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Cria da montanha

Os paredões de Urubici, na Serra Catarinense, a 167 quilômetros de Florianópolis, são obra de arte trabalhada pela natureza há 150 milhões de anos

Juan Rivas Beasley

Cânion do Espraiado

Esse pequeno município, encravado na serra, pega uma carona na fama da vizinha São Joaquim (SC), de cidade mais fria do país. Mas nem precisava. É em Urubici que, de fato, está registrada a mais baixa temperatura do Brasil: 18 graus negativos, em 1996. Por essa pouca divulgação, é preciso ir até lá para entender o que é Urubici, um termo indígena que significa pássaro liso ou lustroso.

Chegar é fácil: o centro urbano está a 167 quilômetros de Florianópolis, a 390 de Curitiba (PR) e 407 de Porto Alegre – embora seus encantos estejam escondidos e espalhados por lugares onde, na maioria das vezes, só se chega por estradas de terra. O lugar tem 10.500 habitantes, dois terços deles na cidade, os demais na área rural. Mas sua geografia extraordinária e o fato de abraçar parte dos cerca de 5% de Mata de Araucária que restam das serras lhe garante – se não já, num futuro próximo – uma posição de destaque como destino turístico nacional.

O município recebeu, no começo do século, imigrantes italianos, alemães e letos. Depois começaram a chegar sulistas e alguns poucos brasileiros do sudeste. Agrônomos ou empresários certamente já ouviram falar de Urubici, uma vez que é o maior pólo de produção de hortaliças de Santa Catarina. E de frutas. Sabe a maçã Gala que você compra no supermercado? Muito provavelmente vem de lá. Também se destaca na produção de mel – apenas uma das empresas instaladas por lá, a Api Silvestre, exporta cerca de 200 mil toneladas por ano. Mas, no que diz respeito ao turismo, Urubici ainda não foi descoberta. E por isso mesmo torna-se um destino ainda mais interessante.

A pequena cidade está incrustada em meio a paredões de basalto, cuja formação data de 150 milhões de anos atrás, e faz parte do Parque Nacional São Joaquim, com seus cânions gigantescos e estradas de asfalto de tirar o fôlego. Já está em pauta no Ministério do Meio Ambiente a criação, ali, de um novo parque nacional que terá o nome de Campo dos Padres. De acordo com a prefeitura, Urubici já tem 12 mil hectares de área protegida. Com o parque Campo dos Padres seriam agregados 18 mil hectares e o município se tornaria o de maior área protegida do Sul do Brasil.

“Para o turismo responsável e sustentável, seria excepcional, pois talvez Urubici venha a ser a única a estar coberta por dois parques nacionais”, torce Gisele Carreires, publicitária gaúcha que em 2001 instalou-se definitivamente por lá e recebe turistas em seu Refúgio Rio Canoas, charmosa pousada no vale do Rio Canoas.

É, aliás, do deck do Refúgio que se tem uma vista inigualável de uma das grandes atrações do município, a Pedra da Águia, um imenso paredão que lembra realmente a ave. E está longe de ser a única. A 26 quilômetros do centro, há o Morro da Igreja, o ponto mais alto do sul do Brasil. Lá está a Pedra Furada, situada a 1.828 metros, cuja imagem está obrigatoriamente estampada nos guias de ecoturismo do país. O Campo dos Padres e o Cânion Espraiado são outras. Sem contar as cerca de 80 cachoeiras, como a do Avencal e a do Véu de Noiva. No caminho em direção à Cachoeira do Avencal encontram-se inscrições rupestres feitas há quatro mil anos.

Divulgação/prefeitura de UrubiciPedra Furada
Pedra Furada

O programa é caminhar, caminhar e caminhar, sempre com um guia para indicar o rumo. Subir imensos paredões, andar por seus planaltos e, do topo, enxergar até a costa de Florianópolis, se a densa e costumeira neblina deixar – o que também garante um visual incrível. Depois descer e descer, nunca se apoiando nos imensos xaxins que crescem apenas alguns centímetros por ano e cuja extração é proibida para permitir um pouco de water walking, ou seja, caminhar sobre as pedras arredondadas de rios cristalinos – nos meses de verão, pois no inverno as águas geladas impedem a atividade.

Por eles, pela linda mata de araucária e por esses incríveis paredões basálticos, a palavra “preservação” é a que mais se ouve. E se pratica, ou ao menos se tenta. Já existem três organizações não-governamentais locais criadas para esse fim. Uma delas é o Instituto Serrano de Preservação da Natureza (www.institutoserrano.org.br), da qual o fotógrafo uruguaio Juan Rivas é fundador e vice-presidente. “Há muito trabalho a ser feito, mas precisamos de ajuda oficial, pois sozinhos tudo fica muito lento”, afirma Rivas. “Nossa região é pouco conhecida. E uma das formas de ajudar é fazer a população local compreender o paraíso em que vive e ensinar formas de preservá-lo ao mesmo tempo em que tiram seu sustento dele.”

Existe uma batalha a ser travada. De um lado estão ativistas e ONGs que buscam a conscientização da população, a atenção do governo federal e dos turistas. De outro, agricultores, tementes de que a criação de um novo parque acabe de vez com suas condições de produção, pois, nesse caso, a forma de plantio e de colheita terá de ser completamente revista.

O temor é compreensível, mas já há provas de que isso não eliminará sua atividade, uma vez que já está em andamento uma experiência bem-sucedida. “O governo precisa traçar um plano de ação, muito embora já exista uma comunidade formada por 30 famílias que está plantando organicamente. Fizeram sua primeira colheita, o resultado foi bom e a safra deste ano já está toda vendida”, conta a publicitária Gisele Carreires.

A prefeitura promove atividades como a Canoagem Ecológica, que teve sua quinta edição no ano passado, e que consiste em uma “caravana” de limpeza dos rios. “Conseguimos diminuir em muito o lixo que era depositado neles. Além disso, já fazemos coleta seletiva e temos um aterro sanitário”, explica Sérgio José de Lima, assessor de imprensa da administração.

A freqüência de turistas continua sendo mais forte no inverno. Mas esse não é um local apenas para se curtir o frio em frente à lareira. Oferece a oportunidade real de o viajante se integrar à natureza, seja a pé ou de bicicleta, neste último caso guiado por Cláudio Schlindwein, que coordena a agência Tribo Xokleng, única que realiza este tipo de atividade por lá.

Há caminhos para todos os gostos e bolsos, de caros hotéis-fazenda até simples pousadas. A população ainda nem está acostumada à chegada dos turistas. Muitas vezes, as pessoas não sabem indicar como se chega a determinada cachoeira ou por onde se inicia tal trilha – e aí entra o trabalho das agências, em sua maioria coordenada por brasileiros que chegaram e ficaram. Também neste aspecto há um trabalho sendo desenvolvido.

A Corvo Branco Expedições – cuja principal atividade é promover caminhadas de um dia ou travessias pelo parque com duração de dois a cinco dias – está desenvolvendo atividades para que a população local conheça seu habitat. “Eles precisam estar maravilhados como nós, que viemos de fora, para se engajarem”, resume Gisele, que “põe a mão” em tudo o que pode.

Por exemplo, ajudando na administração do grupo Artesãs da Serra, formado por mulheres que, aos domingos, abrem as portas da cooperativa para vender as melhores gostosuras de que se tem notícia: compotas, pães, biscoitos, geléias, tudo feito com ingredientes locais, embalados com simplicidade e charme. E o dinheiro é revertido para reforçar o orçamento das famílias. O objetivo de Gisele é o mesmo de todos os que chegam a Urubici. Em resumo, ajudar o município a se profissionalizar naquilo que é realmente sua vocação: o ecoturismo consciente e auto-sustentável em uma região que resiste bravamente, com a mesma força com a qual a natureza ergueu seus paredões. A página www.urubici.com.br é boa fonte de informações sobre a cidade, sua história e sua localização.