘Tão novinho…’ As pessoas falam demais. Eu não me sinto adulto, mas eu criei responsabilidade. Agora não quero mais filho, talvez depois, quando eu for homem.”
Luis Felipe Almeida dos Santos, 19 anos, ajudante de mecânico em Salvador, companheiro de Fernanda, 17, pai de Camile, de 10 meses.

Ele chega tremendo na farmácia para comprar camisinha. Pega a primeira que vê, não consegue colocar direito, fica com medo de perder o momento ou às vezes dá má sorte, a camisinha estoura, some…”, conta.

Para a médica-chefe da Unidade de Adolescentes do Instituto da Criança do Hospital das Clínicas de São Paulo Maria Ignez Saito, o garoto nem sempre é irresponsável e tem pouca chance de intervir na situação. Hoje, as meninas grávidas têm mais atenção que os meninos, do ponto de vista prático, físico e emocional. As escolas facilitam sua rotina. Os centros de saúde acompanham sua gravidez. Os pais da moça – passado o susto inicial – amparam. Com os meninos, muda de figura. Hospitais e clínicas raramente os deixam acompanhar o pré-natal ou o parto. “Quando se abre a porta da educação, a repercussão é positiva. Mesmo que ele não mantenha laços com a companheira, pode manter com o filho”, explica Maria Ignez. Segundo a Secretaria da Saúde de São Paulo, quase metade dos pais adolescentes abandona a parceira antes do nascimento.

Uma das conseqüências da gravidez nessa etapa da vida é a evasão escolar. O Ministério da Educação atesta que 25% dos garotos que abandonam a escola o fazem por assumir a paternidade. A integridade psicológica é afetada e há um choque no que os especialistas chamam de “construção da identidade”. São muitos elementos explosivos conjugados ao mesmo tempo. Há perdas e ganhos, mas a adolescência não é a fase ideal para “acumular funções”, seja o jovem amparado ou não, forme ou não família com a mãe da criança, opte ou não pelo aborto. “O pai jovem precisa adiar oportunidades. Mas, no caso da paternidade bem assessorada, o que poderia se complicar é amenizado”, explica Maria Ignez.

Há uma semelhança, no trato desse assunto, para qualquer classe social: o estigma “que destino terá a criança desta criança?” E muitas diferenças. Entre as famílias mais pobres, mais numerosas, aborto é assunto distanciado por motivos financeiros, religiosos ou morais – “se é homem para fazer, é homem para assumir”. Na classe média e na alta, o assunto vira questão da família e ela assume as decisões. “A opção do aborto está mais próxima da classe média e alta”, conta Amendola. Segundo a Organização Mundial de Saúde, dos 4 milhões de abortos praticados por ano no Brasil, 1 milhão ocorre entre adolescentes. Cerca de 20% morrem em decorrência de operações malsucedidas, realizadas em clínicas clandestinas.

Como nenhum método contraceptivo é 100% eficiente, o ideal é a proteção reforçada. Deve-se usar sempre a camisinha, inclusive para se prevenir contra doenças transmissíveis, combinada com outro método – pílula, diafragma ou camisinha feminina, e até contraceptivo de emergência. E nada supera o conhecimento. O problema é onde buscar informação. Ela está disponível em alguns serviços de saúde, mas os meninos têm vergonha de procurá-los. Segundo a médica Maria do Socorro, de Salvador, os meninos costumam comparecer em grupos às palestras realizadas pela Fundação José Silveira. No início, riem de tudo. Depois, tornam-se sérios e participantes.

Especialistas e governos têm de lidar com os universos de meninos e meninas com a mesma importância. Estimular a divisão das responsabilidades, potencializar os esforços preventivos e os de superação. Segundo pesquisa conjunta das Universidades Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e Federal da Bahia (UFBA) – que teve como amostragem 4.600 adolescentes nas capitais desses estados –, em apenas 3% dos casos as moças foram expulsas de casa por ter engravidado. Há 24 anos – quando o casal Elida e Hércules Capelassi se desfez diante do filho inesperado –, índice tão baixo de reação movida a moralismo seria impensável.

A pesquisa está compilada no livro O Aprendizado da Sexualidade (Ed. Fiocruz/Ed. Garamond). A antropóloga Maria Luiza Heiborn, organizadora da obra, observa que adolescência é momento de preparação para o futuro, mas também de experimentação afetiva e sexual. “Os pais e mães de hoje em dia estão mais ou menos cientes disso, mas ainda persiste uma comunicação difusa do tipo ‘olha lá o que vocês estão fazendo’”, diz Maria Luiza, em depoimento à agência da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Para ela, a escola tem de se aprimorar em sexualidade e capacitar continuamente os professores a abordar relações afetivas, e não se restringir a descrever o papel dos órgãos genitais. “É importante falar de gênero associado à sexualidade para facultar a conversa entre os parceiros – e a responsabilidade masculina – no tema da contracepção.”

“Grande aprendizado”
gil“‘Engravidamos’ com a Maíra menstruada – não acreditava que isso pudesse acontecer. Levei um susto. Dá um vazio. E meus planos de passar seis meses na Índia? Mas estávamos muito apaixonados. Para ela, foi mais difícil. Acho que para as mulheres a gravidez é idealizada como uma coisa romântica, preparada. Minha família ficou feliz. Eu me sinto preparado para a paternidade, embora às vezes me sinta adolescente. De outro ponto de vista, é uma idade maravilhosa para ser pai. Se a gente aceita o que a vida propõe, vira um grande aprendizado. Hoje vivemos na casa da mãe da Maíra e estamos nos organizando para ter nossa própria casa.”
Gil Moraes Kehl, 22 anos, terapeuta ayurvédico em São Paulo, companheiro de Maíra, 28, e pai de Miguel, de 3 meses.